Enviado: Qua Dez 26, 2007 11:45 am
por EDSON
As duas faces de Putin
A mídia ocidental insiste em enxergar apenas autoritarismo no presidente russo. Mas as verdadeiras fontes de sua imensa popularidade são o rearticulação do país e a recuperação da auto-estima nacional — duas conquistas reais, que tornam extremamente improvável um retorno à era Yeltsin
Jean Radvanyi
Não se podia esperar grande surpresa das eleições legislativas russas de dezembro de 2007. Já garantido pelas pesquisas, o partido no poder, Rússia Unida, viu as intenções de voto em seu favor darem um novo salto após o anúncio feito pelo presidente Vladimir Putin de que ele próprio encabeçará a chapa. Desde então, tornou-se evidente que o Putin entregaria ao seu sucessor — se é que ele de fato vai abandonar a direção dos trabalhos — uma maioria constitucional na Duma, permitindo-lhe modificar a Constituição com dois terços dos eleitos.
O amplo apoio da opinião pública russa àquele que dirige o país há oito anos é interpretado de diversos modos no Ocidente. Ressurgem os velhos clichês: em primeiro lugar, a suposta incapacidade quase genética dos russos de tomar o caminho da democracia e prescindir de um poder autoritário. Em segundo, o recurso do poder a diversos mecanismos de coerção que, pondo em xeque as conquistas frágeis e contraditórias do período yeltsiniano, explicariam a marginalização das oposições. Estaríamos voltando àquilo que os russos chamam, num belo eufemismo, de “democracia dirigida”. Mas não se pode compreender o grau de adesão ao presidente sem levar em conta outros fatores fundamentais que marcam a evolução recente do país.
Quando Putin chegou ao poder, no final de 1999, inicialmente como primeiro-ministro e em seguida como presidente, a Rússia estava profundamente desestabilizada. As caóticas reformas empreendidas por Boris Yeltsin enfraqueceram o Estado a ponto de fazê-lo perder o conjunto de suas funções exclusivas: muitas regiões e repúblicas dispunham de legislações próprias que contradiziam, em pontos freqüentemente importantes, as instituições federais. Em vários casos, governadores e presidentes locais se arrogavam a nomeação dos responsáveis regionais por administrações-chaves, como o fisco e a alfândega, encorajando as práticas de corrupção ou nepotismo.
Ao mesmo tempo, o Estado viu contestado o controle que exercia sobre sua principal fonte de renda: as receitas obtidas com matérias-primas. Diversos mecanismos legais ou ilegais (cessão de ativos a empresas de fachada off-shore, multiplicação de intermediários financeiros facilitando a evasão dos lucros etc.) permitiam que as grandes empresas russas, criadas no contexto das privatizações da era Yeltsin (fossem privadas, como a Yukos, ou semipúblicas, como a Gazprom), escapassem amplamente aos impostos e taxas, privando o Estado de qualquer margem de manobra financeira. O próprio funcionamento da Federação via-se em perigo. E muitos russos consideravam que seu país corria o risco, senão de explodir, ao menos de perder definitivamente a última oportunidade de progredir.
Tirar força da fraqueza: o Kremlin acusa (com razão...) o Ocidente de desejar a submissão da Rússia
Esse sentimento de derrocada difundiu-se ainda mais na medida em que o contexto internacional o favoreceu: os Estados Unidos e seus aliados europeus empreenderam uma ofensiva sem precedentes para reduzir a influência de Moscou em todo o seu espaço tradicional. Teorizada muito cedo por alguns conselheiros norte-americanos [1], essa estratégia (dita de roll back) visava explicitamente rechaçar a influência russa. Apoiou-se nos efeitos desastrosos da política tchetchna do Kremlin e nas inábeis pressões, militares ou econômicas, que o governo russo continuou a exercer sobre os vizinhos. E empenhou-se em reforçar a imagem negativa da Rússia, a tal ponto que alguns observadores não hesitaram em falar de russofobia [2].
Longe de responder positivamente aos acenos de boa vontade dados pelo chefe de Estado russo após o 11 de Setembro, os Estados Unidos os consideraram como sinais de fraqueza e apressaram-se em fortalecer sua presença em toda aquela zona, inclusive com as “revoluções coloridas” na Geórgia e na Ucrânia. Além de uma crescente intervenção nos planos diplomático e militar, os norte-americanos utilizaram todo tipo de instrumentos de influência, desde igrejas e seitas até as organizações não-governamentais locais. E quando não puderam eles mesmos fazê-lo diretamente, não hesitaram em fazer com que as ONGs fossem financiadas por diversas organizações internacionais, inclusive programas da Comissão Européia.
Embora seja certamente legítimo ajudar esses jovens Estados independentes a ganhar autonomia perante o incômodo vizinho, a nova política norte-americana, e em grande medida européia, consistiu em considerar que a Rússia não despertava mais interesse, nem no Leste Europeu nem em torno do mar Cáspio.
Nesse contexto, os dirigentes russos, para além do partido no poder, ficaram à vontade para persuadir a opinião pública local de que os Estados Unidos — com o consentimento tácito da União Européia — procuravam enfraquecer irreversivelmente o país. Tratava-se, explicaram eles, de reduzir a Rússia a um papel subalterno de fornecedor de algumas matérias-primas, cuja exploração, ainda por cima, só poderia ser feita graças à participação das grandes empresas ocidentais.
