Amorim critica situação de brasiguaios
FÁBIO ZANINI
da Folha de S.Paulo, em Brasília
Enquanto os sem-terra brasileiros ensaiam uma aliança com o governo paraguaio para mudar o contrato de Itaipu, os sem-terra paraguaios representam uma ameaça a milhares de camponeses brasileiros que vivem no país vizinho. A situação se agravou desde a eleição do ex-bispo Fernando Lugo para presidente do Paraguai, em abril de 2008.
A avaliação é do ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, expressada em um documento de 11 páginas assinado por ele e enviado à Câmara dos Deputados no final do ano passado.
Segundo Amorim, a situação dos brasiguaios --os brasileiros que vivem no Paraguai- é tensa, com grande risco de sofrerem atos de violência. "A última grande onda de conflitos agrários ocorreu no final de 2004, início de 2005, período após o qual se observou uma certa distensão, até o ressurgimento da questão, com força revigorada, após a eleição do presidente Fernando Lugo", diz Amorim no documento, enviado em resposta ao requerimento de informações do deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE).
Lugo foi eleito em abril de 2008 e empossado em novembro. A Embaixada do Paraguai em Brasília foi procurada pela Folha para comentar as declarações, mas não se pronunciou.
O chanceler brasileiro sugere no texto que as promessas de Lugo de fazer uma reforma agrária profunda, que ainda não se materializou, exacerbaram tensões latentes entre os brasileiros camponeses e grupos de sem-terra paraguaios.
"A despeito do aumento da tensão nos últimos meses, a situação no campo paraguaio permanece, até o momento, relativamente sob controle. Isso não significa que não haja o risco de aumento da violência, com as consequências que esse cenário pode gerar".
Segundo Amorim, "apesar do recrudescimento da situação desde a eleição do presidente Fernando Lugo, a questão está longe de ser uma novidade".
O texto do ministro das Relações Exteriores lista uma série de problemas enfrentados pelos brasiguaios, a começar da sua "situação jurídica precária". Não se sabe nem quantos são os brasileiros radicados no país (algo entre 80 mil e 150 mil, de acordo com as projeções realizadas pelo Itamaraty).
Achacados
Amorim descreve relatos de brasileiros que procuram a embaixada em Assunção dizendo serem achacados por funcionários públicos paraguaios, que lhes pedem 'coima' (propina) para ter a situação migratória regularizada.
A situação de insegurança é maior no Departamento (equivalente a Estado) de San Pedro, no centro do país. "O potencial de conflito e de eclosão da violência nessa área é grande", afirma o ministro brasileiro.
Em vários pontos do documento, Amorim alfineta o governo do país vizinho. Diz que Lugo "não apresentou até o momento um programa de reforma agrária, não obstante o destaque dado ao tema ao longo da campanha eleitoral".
Noutro, lembra que o Paraguai foi o último integrante do Mercosul a aprovar o acordo de residência mútua de cidadãos dos países-membros, mas que ainda não está em vigor porque precisa ser 'depositado' junto ao bloco --uma simples, mas indispensável, formalidade.
Sem esse acordo, fica mais difícil regularizar a situação dos brasiguaios. "A situação migratória irregular de alguns brasileiros tem reflexos óbvios sobre as condições sociais em que se encontram: muitos não têm acesso a escolas, serviço médico", afirma.
Amorim também cobra de Lugo proteção aos brasileiros. "Espera-se que o governo paraguaio cumpra com suas promessas de agir em estrito cumprimento da legislação vigente, preservando os direitos de todos os imigrantes que desejem colaborar para o desenvolvimento do país".
Ameaças
Nos últimos meses, houve pelo menos dois incidentes envolvendo disparos contra produtores rurais brasileiros. Um grupo de sem-terra denominado "22 de Septiembre" seria especialmente atuante nas ameaças a fazendeiros brasileiros.
Amorim, na carta, não faz referência à tentativa do Paraguai de rever o acordo de Itaipu, nem à suspeita de que estaria sendo auxiliado pelo MST.
Os produtores compreendem desde grandes cultivadores de soja até pequenos camponeses de subsistência e trabalhadores rurais. No momento, está sendo feita uma pesquisa de opinião, contratada pela embaixada brasileira em Assunção, para aferir a imagem deles no país.
Na avaliação do Itamaraty, os brasileiros são vistos de maneira "ambivalente". Uma parcela da população, segundo Amorim, os vê como trabalhadores, empreendedores e visionários.
Mas haveria "grupos específicos" entre camponeses, com respaldo em setores da imprensa, que acusam os brasileiros pelos problemas da distribuição de terras.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/bras ... 8690.shtml