Amazônia é foco de tensão militar
O efetivo do Exército é insuficiente para defender 1.200 quilômetros de costa e 11 mil quilômetros de fronteira. A presença de narcotraficantes e das Farc nas fronteiras amazônicas está mais do que confirmada
Por Luiz Carlos Azedo
Nunca os estados da Amazônia estiveram tão bem representados na base governista do Senado. A maranhense Roseana Sarney (PMDB) é líder do governo no Congresso. O acreano Tião Viana (PT), vice-presidente da Casa. O líder do governo, Romero Jucá, é representante de Roraima. O líder do PMDB, Valdir Raupp, de Rondônia. E o ex-presidente José Sarney (PMDB), eleito pelo Amapá, uma eminência parda no Senado, onde nada de importante se aprova sem a sua discreta aquiescência. Todo esse prestígio da representação da região, entretanto, não foi capaz de evitar o vazio de poder existente na Amazônia. Há uma evidente subestimação do problema por parte dos políticos da região. Não é à toa que nenhum desses cardeais do Senado compareceu à palestra do comandante da Força Terrestre, general-de-exército Enzo Martins Peri, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, quinta-feira, na qual ele reconheceu que o Exército não está em condições de guarnecer satisfatoriamente as fronteiras da Amazônia.
Sucata
O presidente da comissão, Heráclito Fortes (DEM-PI), e os senadores Francisco Dornelles (PP-RJ), Eduardo Suplicy (PT-SP), Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) e Edison Lobão (DEM-MA), o único da região Norte, ouviram perplexos a confirmação de que o Exército virou sucata, conforme relatou o repórter Leonel Rocha, do Correio. A deterioração de seus equipamentos, segundo balanço do general Peri, é impressionante: os fuzis de assalto dos soldados brasileiros têm em média 42 anos de uso; 78% dos blindados têm mais de 34 anos, a maioria sem condições operacionais; obuseiros e canhões são oriundos da II Guerra Mundial. Além disso, a modesta indústria bélica nacional se estagnou por falta de demanda. E os recursos do Orçamento da União destinados ao reaparelhamento das Forças Armadas sempre são contingenciados pela Fazenda. Segundo o comandante da Força, o Exército “tem perdido, paulatinamente, sua capacidade de dissuasão e de se fazer presente nas nossas fronteiras” e o Brasil precisaria “recompor o equilíbrio da balança dissuasória regional.”
É por essa razão que a Amazônia virou um foco permanente de tensões no Ministério da Defesa. Recentemente, seu secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, general Maynard Marques de Santa Rosa, foi substituído pelo general José Benedito de Barros Moreira. Ele havia denunciado o “vazio de poder” na região durante um depoimento na Câmara. Santa Rosa foi responsável pela aprovação da Estratégia Militar de Defesa e da Doutrina Militar de Defesa, além do estabelecimento das diretrizes estratégicas do Programa Calha Norte. Barros Moreira, ex-comandante da 6ª Região Militar em Salvador (BA) e da Escola Superior de Guerra, era assessor militar do ministro da Defesa. Sua tarefa, segundo o ministro Nelson Jobim, é incluir a Amazônia na agenda do governo como uma questão de defesa, pois hoje ela é tratada apenas como problema ambiental e indígena.
Contradição
Um exemplo da contradição entre a política de defesa e as políticas ambiental e indígena é a situação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no norte de Roraima, com 1,8 milhão de hectares, homologada há dois anos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Polícia Federal prepara uma megaoperação para remover 8 mil arrozeiros da região, na qual vivem 18 mil indígenas das etnias Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona, a maioria nômade. Com muita relutância, o atual comandante militar da Amazônia, general-de-exército Augusto Heleno Pereira, aceitou dar apoio logístico à operação de retirada dos posseiros, que pode ocorrer a qualquer momento. A resistência do general tem lógica: não se pode confiar apenas nos índios para manter a soberania sobre a região, até porque historicamente foram os colonos — garimpeiros, seringueiros e catadores da babaçu, principalmente — que asseguraram a soberania sobre a Amazônia.
Com 42% do território e 3,35 habitantes por quilômetro quadrado, a Amazônia tem a maior diversidade do planeta e 15 das reservas de água potável do planeta. O efetivo do Exército é insuficiente para defender 1.200 quilômetros de costa e 11 mil quilômetros de fronteira. Mesmo assim, em muitos lugares, só as Forças Armadas conseguem socorrer a população civil com medicamentos e alimentos. Na chamada Cabeça do Cachorro, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, o único hospital é mantido pelo Exército, em São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, a 852 quilômetros de Manaus. Segundo levantamento feito pelo Exército, das 276 mil organizações não-governamentais que atuam no Brasil, 100 mil aproximadamente estão na Amazônia. Muitas atuam com interesses ocultos, envolvidas com o tráfico de drogas, armas, lavagem de dinheiro e espionagem, segundo denúncia do general Santa Rosa. A presença de narcotraficantes e das Farc nas fronteiras amazônicas está mais do que confirmada.