Decerto esse temor do caos foi voluntariamente exagerado por alguns setores próximos ao Kremlin, a fim de facilitar uma retomada do poder considerada necessária. Mas para compreender, ao mesmo tempo, as medidas empreendidas a partir de 2000 e sua aceitação por uma ampla parcela da população russa, é preciso considerar a dimensão desse medo, profundamente enraizado numa opinião pública traumatizada pela sucessão de crises dos anos 90 e pelo enfraquecimento de seu país no cenário internacional.
Mantém-se a empresa privada. Mas o Estado readiquire poder de coordenar os setores decisivos da economia
No campo da política interna, a ação do novo presidente exerceu-se principalmente em quatro eixos. Tratava-se, ao mesmo tempo, de retomar o controle da receita advinda das matérias-primas [3]; de reconstruir a indústria russa; de refundar o campo institucional russo nas regiões; e de constituir uma maioria política estável. Diversos, e freqüentemente brutais, os métodos utilizados combinaram pragmatismo frio e instrumentalização das disparidades. Todos eles inscrevem-se numa retórica de reconstrução patriótica que encontra amplo consentimento na opinião pública.
Apoiando-se nos “supergestores” que passou a nomear desde maio de 2000, o Kremlin retomou o controle das administrações regionais, forçando os presidentes de repúblicas e os governadores de regiões (os quais privou de imunidade parlamentar) a respeitar as leis e as regras orçamentárias e fiscais federais. A partir de 2004, eles passaram a ser nomeados por sugestão do Kremlin. Se necessário, a administração presidencial adula os líderes regionais potencialmente críticos (como o prefeito de Moscou, Yuri Lujkov) com algumas concessões, entre elas a de se verem reconduzidos em sua função. Entretanto, não hesita em forçar à demissão ou em processar aqueles que continuam a resistir. Em julho de 2000, o presidente convocou ao Kremlin 21 oligarcas e lhes ofereceu um acordo [4]: se não quisessem que a administração vasculhasse seus passados, eles deviam apoiar o esforço do governo pelo reerguimento do país, abstendo-se de intervir no campo político. Aqueles que não concordaram foram rapidamente varridos: dois deles tiveram mesmo de se exilar. Uma parte da imprensa russa lembrou, de passagem, a origem judaica de vários deles. E a prisão de Mikhail Khodorkovski, presidente da Yukos, ilustra a determinação do Kremlin.
Alvo eminentemente simbólico, esse magnata do petróleo e da mídia acabara de anunciar que pretendia vender 40% das ações da Yukos à norte-americana Exxon-Mobil e se candidatar à próxima eleição presidencial. Foi condenado por fraudes a nove anos de prisão e seu grupo foi esfacelado. Foi o início da reorganização da indústria, em que a administração presidencial reafirmou sua preponderância em todos os setores estratégicos: dos combustíveis à energia nuclear, do armamento às novas tecnologias.
Contudo, não se tratava de uma reestatização ou de um retorno ao sovietismo. Num contexto opaco, a economia russa tornou-se realmente capitalista. Embora os grandes grupos nacionais vigiados pelo Estado dominem os setores estratégicos (alguns públicos, outros privados, aceitando freqüentemente uma participação estrangeira, desde que permaneça minoritária), a maior parte das empresas e o essencial dos serviços permanecem privados, e abertos para o mundo como decerto jamais estiveram antes na Rússia.
O objetivo perseguido pelo Kremlin é, portanto, bem diferente: trata-se de, apoiando-se nos preços elevados do petróleo bruto, reconstruir uma indústria diversificada e produtiva, com grupos russos capazes de rivalizar com as multinacionais ocidentais em seu próprio campo. Os efeitos dessa política, no contexto da alta dos combustíveis, foram notáveis: em 2006, pela primeira vez, o PIB russo recuperou seu nível anterior a 1991, e as rendas médias do país progrediram nitidamente. É muito provavelmente aí, com a estabilidade institucional recuperada, que reside o núcleo da popularidade do presidente Putin.
Para consolidar o poder do presidente mudanças na lei eleitoral, intimidações, apoio tácito a grupos violentos
Contudo, nem todos os russos beneficiam-se desse crescimento – longe disso. E a opinião pública não aceita todos os sacrifícios que o poder exige dela. É prova a grande onda de manifestações, no início de 2005, contra a reforma das aposentadorias, que lesava as camadas mais desfavorecidas – aposentados, pequenos funcionários públicos. O governo teve então de retroceder em sua política social.
Ao receber um grupo de especialistas em assuntos russos, em setembro último, o ocupante do Kremlin declarou que, em sua opinião, “a democracia e o multipartidarismo permaneciam como únicas garantias de uma real estabilidade da Rússia a longo prazo”, afirmando apoiar, por exemplo, a idéia da criação de um verdadeiro partido social-democrata. Mas não tardou a acrescentar que a implementação desse multipartidarismo “levaria décadas” [5]. Muitos dirigentes políticos, inclusive na oposição, compartilham essa avaliação, que reflete uma profunda dúvida quanto à maturidade do eleitorado.
