Plinio Jr escreveu:Quais ??
GUERRA EM GAZA
Israel comete crimes de guerra
Choque e pavor (II)
por Alain Gresh
Na noite de sábado, 3 de Janeiro de 2009, o exército israelita lançou uma ofensiva terrestre em Gaza, utilizando todos os meios ao seu dispor: tanques, fogo de artilharia, bombardeamentos, etc. A situação é tanto mais inquietante quanto Israel, apesar de uma decisão do Supremo Tribunal, está a proibir a entrada dos jornalistas no território. A associação Human Rights Watch, num comunicado datado de 5 de Janeiro em Jerusalém, pediu às autoridades israelitas que deixassem entrar em Gaza os jornalistas e os observadores. Segundo fontes palestinianas, na cidade de Beit Lahiya foram mortas pelo menos doze pessoas na sequência de disparos de artilharia. Uma ambulância enviada ao local foi também atingida, o que paralisou a assistência. Um vídeo transmitido pela Sabbah-TV mostra algumas vítimas de «erros» israelitas num mercado.
Já se tornou claro que o número de vítimas civis palestinianas será elevado. No seu livro Just and Unjust Wars, o filósofo americano Michael Walzer notava o seguinte: «O tiro aos pássaros não é um combate entre combatentes. Quando o mundo se vê irremediavelmente dividido entre os que lançam as bombas e os que apanham com elas, a situação torna-se moralmente problemática». Em Gaza encontramo-nos na situação que Michel Warschawski sublinha no seu blogue num texto com o título «Blaming the “Two Sides”: Worse than the Killers» (30 de Dezembro): não dar razão a nenhum dos dois adversários é fazer como se estivéssemos perante dois exércitos.
Esta perspectiva é ainda mais falsa porque o cessar-fogo negociado entre o Hamas e Israel sob a égide do Egipto, e que entrou em vigor em Junho de 2008, foi violado por Israel, tal como é provado por um gráfico do Ministério israelita dos Negócios Estrangeiros que Paul Woodword reproduz no blogue War in Context («Silence has become complicity», 29 de Dezembro). Enquanto em Junho foram registados 87 ataques, em Julho estes caíram para 1, em Agosto houve 8, em Setembro 1 e em Outubro 2. Violando o acordo, a 5 de Novembro Israel efectuou um raide contra militantes do Hamas em Gaza, matando quatro pessoas. Em consequência, registaram-se 126 ataques do Hamas. Além disso, Israel nunca respeitou a outra vertente do acordo: a abertura de todos os pontos de passagem entre Israel e Gaza.
Por outro lado, Israel está a violar o direito humanitário e a cometer crimes de guerra, como demonstra Gilles Devers no seu blogue Actualités du droit, num texto intitulado «O que é um crime de guerra?» («Qu’est-ce qu’un crime de guerre?», 30 de Dezembro).
«Cada um analisará como entender os acontecimentos de Gaza, nas suas implicações militares, diplomáticas e de política interna. Não é esse o meu objectivo. Mas há realidades objectivas que estão aí, aos olhos de todos. Esclareço: Israel está a controlar as imagens, mas a televisão Aljazeera transmite toda a informação que é suficiente para dizer que é evidente que nestes dias Israel está a cometer crimes de guerra em Gaza.»
«E é um caso de reincidência. A Convenção de 1949 sanciona além disso no seu artigo 49 a construção de colonatos nos Territórios Ocupados, e no artigo 53 a destruição de propriedades na ausência de imperativos militares. A instalação de colonatos e a edificação do muro em território palestiniano também são contrárias à Convenção, como afirmou o Tribunal Internacional de Justiça numa deliberação de 9 de Julho de 2004. O massacre de Sabra e Chatila de Setembro de 1982 – para citar apenas um – nunca foi julgado.»
