A UE tinha duas opções: vencer a guerra ou preparar-se para a paz. Ao invés disso, ela perdeu a guerra e não se preparou para a paz.
https://observador.pt/opiniao/uniao-eur ... pacientes/Não há aterro sanitário grande o suficiente para descartar o lixo produzido pelas elites europeias, com o apoio de uma legião de editorialistas, directores, locutores, jornalistas, “jornalistas de referência”, majores-generais, carreiristas e autodenominados especialistas em política internacional e especialmente na Rússia, com o objectivo de empurrar a Ucrânia para um conflito kamikaze ao prometerem uma vitória impossível sobre a Rússia.
As armas decisivas até à vitória sobre a Rússia e sanções para a colocar em incumprimento. Então as setenta doenças de Putin e o seu isolamento do mundo, o novo Hitler que invade a Ucrânia como primeiro passo para invadir a Europa (como se o art. 5.º da NATO não existisse). Depois, a primeira contraofensiva, a segunda, a terceira, cada uma mais surpreendente do que outra. Então o exército russo oficialmente quebrado, que ficou sem homens, munições, mísseis, tanques, navios e tudo o mais, e bate em retirada. Depois as listas de “pacifistas” tolos e de “putinianos” até o Papa e Dostoievski, o “temos o dever de apoiar a Ucrânia até ao último ucraniano”, as viagens a Kiev em sinal de “unidade europeia”, as peregrinações a Kiev para obter uma fotografia ao lado do “herói” Zelensky e de qualquer coisa com o presidente Zelensky para fins de propaganda interna, a Ucrânia na NATO, o “não há alternativa à vitória da Ucrânia sobre a Rússia”, o Plano de vitória de 10 pontos de Zelensky, o Plano de Draghi para a economia de guerra, o “nós já vencemos a guerra”, as “negociações apenas quando a Rússia devolver os territórios ocupados (incluindo a Crimeia) e se retirar”, o “queremos a paz, mas não podemos negociar com Putin, a paz justa: tudo para nada. Em três semanas, o ciclone Trump, entre uma chamada e outra e alguns grunhidos, virou não só uma das páginas mais vergonhosas de covardia, servilismo e desinformação da história moderna, como decidiu que a guerra na Ucrânia, ou melhor, o que resta dela, tinha de acabar. Com quem ele decide? Ah, claro. Precisamente com Putin.
É Trump um traidor? Não. Ele apenas reconheceu a única coisa que importa: não a política do mais forte, como a falange de janízaros vendidos propaga, mas a realidade inescapável das relações de poder. Uma realidade dolorosa, mas muito menos dolorosa do que uma guerra que, se prolongada, não só multiplicaria o sofrimento do povo ucraniano, como fortaleceria o regime de Putin. Na verdade, acabaria com a Ucrânia (os russos conquistaram 20, e não 100% do país).
E foi precisamente esta realidade reconhecida pelos principais contendores – Putin e Zelensky – e o facto de não ser mais possível manter unido o fracasso da guerra, que levou a UE, depois de dizer “nunca, nunca”, a dobrar os joelhos diante do invasor e do suposto traidor para exigir os seus direitos na mesa de negociação e reconstrução, adquiridos sobre uma trágica pilha de mortos. Mas não só isso. A UE, liderada pelo quarteto Úrsula-Kallas-Macron-Costa (e antes Scholz), também lhes implora por “garantias de segurança”, como se fossem todos estatuetas de Chamberlain e Daladier.
Sejamos claros. Nestes três anos, a UE tinha duas opções: vencer a guerra ou preparar-se para a paz. Ao invés disso, ela perdeu a guerra e não se preparou para a paz. E não foi por falta de oportunidades para chamar a si o papel natural de mediadora, ao invés de entrega-lo ao ditador Edorgan, a Xi, ao Papa, Orbán e Trump. Ela poderia ter apoiado o acordo russo-ucraniano em Istambul dois meses após a invasão, em condições muito mais vantajosas para a Ucrânia do que aquelas que obterá agora: ao invés disso, ficou do lado dos sabotadores Johnson e NATO. Poderia ter pressionado Zelensky a negociar após a primeira contraofensiva ucraniana: em vez disso, pressionou-o a “lutar até a vitória” e a assinar um decreto que o proíbe de negociar com Putin (a propósito: quando irá aboli-lo?). Poderia ter advertido Zelensky para a inutilidade de uma Cimeira da Paz sem a Rússia: ao invés disso, Von der Leyen apoio-o (a mesma Von der Leyen que agora treme de indignação por ter sido excluída das negociações em Riad). Poderia, ainda, ter apoiado Orbán e Scholz, que reabriram os canais com Putin antes da chegada de Trump: em vez disso, a UE excomungou-os. E a culpa é de Trump?
Obviamente, não. A UE tem sido uma caricatura de si mesma desde antes de Trump, e à medida que os “véus da propaganda” são levantados, menos dúvidas restam de que foram os seus excessivos complexos de superioridade que a conduziram ao beco sem saída em que se encontra, ao sobrestimar a sua própria força e subestimar a força da Rússia. Em suma, a UE baseou a sua política na força. Sem forças, ela ficou sem política.
E, em lugar de reconhecer o erro, os líderes europeus mais cegos do mundo, querem convencer Trump (e os cidadãos europeus) de que a sua belicosidade grotesca é a única que pode ser adoptada e que sua narrativa é a única confiável. Então eles dedicam-se, com uma determinação assustadora, a transmitir a ideia de que, a UE, é hoje, parafraseando Keijo Korhonen, “um manicómio gerido por pacientes”. É o que acontece quando, por exemplo, os ouvimos dizer que vão enviar tropas de paz para Kiev, quando não há sequer uma trégua à vista, armas, mesmo sem guerra, mais sacrifícios humanos (de outros) para travar o avanço de Putin. Trump não os apoia? Iremos sozinhos contra o mundo. Sim, parece ficção. Faz lembrar algumas das cenas finais do filme “A Queda”, em que os últimos generais reunidos em torno de Hitler no bunker movimentam divisões e tanques que não existem mais.
Infelizmente, não é ficção. No manicómio de Von der Leyen tudo gira em torno de guerra. É a guerra, e não a paz, a cola que ainda mantém a UE unida. A comprová-lo está, entre outros, o anúncio que fez, com um sorriso de orelha a orelha, que vai permitir aos países-membros gastarem à tripa-forra em defesa sem restrições orçamentais. Ou seja, de pelo menos 3% do PIB (apresentados como um desconto em relação aos 5% exigidos por Trump) o que equivale a um aumento de 50%” em relação às despesas militares da Rússia, segundo o Osservatorio CPI. E para quê? Para se preparar uma guerra hipotética contra a Rússia. Tipo: “as nossas sanções produziram um efeito devastador na máquina de guerra russa”. Tudo isso sem que a UE tenha ainda dito uma palavra clara sobre o que quer: “Vitória militar total da Ucrânia” e “mudança democrática na Rússia e em outros países autoritários como a Bielorrússia”, como consta na resolução votada há um mês em Bruxelas?
E diante deste silêncio ensurdecedor, convinha saber quais são, de facto, os interesses que a UE persegue e defende, porque não está claro se estamos perante um movimento desesperado para tentar voltar a um jogo do qual foi totalmente excluída ou se, pelo contrário, a “paz justa”, pretendida pelas classes dominantes europeias, esconde um desejo de uma paz o mais injusta possível para os ucranianos. Senão mesmo, a sua extinção.