Na prática, a administração presidencial modificou profundamente, nos últimos anos, o exercício da democracia. Tornou mais difícil o registro dos partidos e das associações (em particular as ONGs, suspeitas de serem sensíveis às influências ocidentais). Revisou a lei eleitoral para suprimir a eleição de deputados por circunscrição (o que permitia que líderes da oposição fossem eleitos mesmo quando seu partido não ultrapassava, no cômputo geral, a cláusula de barreira de 7%). A intervenção nas redes de televisão — a ponto de o canal ORT não convidar mais para debates opositores críticos — restringe a liberdade de expressão a uma ou duas rádios de audiência limitada (principalmente a Eco Moscou) e aos jornais impressos, cujo público leitor desabou desde o fim da URSS.
Mais preocupante ainda é a atmosfera de pressões e de intimidações que sufoca a manifestação de movimentos considerados conturbadores. É o caso sobretudo das manifestações da Outra Rússia, fustigadas pela polícia ou pelos Nachi (Os Nossos, a organização juvenil criada pelo Kremlin [6]). Também nesse campo, a sociedade russa continua brutal e, muito embora nenhuma estrutura oficial estivesse diretamente implicada no assassinato dos jornalistas Anna Politkovskaia ou Yuri Chtchekotchikin, a impunidade dos assassinos de profissionais da mídia, de empresários ou de administradores de diversos níveis revela as debilidades estruturais do Estado: corrupção latente dos serviços de segurança, ausência de separação entre os poderes executivo e judiciário, tolerância para com grupos extremistas, em particular xenófobos ou skinheads [7].
Os limites do poder: desigualdade social aguda e temor de retorno ao totalitarismo soviético
Os russos sugerem levar em conta as dificuldades de seu caminhar rumo a mais democracia, e a brevidade de sua experiência com reformas, desde a abolição do papel dominante do partido único (em 1988) e a dissolução da URSS (em 1991). As eleições legislativas, em dezembro de 2007, e presidenciais, em março de 2008, vão se realizar segundo as leis em vigor. Contrariamente ao que sugeria a maioria dos políticos de todas as tendências, assim como as pesquisas de opinião pública, o presidente não mandou modificar a Constituição em seu favor.
O próprio fato de uma sucessão se desenrolar normalmente nesse país já é um progresso real, seja qual for o papel que Putin atribua a si próprio a seguir. Mas, sob muitos aspectos, a “democracia dirigida” não passa mesmo de um cômodo eufemismo: seria mais adequado falar de “democracia manipulada”, quando o poder não hesita em atrair para si os representantes da oposição sensíveis à outorga de postos ou privilégios, ou quando multiplicam-se os vínculos pessoais (inclusive familiares [8]) entre os mundos político e econômico, e isso enquanto os representantes da oposição vêem-se sistematicamente marginalizados.
O atual chefe de Estado tem insistido na necessidade de uma ampla maioria e de uma presidência forte para concluir a estabilização do país e devolver à Rússia o lugar que reivindica no cenário internacional. Ninguém duvida que ele obterá as duas coisas com o consentimento de grande maioria da população, sensível aos êxitos alcançados durante os últimos anos. No entanto, esse sistema político controlado não poderá durar para sempre. O primeiro obstáculo encontra-se na pauperização real de um terço da população (segundo estatísticas oficiais), entregue à própria sorte numa sociedade muito dividida e com contrastes exacerbados, apesar do crescimento recuperado. Decerto, essas camadas não se caracterizam por um alto grau de organização, mas, como se viu no inverno de 2005, elas podem manifestar-se com veemência. O outro obstáculo reside na contradição crescente entre o modo autoritário de exercício do poder e a lógica liberal do sistema econômico e social.
Até o momento, o Kremlin tem evitado impor limites a conquistas tão preciosas e novas quanto a liberdade de circular e de realizar comércio no exterior (para os que têm meios para isso, mas eles são cada vez mais numerosos), de se informar pela internet ou ainda de enviar os filhos aos quatro cantos do mundo. Num país agora cada vez mais aberto, a retórica patriótica, as limitações ao funcionamento dos partidos e associações e o controle burocrático das empresas correm o risco de se tornar rapidamente freios concretos ao próprio crescimento. E de parecer a um número crescente de cidadãos russos aquilo que de fato são: visões e coerções administrativas herdadas do sistema soviético.
Leia mais:
O peso da política externa
Principais formações políticas
[1] Por exemplo, Zbigniew Brzezinski, “A Geostrategy for Eurasia”, Foreign Affairs, Palm Coast, n.º 5, 1997.
[2] Anatol Lieven, “Against Russophobia”, World Policy Journal, Nova York, inverno de 2000/2001.
[3] Jean-Marie Chauvier, “A Rússia busca seu lugar no mundo”, Le Monde Diplomatique Brasil, fevereiro de 2007.
[4] Le Monde, 30 de julho de 2000.
[5] Intervenção de Putin no clube Valdai, 15 de setembro de 2007. Ver também Eric Hoesli, 24 Heures, Lausanne, 16 de setembro de 2007.
[6] “Les jeunes en rang serrés derrière Poutine”, Courrier International, 30 de agosto de 2007.
[7] Carine Clément e Denis Paillard, [“Desigualdade, guerra e... resistências”->1189, Le Monde Diplomatique Brasil, novembro de 2005.
