Elevador em favela de Ipanema vira atração turística no Rio
Obra atrai visitantes ao mirante com vista da zona sul, apesar de morro ainda ter tráfico de drogas
Valmir Moratelli, iG Rio de Janeiro | 12/07/2010 16:55
As aposentadas Edna Constancia e Orlandina Lopes, de 60 e 64 anos, respectivamente, costumavam sair de casa apenas uma vez por dia. Porque, para isso, precisavam enfrentar centenas de degraus em escadarias íngremes e ladeiras sujas, à beira de um penhasco até o alto do morro do Cantagalo, comunidade carente do bairro de Ipanema, zona sul do Rio. Desde o último dia 30, a realidade mudou. Foi inaugurada a primeira parte do Complexo Rubem Braga, que é composto por duas torres com elevadores panorâmicos, que ligam a estação de metrô da praça General Osório ao Morro do Cantagalo.

Foto: George Magaraia
O elevador facilita o acesso ao morro do Cantagalo, em Ipanema, bairro nobre do Rio
A torre que já está em funcionamento tem 64 metros de altura e uma passarela fechada de 24 metros de extensão, interligada a uma segunda torre, ainda em obras, que dará acesso à parte mais alta do morro. O custo da primeira fase da obra, parceria entre os governos Federal e estadual, foi de R$ 45 milhões, incluindo a construção de 120 apartamentos para famílias realocadas, saneamento básico e melhoria dos acessos ao morro. Uma segunda fase ligará a outra torre a um anel viário, possibilitando que carros e ônibus trafeguem pelo local.
“Não tenho mais que subir aos poucos, cheia de bolsas, precisando de ajuda dos meninos que vão pelo caminho, para me auxiliar. O elevador nos deu mais agilidade”, afirma Edna Constancia.
Com capacidade para transportar até 50 pessoas ao mesmo tempo, cada um dos elevadores dá acesso a um mirante, de onde é possível ter visão de 360 graus do bairro – com vista para as praias de Ipanema e Leblon, parte da Lagoa Rodrigo de Freitas, o Morro Dois Irmãos e o Corcovado. O
Foto: George Magaraia
Edna Constancia e Orlandina Lopes, moradoras
“elevador de Ipanema”, como os moradores se referem à obra, já virou atração turística da cidade.
“É um lugar lindo. A vista pode ser aproveitada por todos. Duvido que outra cidade tenha uma beleza como esta”, diz o comerciante Robson Brandão. Agora, ele costuma passear com sua filha, Laiane, pelas redondezas do elevador, que também ganharam projeto paisagístico, com parquinho de brinquedos e praças com bancos. “Só precisam acabar de vez com a violência, né”, alerta o morador.
Segurança no morro
A aparente tranquilidade só é possível graças à instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), presente na favela desde 23 de dezembro de 2009. Outro morador ouvido pela reportagem conta que, apesar da presença de policiais, ainda há tráfico no morro. “É muito menos do que era antes. Mas a gente sabe que ainda não expulsaram todos os meninos da área. É questão de tempo, eles já viram que o morro ficou muito visado, tem muito visitante agora”, disse o morador, que pediu para não ser identificado.
Foto: George Magaraia
Diego Fernandes e a família: passeio no morro
O fato não é negado pelo capitão Leonardo Nogueira, comandante da UPP das comunidades Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. “Ainda existe tráfico no Cantagalo, assim como está presente em qualquer área. Mas é um tráfico desarmado, velado, tímido. Digo isso devido a apreensões de traficantes com poucas quantidades de entorpecentes. São presos com cinco trouxinhas de cocaína, em média”, afirma.
O local onde foi construída a primeira das duas torres, na rua Barão da Torre, antes era um depósito ilegal de lixo, onde os próprios moradores locais despejavam seus dejetos. Agora, com a obra, a área foi urbanizada. “Era normal a gente ver traficantes vendendo drogas lá embaixo, na esquina, à luz do dia. Acabou o comércio por lá, acabou o lixo que ficava jogado nas calçadas”, afirma Diego Fernandes, morador de Ipanema, que foi ao elevador, pela primeira vez, com a mulher Julia e os filhos Vitória e Gabriel.
Funk e Bossa Nova
O tempo médio para subir ou descer as ladeiras da favela, segundo contam os próprios moradores, podia chegar a 20 minutos. O elevador possibilita que o trajeto seja encurtado para apenas 15 segundos, funcionando das 5h à meia noite. O acesso é gratuito. Um funcionário do metrô orienta quem chega ao local para se dirigir à esquerda do prédio, onde uma placa indica a fila do elevador. Não é preciso esperar muito. O ascensorista dá “bom dia” a todos que chegam. “Este elevador representa a junção dos dois lados. O que tem de gente que nunca pisou num morro vindo ver como é aqui no alto... É legal ver a cara de surpresa das pessoas”, conta o ascensorista Antonio Silva.

Foto: George Magaraia
Bossa Nova também em japonês
Azulejos em azul e branco ornamentam as paredes de acesso à galeria do metrô, localizada ao lado do elevador. Ilustrações estilizadas de violões fazem referência à bossa nova, que nasceu no bairro. Trechos de obras do escritor Ruy Castro estão em vários idiomas. Até em japonês. Mas é o som do funk que predomina nas vielas da favela. Enquanto a reportagem do iG esteve no local, chamou a atenção a música tocada por um rádio na janela de uma casa. Ao invés de “o baquinho vai/ a tardinha cai”, era ouvido um funk contendo refrões impublicáveis.
Visitantes com máquinas digitais
O elevador não atrai apenas visitantes cariocas, de outras regiões. Também já se nota presença de turistas de outros estados à procura do mirante, instalado no local. O médico Francisco Aguiar, de Brasília, já esteve várias vezes no Rio. Mas só agora, com a obra, teve coragem de subir o morro. “Meu primo mora numa rua próxima daqui, e sempre falou sobre os traficantes que invadiam as ruas e interrompiam o trânsito”, afirma o brasiliense, que estava acompanhado da mulher, Quilma Aguiar.
As amigas paulistas Melissa Araújo e Priscila Guimarães estão pela segunda vez de férias na cidade. E se encantaram com a oportunidade de visitar uma favela. “A primeira vez que vim ao Rio, quis ir a lugares comuns de todo turista. Dessa vez, com este lugar já aberto ao público, achei perfeito. Tem a cara da cidade, porque daqui podemos ver a mistura do morro com o asfalto”, conta Melissa, munida de máquina digital para registrar todos os ângulos da paisagem entrecortada por montanhas. “Faz uma foto pegando a favela e a lagoa ao mesmo tempo”, pedia Priscila.
Foto: George Magaraia
As turistas Melissa Araújo e Priscila Guimarães estiveram no mirante do elevador