#1452
Mensagem
por Penguin » Qui Mar 24, 2011 8:34 am
24/03/2011
A Otan e o revés para Sarkozy
*Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo
Cinco dias após o início dos ataques aéreos na Líbia, as forças da coalizão acertam os ponteiros.
Já não era sem tempo. A ação necessária, salubre, desejada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy,
para impedir uma matança na cidade de Benghazi fora montada no calor da hora, com a pressa, a
emoção, o narcisismo e o amadorismo habituais a tudo que esse homem faz. O resultado é que os
primeiros dias de intervenção na Líbia foram caóticos.
Rachas ameaçaram a coalizão. China e Rússia aproveitaram-se para tirar o time de campo.
Mesmo na Europa, a Noruega se afastou. E a Itália resmunga.
Mas no pequeno grupo que está no comando - França, Grã-Bretanha e Estados Unidos -
também houve uma cacofonia. O pomo da discórdia era a cadeia de comando. Nos primeiros dias da
missão militar, justamente, não havia um comando unificado.
Grã-Bretanha e Estados Unidos queriam confiar o trabalho à Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan), a única estrutura capaz de coordenar uma ação tão complexa. A França não
queria a Otan. Por quê? Porque a Otan "cheira a" Estados Unidos, e, sobretudo, isso ameaçaria esfriar
os países árabes, daria argumentos a todos aqueles que, como a Rússia, se obstinariam em denunciar a
operação como uma "cruzada" do mundo cristão contra o mundo árabe.
Esses argumentos brandidos pela França não eram desprovidos de fundamento e a Otan foi, de
início, ignorada.
Mas o resultado foi que o verdadeiro cérebro das operações foram os Estados Unidos,
inevitavelmente, por causa de seu poderio militar. Tudo foi coordenado desde a Alemanha e o
Mediterrâneo pelos generais americanos. A França ofendeu-se. De sua parte, os Estados Unidos
estavam exasperados de ver que a operação "humanitária" estava sendo apresentada como um triunfo
pessoal de Sarkozy.
As tensões estavam tão vivas que foi preciso dialogar. Foi o que se fez, Obama e Sarkozy
conversaram e o presidente francês teve de reconhecer que uma ação como essa não poderia, na falta
de uma estrutura militar europeia, ser concebida e executada sem o apoio da Otan. Na terça-feira à noite
foi acertado um acordo. Obama anunciou que o papel-chave no comando das operações militares na
Líbia seria entregue à aliança atlântica.
Esse desfecho foi um revés para a diplomacia francesa, mas não se vê alguma outra solução
que pudesse ser adotada.
Além de tudo, o argumento árabe inicialmente agitado por Paris é inoperante hoje porque, de
todas as maneiras, a maioria dos povos árabes está insatisfeita com os primeiros ataques e prefere se
manter afastada do caso, exceto alguns emirados petrolíferos que dificilmente seriam considerados
representativos das massas árabes.
É numa circunstância como essa que se expõem as carências extraordinárias da União
Europeia. A política de segurança e defesa do bloco europeu ou inexiste ou é incapaz de agir como um
ator decisivo, e isso mesmo numa zona que está às margens da Europa, do Mediterrâneo, este "mar
europeu" tão entranhado nos jogos diplomáticos, políticos, econômicos e militares do Velho Continente. /
TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
*É CORRESPONDENTE EM PARI
Sempre e inevitavelmente, cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos que circulam pelo mundo.
Carlo M. Cipolla