[8] “Les parents au pouvoir”, Kommersant Vlast, Moscou, 24 de setembro de 2007.
O peso da política externa
Jean Radvanyi
A política exterior é um elemento fundamental da virada estratégica empreendida pelo presidente Vladimir Putin desde sua primeira eleição, em março de 2000. E não por acaso: os dirigentes russos, como a opinião pública, são extremamente sensíveis ao lugar de seu país no mundo. As reviravoltas acarretadas pelo esfacelamento da União Soviética, com efeito, multiplicaram os fatores de inquietação: redução brutal do território e perda de numerosas regiões consideradas como “russas” há séculos; status incerto dos russos do “exterior próximo” (as ex-repúblicas da URSS), entre os quais inúmeros cidadãos da Federação têm parentes ou amigos; migrações em massa desses territórios rumo à Rússia etc.
Esses elementos internos, somando-se à dolorosa experiência da potência perdida, criaram um terreno favorável, na opinião pública, para uma mobilização dos sentimentos nacionais, com os quais a maioria dos partidos políticos, mas também o governo de Putin, têm jogado. Quase todas as grandes decisões recentes de reformas institucionais, econômicas e sociais se inscrevem nessa retórica patriótica que pretende devolver ao país a potência e o papel que se considera que ele deva desempenhar na globalização.
Outro elemento decisivo para compreender a evolução da política russa em matéria internacional: a impressão, amplamente difundida na classe política, para além da administração presidencial, de terem sido ludibriados pelos ocidentais. As razões da aproximação espetacular com Washington, impulsionada pelo presidente russo no dia seguinte aos atentados do 11 de Setembro, evidentemente não eram todas desinteressadas: o Kremlin desejava, ao mesmo tempo, ganhar tempo a fim de consolidar a situação econômica interna e estabelecer um paralelo entre o terrorismo mundial e a resistência chechena. Mas a atitude do presidente Putin – que suscitou muitas reservas entre as elites russas – poderia ter marcado uma virada significativa nas relações entre seu país e os principais membros da Otan. Ora, os Estados Unidos a interpretaram, bem mais, como um sinal de fraqueza permanente da Rússia e, desde então, têm desenvolvido em todas as direções uma estratégia de rechaço da influência russa, inclusive no espaço onde os interesses estratégicos russos estão realmente em causa: da Ucrânia ao Cáucaso e à Ásia Central.
Sem dúvida, Moscou ainda não conseguiu redefinir de modo sereno a natureza de suas relações com os vizinhos mais próximos. Suas decisões brutais, mesmo quando não são ilegítimas (como a elevação do preço do gás aos índices mundiais), e suas ingerências (como durante a campanha eleitoral ucraniana de 2004) só fizeram trazer argumentos de peso a seus adversários. Mas será possível, com isso, eludir o papel das ingerências norte-americanas ou européias nas “revoluções coloridas” [1]? Diante dos descontroles ocidentais em matéria de ações militares e de respeito aos direitos humanos que se multiplicaram no Iraque e em outros conflitos recentes, os russos suportam cada vez menos a prática freqüente do “dois pesos, duas medidas” no que lhes diz respeito. O alerta lançado pelo presidente russo, em fevereiro, em sua intervenção em Munique [2], teve o mérito de levantar com franqueza todas essas questões. Embora considerado brutal pela imprensa ocidental, ele porém não fechava as portas, mas, ao contrário, chamava à retomada das discussões sobre todos os temas sensíveis: ampliação da Otan a outras repúblicas da ex-URSS como a Geórgia, escudo antimíssil, Kossovo e poder nuclear iraniano, para citar apenas os mais evidentes.
Para o Kremlin, essas discussões devem viabilizar uma modificação importante das relações: o modelo político dos anos 1990, que relegava a Rússia à categoria de parceiro inferior do Ocidente, está ultrapassado. Moscou não permitirá mais que lhe imponham acordos considerados desequilibrados, como a Carta Européia da Energia. Decerto esse discurso político vigoroso tem uma dimensão eleitoral, mas exprime mudanças de direção geopolíticas fundamentais: a Europa e os Estados Unidos terão de levar em conta a ascensão poderosa dos “BRIC” (Brasil, Rússia, Índia e China). Putin, aliás, não deixa escapar nenhuma ocasião de lembrar que seu país não é apenas um Estado europeu: a Rússia desenvolverá cada vez mais sua vertente asiática, a exemplo de sua parceria com Pequim no seio do Grupo de Xangai [3].
O sentimento de que seu país volta a ser um ator principal no cenário internacional seguramente contribui muito para a manutenção da popularidade do presidente russo entre seus compatriotas.