«Já oiço alguns dizerem que foi o Hamas que começou, que o que é que tenho a dizer sobre os disparos de mísseis sobre Sderot, que Condoleezza Rice responsabiliza o Hamas, que Mahmud Abbas lamenta a quebra das tréguas, que o Hamas é apoiado pelas forças de todos os perigos, e que é o Hamas que divide o mundo árabe…»
«Mas não é esse o problema. Israel não tem o direito de espezinhar a convenção que assinou. Uma convenção que indica, para que as coisas sejam bem claras, que foi redigida para os tempos de guerra, e que as regras fixadas só podem ser postas em causa por motivos de segurança.»
«O exército de Israel é forte, mas está a violar o direito internacional. O governo de Israel, autor de crimes de guerra e que é conduzido por um homem destituído por motivo de corrupção – que goza de uma pena suspensa porque as forças políticas são incapazes de formar uma coligação maioritária – está a enterrar-se na violência sem ser capaz de oferecer a mais pequena solução diplomática.»
Num texto publicado a 31 de Dezembro no diário The Guardian, sessenta parlamentares britânicos de todas as áreas políticas fizeram um apelo ao fim imediato dos massacres. O apelo foi lançado por pelo deputado trabalhista Richard Burden. Em França, a senadora Nathalie Goulet lançou também um apelo neste sentido.
O presidente Nicolas Sarkozy está em visita à região desde segunda-feira, 5 de Janeiro, tendo-se deslocado em primeiro lugar ao Cairo. A França, do mesmo modo que condena a ofensiva terrestre israelita, «condena com a mesma firmeza a continuação dos disparos de mísseis (sobre Israel), que são uma provocação inadmissível», afirmou o presidente numa entrevista à imprensa, não dando razão a nenhum dos dois protagonistas. Numa entrevista publicada segunda-feira nos diários libaneses, Sarkozy acusou o Hamas de ter «uma pesada responsabilidade no sofrimento dos palestinianos de Gaza». Estas posições confirmam a viragem da diplomacia francesa perceptível desde há três ou quatro anos, uma viragem a favor da política israelita.
Para se ter uma ideia do nível de racismo inconsciente (?) em que caem alguns sítios na Internet, leia-se o texto de Jean-Paul de Belmont intitulado «Vertige de la paix» (Primo-Europe). Eis um extracto, que poderá causar estupefacção ou divertimento:
«A criação de um Estado palestiniano é a última preocupação… dos palestinianos! Este povo mal-amanhado sofre de uma patologia contra a qual não há remédio: a vertigem da Paz. A Paz significa o fim da própria essência que fez este “povo” existir artificialmente desde 1967. Foi nesta data que Gamal Abdal Nasser fez sair do baú uma OLP até então desconhecida, a fim de a substituir ao seu sonho de pan-arabismo nas areias do Sinai, durante a Guerra dos Seis Dias.» (Note-se que a OLP foi criada em 1964, mas que importância tem isso…)
«É verdade que, actualmente, os principais dirigentes da Autoridade palestiniana escolheram o caminho do pragmatismo para conseguirem alcançar a criação de um Estado palestiniano. Não há qualquer dúvida sobre a sua boa vontade e a sua sinceridade. Mas o que podem eles fazer perante a vacuidade essencial do ideal palestiniano? Como podem construir uma nação com um “povo” proteiforme que apenas é cimentado pelo ódio do Outro? Um “povo” que, cada vez que lhe foi dada a oportunidade, teve a vertigem da Paz e só soube dizer NÃO.»
(...)
«No entanto, há uma solução. Não é por uma mentira durar há 42 anos que tem que continuar a ser dita. Estes árabes da Palestina têm que começar a sua própria psicanálise, olhar para si próprios sem se enganarem, perceber até que ponto foram manipulados por ideólogos, desde há tanto tempo. É a única maneira de poderem ter um futuro sereno, desembaraçando-se dessa identidade artificial virada para a guerra e para o ódio. É também necessário que os médicos que se debrucem sobre o seu caso não os encorajem no seu delírio, que deixem de sublimar a “justiça da sua causa”, “o esplendor da sua identidade”.»
segunda-feira 5 de Janeiro de 2009
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Le Monde diplomatique