Em uma semana decisiva, Argentina avalia impacto de outra moratória
TAOS TURNER e KEN PARKS , de Buenos Aires
July 28, 2014 12:03 a.m.
A Argentina pode escrever um capítulo triste de sua história nesta semana se deixar de pagar pela segunda vez em 13 anos sua dívida externa, decretando moratória.
Quando a Argentina deixou de pagar sua dívida em 2001, foi personagem do maior default de dívida soberana da história. Ele levou à reestruturação da dívida e deu origem à mais profunda recessão do país desde a Grande Depressão. A turbulência política foi tão grande que o país teve cinco presidentes em apenas uma semana.
As sementes do atual drama foram plantadas pouco depois disso, quando credores compraram os títulos inadimplentes do país, mas nunca aceitaram os termos da reestruturação da dívida. Agora eles estão no meio do caminho, impedindo pagamentos que poderiam evitar a moratória nesta semana.
Embora o temor de contágio de outros mercados emergentes seja pequeno e o receio de que a Argentina sofreria o tipo de implosão econômica de 13 anos atrás seja mínimo, uma moratória ainda poderia custar muito para uma das maiores economias da América Latina, mantendo-a longe dos mercados de crédito internacionais e dificultando o crédito para as empresas. Ela também complicaria a transição para um novo governo depois da eleição presidencial do próximo ano.
"Para mim está muito claro que a Argentina está caminhando para um default", disse o ex-secretário de Finanças do país, Guillermo Nielsen, recentemente em entrevista ao The Wall Street Journal. "Para a maioria dos argentinos, isso significa que a estagnação econômica será mais difícil. Haverá menos dinheiro nas ruas."
Atolada em recessão, a Argentina já sofre com escassez de divisas e uma inflação anual que alguns economistas estimam que seja de 40%. Uma moratória poderia pressionar a moda do país, o peso, ao minar a confiança e impulsionar a inflação ao tornar as importações mais caras, além de piorar o desemprego. A moratória também reduziria as reservas argentinas em divisas internacionais, que já estão entre as mais baixas da região e somam US$ 29,7 bilhões.
Na semana passada, a mera expectativa de uma moratória elevou o câmbio paralelo na Argentina para 12,65 pesos para cada dólar americano, bem acima da taxa oficial de 8,17 pesos oferecida pelos bancos. Um mês atrás, o dólar valia no mercado paralelo 11,65 pesos.
"Isso tudo levaria a uma recessão profunda", diz Gustavo Cañonero, economista sênior do Deutsche Bank.
Com tantos efeitos negativos, por que a Argentina consideraria a moratória uma opção? A resposta é quase tão complexa quanto a própria Argentina, país cuja inclinação para crises políticas e econômicas internas há décadas confunde os analistas.
Sem condições de pagar suas contas depois da histórica crise econômica de 2001-2002, a Argentina reduziu sua dívida através da troca de quase 93% dos títulos inadimplentes por uma nova dívida que valia 33 centavos de dólar para cada dólar da dívida anterior.
Mas alguns fundos de hedge compraram os títulos inadimplentes com grandes descontos, acreditando que poderiam forçar a Argentina a pagar a dívida integral. Liderados pelo Elliott Management Corp. e o Aurelius Capital Management LP, eles rejeitaram os termos da reestruturação da dívida e processaram a Argentina com sucesso nos EUA, onde os títulos foram emitidos.
O juiz distrital Thomas Griesa determinou que a Argentina deve pagar aos fundos o valor total dos títulos. Quando a Suprema Corte recusou analisar o caso em junho, começou a contagem regressiva para que fosse cumprida a ordem de Griesa, para que a Argentina pague os fundos até quarta-feira ou corra o risco de ser declarada inadimplente.
Griesa determinou que a Argentina não pode pagar outros detentores de títulos — que aceitaram a renegociação — a menos que pague os outros fundos, os chamados "holdouts", simultaneamente. Mas, ao fazer isso, segundo a Argentina, ela estaria criando um vínculo legal demasiadamente caro.
Isso em virtude de uma cláusula incluída na reestruturação da dívida — o "Direito Sobre Ofertas Futuras" — que daria aos detentores de títulos que aceitaram a reestruturação o direito de requerer os mesmos termos de qualquer acordo que a Argentina possa vir a ter com os fundos de hedge. Isso pode criar US$ 120 bilhões em reivindicações legais, diz a Argentina.
Falar sobre a cláusula se tornou tão comum na rádio e TV argentina que parece que quase todo mundo está a par do assunto. Até a presidente Cristina Kirchner disse que ela poderia ser criminalmente responsabilizada se infringir a cláusula.
"O que mais me preocupa não é a responsabilidade criminal", disse ela na semana passada. "O que mais me preocupa é minha responsabilidade diante da história, diante dos olhos de meus filhos, meus netos e milhões de argentinos que não vão me ver fazer algo sob ameaça do mundo desmoronar."
Especialistas legais debatem a relevância da cláusula, que seria acionada se a Argentina "voluntariamente" pagasse os fundos de hedge. Cumprir uma ordem judicial não seria um comportamento voluntário, dizem alguns advogados.
Como a cláusula vence em 31 de dezembro, a Argentina pressionou o juiz para suspender sua decisão para dar mais tempo para o país. Mas ele não voltou atrás e os fundos de hedge afirmam que a cláusula é um artifício para evitar o pagamento.
No mês passado, Griesa indicou um mediador para supervisionar as negociações entre as partes, mas a Argentina se recusou a se encontrar face a face com os fundos de hedge.
Independentemente do que acontecer nesta semana, Cristina Kirchner diz que a Argentina não pode ser considerada inadimplente porque o país já depositou US$ 539 milhões em juros que devem ser pagos até quarta-feira referentes aos títulos reestruturados. No mês passado, a Argentina deu o dinheiro ao Bank of New York Mellon Corp. , o administrador da dívida. Griesa impediu que o banco pagasse os credores e a instituição agora está sendo processada pelos detentores dos títulos por não distribuir os recursos.
"Quero dizer a todos os argentinos que a Argentina não ficará inadimplente", disse Cristina Kirchner recentemente. "Porque aqueles que entram em moratória são aqueles que não pagam — e a Argentina pagou."
Muitos argentinos apoiam a postura de Kirchner contra os investidores que ela chama de "fundos abutres". "O que temos é uma situação sem precedentes, no qual um juiz está bloqueando o direito dos detentores de títulos de serem pagos", diz Fernanda Vallejos, economista do La Gran Makro, um centro de estudos.
Muitos argentinos comuns não estão dando muita importância ao risco de moratória. "Eu passei por tantas crises que não me importo de me preocupar com mais essa", diz Mariano Torga, um eletricista de 70 anos.
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