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Principais formações políticas
Jean Radvanyi
A Assembléia Federal é o órgão representativo e legislativo da Federação Russa. É composta da Duma (câmara baixa, 450 deputados) e do Conselho da Federação (câmara alta, 178 membros). Com a nova lei eleitoral, os deputados da Duma são doravante eleitos pela proporcional integral, mas esta é reservada aos partidos registrados segundo um procedimento muito limitador, únicos habilitados a apresentar chapas. Toda uma parte do quebra-cabeça político, portanto, não estará representada na Duma por não ter podido atender às novas normas de registro. São estes os grandes partidos em cena:
* Rússia Unida (ER, centro-direita). A formação de Vladimir Putin foi criada em 2001 pela fusão dos partidos Pátria, Toda Rússia e Unidade. Boris Gryzlov, atual presidente da Duma, está à sua frente desde 2002. Único grande partido político verdadeiro do país, com mais de 1,5 milhão de filiados, soube agrupar uma grande parte da elite política por trás do presidente russo, permitindo-lhe obter a maioria das cadeiras na Duma (222 cadeiras em 450, com 37,57% dos votos) durante as eleições legislativas de dezembro de 2003.
* Partido Comunista da Federação Russa (KPRF, ex-Partido Comunista da União Soviética). Nascido em 1993 e dirigido por Guennadi Ziuganov, o KPRF é o maior partido de oposição. Conheceu um revés em 2003 ao obter somente 12,61% dos votos (52 cadeiras), ou seja, 11,5 pontos a menos em relação à eleição anterior. Conquistou a prefeitura de Volgogrado (antiga Stalingrado), em maio de 2007, em conseqüência de uma eleição municipal antecipada.
* Partido Democrático Russo (dito “Iabloko”, centro). O partido reformista-liberal Iabloko foi fundado em 1993 por Grigori Iavlinski, Iuri Boldriev e Vladimir Lukin. Favorável, sobretudo, à economia de mercado regulada pelo Estado e à participação na União Européia, é dirigido por Iavlinski. Obteve somente 4,3% dos votos (4 cadeiras) em 2003.
* Partido Liberal Democrata da Rússia (LDPR, ultranacionalista). Dirigido por Vladimir Jirinovski, também vice-presidente da Duma, o LDPR foi criado em 1989 sob o nome de Partido Liberal Democrata da União Soviética. Xenófobo, anti-semita, nostálgico da Grande Rússia, representa hoje a terceira força política do país, atrás de Rússia Unida e do Partido Comunista. Obteve 11,46% dos votos (36 cadeiras) em 2003.
* Rússia Justa (centro-esquerda). Esta formação, constituída em 2006 com as bênçãos do Kremlin, surgiu do agrupamento de três pequenos partidos: Rodina (“Pátria”, uma coalizão de movimentos nacionalistas de esquerda que tinha obtido 9,02% dos votos e 37 cadeiras em 2003), o Partido dos Aposentados e o Partido da Vida. Conduzida por Serguei Mironov, presidente do Conselho da Federação, pretende representar uma força alternativa de esquerda. Rússia Justa obteve 11,6% dos votos na eleição parcial regional de março de 2007, contra 15,7% para o Partido Comunista e 46% para Rússia Unida.
* União das Forças de Direita (SPS). O partido conservador, pró-ocidental, opositor de Putin, apareceu em 1999 a fim de consolidar as múltiplas correntes surgidas dos “jovens reformadores” (Anatoli Tchubais, Boris Nemtsov, Yegor Gaidar etc.). Nikita Belykh foi eleito à sua presidência em maio de 2005. Nas eleições de 2003, o partido sofreu uma pesada derrota (3,97% dos votos, 3 cadeiras), que provocou sua saída da Duma e a demissão de seu líder, Nemtsov, em janeiro de 2004.
* Outra Rússia. Esta coalizão heteróclita instalada em 2006 agrupa diversas correntes políticas – liberais, socialistas, nacionalistas como o movimento de Eduard Limonov – unidas por sua oposição a Putin. O ex-jogador de xadrez Gary Kasparov foi designado como seu candidato à eleição presidencial de março de 2008. Será também um dos três cabeças de chapa do movimento por ocasião das eleições legislativas.
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Enviado: Sex Dez 28, 2007 4:54 pm
por EDSON
28/12/2007
Superpotências do petróleo caro
Conseqüências geopolíticas do poder energético: o nacionalismo de recursos provoca uma nova guerra fria
Andy Robinson
Em Madri
Um espectro percorre o planeta em tempos de recursos energéticos escassos e preços do petróleo disparados. Arrepia os cabelos nas capitais tradicionais do poder e reúne líderes nada assemelhados ao consenso liberal de globalização, privatização e mercados livres, de Hugo Chávez a Evo Morales, de Vladimir Putin a Mahmud Ahmadinejad.
É o nacionalismo de recursos, o novo poder geopolítico dos produtores de petróleo e gás, que se estende do Oriente Médio à América Latina, da antiga União Soviética à África. "Trata-se de uma decisão estratégica de países com recursos energéticos para usá-los em seu próprio desenvolvimento, em vez de otimizar as receitas das empresas", disse Roger Tissot, analista do mercado de petróleo para a PFC Energy de Toronto.
Todos os dias surgem novas alianças entre os nacionalistas de recursos. Na última terça-feira em La Paz (Bolívia), a Gazprom, gigante de energia controlada pelo Estado russo, já presente na Venezuela, anunciou um investimento de 1,4 bilhão de euros no setor de gás boliviano, justamente no momento em que as multinacionais privadas, assustadas com as políticas de nacionalização do presidente Evo Morales, andam pisando em ovos. "Estamos vendo o ressurgimento de políticas de colaboração entre a Bolívia e a União Soviética dos anos 50; estão reinventando a Guerra Fria", diz Tissot.
No entanto, mais que uma nova guerra fria isso parece um conflito muito aquecido na luta global por recursos energéticos, segundo Michael Klare, autor de "Sangue e petróleo". No mês passado o preço do petróleo beirou os US$ 100 o barril, dez vezes mais que em 2000-, e os produtores energéticos adquiriram um peso geopolítico que não conheciam desde o embargo de petróleo pela Opep na década de 1970.
Ao mesmo tempo, "surge um triângulo de superpotências composto por EUA, China e Rússia", diz Klare, cujo novo livro, ainda inédito, intitula-se "Rising Powers, Shrinking Planet" [Potências emergindo, planeta encolhendo]. Eles são os principais consumidores de energia do mundo e dependentes do exterior para a maior parte de seu petróleo, com isso, empreendem uma corrida desesperada para garantir seu abastecimento energético. Isso "gera mais necessidade de proteção militar", diz Klare.
A Rússia, com 5% das reservas mundiais de cru, já sob o controle de poderosas empresas estatais, e uma indústria de armamentos em plena recuperação, "é o mais privilegiado do trio", acrescenta.
Não é por acaso que a revista "Time" acaba de indicar como "personalidade do ano" Vladimir Putin, cuja fortuna pessoal se baseia em participações em empresas de petróleo, entre as quais 4,5% da Gazprom.
Ao mesmo tempo, produtores de energia acumularam bilhões de petrodólares em poderosos veículos estatais de investimento, como a Autoridade de Investimentos de Abu Dhabi, hoje maior acionista do maior banco do mundo, o Citigroup. A Arábia Saudita, maior produtor mundial de petróleo, acaba de anunciar que criará o maior fundo de investimentos estatal do mundo e com maior participação de empresas petroleiras estatais. Desde a Gazprom até a PDVSA venezuelana ocorre uma transferência de poder do setor privado para os Estados.
"Não há segurança de investimento neste momento, e uma empresa estatal como a Gazprom ou a saudita Aramco irá onde a Exxon não se atreve a ir", disse Gal Luft, presidente do instituto neoconservador Análise de Segurança Global (AGS) em Washington.
As empresas estatais chinesas, por sua vez, assinaram acordos de fornecimento em longo prazo da África -Sudão, Chade, Argélia, Angola-, ao Oriente Médio e a América Latina, o que reforça a posição dos países petroleiros menores. O novo governo equatoriano de Rafael Correa se incorporou à Opep e rescindiu o contrato da multinacional americana Occidental.
Seguindo o exemplo do governo Chávez, Correa e Morales renegociaram contratos com multinacionais privadas, elevando as receitas do Estado, para, no caso da Venezuela, multiplicar por dez o investimento em desenvolvimento social. "Nossa indústria de petróleo tem um compromisso social e ambiental", disse a "La Vanguardia" Galo Chiriboga, ministro equatoriano das Minas e Petróleo.
Tudo isso causa irritação em Washington: "Estão privilegiando objetivos não-comerciais contra imperativos comerciais", lamenta um recente relatório do Baker Institute, do ex-secretário de Estado do presidente Bush pai. O comando sul do exército americano advertiu em junho que o nacionalismo de recursos latino-americano ameaça a segurança nacional dos EUA.
Do mesmo modo, desafiando diretamente os EUA e a Europa na área do mar Cáspio, Rússia e China assinaram acordos com países produtores como o Casaquistão, o último convertido à causa do nacionalismo de recursos, que renegociou contratos com multinacionais como Exxon-Mobil e Royal Dutch Shell para elevar as receitas estatais na exploração no mar Cáspio. Ao mesmo tempo, o governo cazaque de Nursultan Nazarbajev anunciou um acordo com Putin para construir um gasoduto do Cáspio até a Rússia, frustrando as tentativas européias de reduzir sua dependência do gás da Rússia.
Os investimentos chineses e russos em infra-estrutura petroleira e em armamentos no Irã abortaram a estratégia dos EUA e Israel de forçar uma mudança de regime no Irã, segundo Luft, ex-militar israelense do neoconservador AGS. E no Iraque também "aprendemos que, mesmo que se utilize a força para apoderar-se das segundas reservas de petróleo do mundo, não vão tirar o petróleo porque os terroristas arrebentam tudo", acrescentou.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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Enviado: Seg Jan 21, 2008 2:10 pm
por P44
29/11/2007 | Moscow News № 47 2007
Gorbachev Worries About Missile Plan
BUDAPEST, Hungary (AP) - Former Soviet leader Mikhail Gorbachev said Wednesday that he viewed a U.S. plan to deploy a missile defense shield in Central Europe as targeting Russia, not Iran.
"(On Tuesday) Milos Zeman, the former Czech prime minister, said, ‘What kind of Iran threat do you see? This is a system that is being created against Russia,'" Gorbachev said. "I don't think Zeman is alone in seeing this. We see this as well as he sees it."
The United States wants to place a radar station in the Czech Republic and intercepter missiles in Poland, saying the components would defend European allies against a possible Iranian strike.
Gorbachev, 76, whose policies of glasnost and perestroika - openness and restructuring - helped end communism in the Soviet Union and its satellites, criticized the high level of military spending by the United States.
"Does America intend to fight the rest of the world, does America need to build a new empire? They will not succeed," Gorbachev said at the close of a meeting of the World Political Forum, a group he founded in 2003 that includes many former high-ranking politicians.
Gorbachev, who won the 1990 Nobel Peace Prize, said negotiations with Iran needed to continue with the involvement of the International Atomic Energy Agency, the U.N. nuclear watchdog agency, to ensure Iran did not produce nuclear weapons.
Gorbachev said he hoped the United States would not attack Iran during the remainder of the term of U.S. President George W. Bush.
"There still one year that President Bush has on his hands. Let's hope that he will not take the risk... of military action against Iran," Gorbachev said, adding that such an attack "at the very least" could provoke increased terrorist attacks, an energy crisis and "even result in a big war."
Asked about Russian President Vladimir Putin, Gorbachev said that, while he initially had doubts about Putin being able to lead Russia, he now supported him.
"Putin is a very capable person, a wise person, a man of strong character, of few words but with good management skills," Gorbachev said. "Now he is more than just a manager, he has become a credible political leader."
Gorbachev added that he supported the Russian president because Putin's policies were consistent with his own social-democratic positions,
"Putin is pursuing policies that benefit the majority of the Russian people," Gorbachev said.
http://mnweekly.ru/world/20071129/55293408.html
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Russia ready to use nuclear weapons if threatened - army chief
14:01 | 19/ 01/ 2008
MOSCOW, January 19 (RIA Novosti) - Russia's top military commander said on Saturday that the country is prepared to use its nuclear weapons to defend itself and allies in the event of a severe external threat.
The Chief of the Russian General Staff, Gen. Yury Baluyevsky, told a conference at the Academy of Military Sciences in Moscow: "We do not intend to attack anyone, but consider it necessary that all our partners clearly understand, and that no one has any doubts, that the Armed Forces will be used to protect the sovereignty and territorial integrity of Russia and its allies, including preventative action, and including the use of nuclear weapons."
Baluyevsky's comments come amid growing tensions between Russia and NATO over the alliance's expansion into the former Eastern Bloc, the United States' plans to deploy missile defense elements in Poland and the Czech Republic, and Moscow's increasingly assertive military stance.
Russia resumed strategic bomber patrol flights over the Pacific, Atlantic, and Arctic oceans last August, and on December 12, 2007 imposed a unilateral moratorium on the Conventional Forces in Europe Treaty, a key arms reduction pact.
Baluyevsky said that in order to protect Russia's interests, military force "can and must be used" when "all other means prove ineffective."
Programs to develop Russia's military must be closely linked to national fiscal planning, "taking into account the state's economic resources," he said.
http://en.rian.ru/russia/20080119/97339084.html
Enviado: Sáb Fev 09, 2008 8:26 am
por P44
Rússia é forçada a retaliar em corrida por armas, diz Putin
Plantão | Publicada em 08/02/2008 às 15h34m
BBC
O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou nesta sexta-feira que uma nova corrida armamentista está em curso no mundo e que a Rússia está sendo "forçada a retaliar" com novas armas de alta tecnologia.
"Já está claro que uma nova corrida armamentista está se desenrolando no mundo", disse o presidente a autoridades, militares e líderes empresariais reunidos em um discurso Kremlin. "Não é nossa culpa, não fomos nós que começamos."
Putin disse ainda que outros países estavam gastando muito mais do que a Rússia em novas amas e que Moscou sempre responderá aos desafios de uma corrida armamentista desenvolvendo mais armamentos de alta tecnologia.
"Na realidade, nós somos forçados a retaliar, a tomar decisões equivalentes", afirmou. "A Rússia tem e sempre terá uma resposta a esses novos desafios."
Sob Putin e com os recursos obtidos com a alta do petróleo, a Rússia tem investido nas suas Forças Armadas, com um aumento de mais de 20% nos gastos com defesa nos últimos três anos. Ainda assim, a sua capacidade militar ainda é muito inferior à que tinha na era soviética.
Durante o discurso no Kremlin, o presidente, que está a três meses de deixar o cargo, defendeu a adoção de uma estratégia para fortalecer as Forças Armadas do país nos próximos 12 anos e consolidar a "segurança nacional".
Otan
Putin disse que, enquanto a Rússia desmantela as suas bases militares da era soviética, o Ocidente expande as instalações da Otan (aliança militar liderada pelos Estados Unidos) para perto do seu território e planeja um escudo antimísseis na Europa Central.
Segundo o presidente russo, a Otan não tomou nenhuma medida concreta para atender às preocupações de Moscou, que é contra a ampliação da presença militar ocidental na sua região de influência e se opõe ao projeto do escudo antimísseis.
"Houve muitas discussões sobre isso, mas nós ainda não vemos nenhum passo real no sentido de chegar a um acordo", afirmou
Em dezembro, o governo russo disse que estava planejando exercícios navais no mar Mediterrâneo e no Oceano Atlântico.
O país também retomou, em agosto do ano passado, as patrulhas de longa distância, prática que havia abandonado depois do colapso da União Soviética.
Putin também condenou tentativas "imorais e ilegais" de países estrangeiros de interferir em assuntos domésticos russos, em uma aparente referência à decisão da Organização para a Cooperação e Segurança da Europa (OSCE) de não enviar observadores para as eleições presidenciais de 2 de março por causa de restrições impostas por Moscou.
O candidato que Putin escolheu como seu sucessor, Dmitry Medvedev, é considerado o favorito para vencer a eleição, mas Putin já disse que pretende continuar atuando na política russa, possivelmente como primeiro-ministro de Medvedev.
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Enviado: Sáb Fev 09, 2008 9:21 am
por EDSON
09/02/2008
Na Europa, o Energie Nord Stream é o gasoduto discórdia
Marie Jégo
Correspondente em Moscou
No momento em que a construção da sua parte terrestre na Rússia está prestes a ser iniciada, o gasoduto norte-europeu que se destina a encaminhar o gás russo até a Alemanha, debaixo do mar Báltico, já vem espalhando a discórdia na União Européia. Uma panacéia para alguns, uma ameaça para os outros, o projeto é a expressão por excelência da ausência de uma política européia harmonizada em matéria de energia. Em sua versão final, o gasoduto - de um custo estimado em mais de 6 bilhões de euros (mais de R$ 15,4 bilhões) - terá uma extensão de cerca de 3.000 km, dos quais 1.189 km debaixo do mar Báltico.
É justamente este trecho que representa um problema. Ao conectar diretamente a Rússia com a Alemanha, ele confere a esta última o estatuto de país de passagem para o gás, em detrimento da Polônia. A Lituânia e a Letônia se opõem ao projeto pelas mesmas razões. Estes três Estados apostariam na construção de um gasoduto terrestre, cujos custos seriam menores, e que passaria pelos seus territórios. Este projeto, cujo codinome é Ambre, acabou sendo enterrado em proveito daquele da canalização submarina.
Por ocasião da sua primeira visita em Moscou, na sexta-feira, 8 de fevereiro, o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, pretende incentivar a parte russa a colocar novamente o projeto Ambre sobre a mesa. Para tanto, ele conta com o apoio dos Países Bálticos. Os países que mais se opõem ao atual projeto de oleoduto também são os que mais dependem do gás russo. Ao contornar os seus territórios, o gasoduto norte-europeu os deixará à mercê do grande vizinho russo, com o qual as relações se deterioraram desde a ascensão ao poder de Vladimir Putin, em 2000. Eles temem que o fato de ficarem desconectados da rede européia acentue a sua vulnerabilidade, uma vez que Moscou poderá fechar a torneira do gás a qualquer momento.
A Suécia e a Finlândia, por sua vez, não alimentam os mesmos temores, mas elas enxergam no gasoduto a ser construído debaixo do mar Báltico um risco para o meio ambiente, em razão dos resíduos tóxicos que estão disseminados no fundo deste mar desde a Segunda Guerra Mundial. Em 21 de janeiro, a Finlândia pediu mais uma vez ao consórcio Energie Nord Stream para estudar a factibilidade de um traçado alternativo, longe das suas águas territoriais. Por sua vez, a Suécia considera a construção de uma plataforma de manutenção perto da ilha de Gotland como uma ameaça contra a sua segurança, tanto em razão dos riscos ecológicos que ela representará quanto por temer possíveis atividades de espionagem russas.
Contudo, no momento em que as reservas de gás do mar do Norte passam por um processo de esgotamento, e numa situação na qual as necessidades de energia não param de crescer, a construção do gasoduto norte-europeu faz sentido. A Holanda está associada ao projeto, enquanto a República Tcheca dele sonha participar. O projeto vem sendo apresentado pelo consórcio Nord Stream como a melhor garantia de um abastecimento totalmente seguro para o mercado europeu. A Alemanha nele encontra vantagens uma vez que com o gasoduto, ela terá o seu abastecimento em energia garantido durante décadas.
O antigo chanceler Gerhard Schröder, que passou da política para as atividades empresariais, é um dos mais fervorosos partidários do projeto. Pouco depois de o acordo russo-alemão ter sido assinado com o seu amigo Vladimir Putin, em setembro de 2005, a gigante estatal Gazprom apressou-se a nomear o ex-dirigente alemão à presidência do conselho de administração do consórcio. Desde então, Gerhard Schröder vem percorrendo o mundo para vangloriar os méritos do gigante russo que é o seu empregador. Por ocasião de uma conferência na universidade de Columbia, em Nova York, em 10 de dezembro de 2007, ele explicou que estava trabalhando "na defesa dos interesses dos consumidores europeus", deplorando o "tratamento injusto" que os países ocidentais andaram impondo à Rússia.
A Gazprom está agüentando firmemente as pressões. Para defender o projeto, ela enfatiza, sobretudo, a sua qualidade de parceiro confiável. Afinal, o gigante russo não vem fornecendo gás para a Europa Ocidental desde 1972? Contudo, esta imagem foi manchada pelas recentes disputas da Gazprom com a Ucrânia e Belarus quando, depois de um litígio, as torneiras do gás e do petróleo russos foram cortadas em 2006, e novamente em 2007. A estratégia comercial da companhia estatal russa permanece indissociável dos interesses geopolíticos de seu país, os quais são definidos pelo Kremlin. Ao longo dos últimos anos, o mastodonte do gás tornou-se o braço armado da política externa da Rússia.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
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