Não é guerra, caro Hollande
Por Rui Martins em novembro 18, 2015
Por Gerald Thomas, de Nova Iorque
Colunista acha que o presidente francês exagera ao falar em guerra
Caro François Hollande, Tenho uma pergunta para você (e sei que seu coração está sangrando e assim por diante): isto é uma GUERRA, como você afirma?
Me desculpe, mas apesar de eu também estar envolvido no calor do momento e num “riocorrente” de emoções depois do massacre de 13 de novembro de 2015 em Paris, François Hollande, você diz à imprensa: “Desta vez é GUERRA”.
Não, Hollande. Não é!
“É um ataque terrorista.”
Andrew Medichini – 16.nov.15/Associated Press
Os franceses sempre partem meu coração, é claro! A paixão francesa é assim. De Piaf a Sartre e Genet, a paixão francesa muitas vezes põe o coração à frente da razão, e apenas então, depois de os semiólogos entrarem em ação, é hora de o “Libération” raciocinar um pouco!
Uma GUERRA é algo diferente, e vou explicar meu argumento.
Raramente neste planeta desfrutamos um período de 70 anos de (relativa) paz, como agora.
Você me ouviu, Hollande. Você me ouviu.
Sim, houve o Vietnã, o Camboja, a Guerra da Coreia, houve uma coisinha aqui e ali, uma pequena emboscada cultural aqui, outra ali, e então, de repente, no 11 de Setembro, BUM! Eu assisti a tudo da minha janela no Brooklyn. A coisa inteira. Primeiro avião, segundo avião, depois a queda.
O 11 de Setembro mudou o rumo e… Fomos para o Afeganistão. Sim, aquilo foi uma guerra contra o Taleban e Bin Laden.
Estupidamente, uma administração sedenta de sangue liderada por pitbulls implacáveis chamados Cheney, Ashcroft, Rumsfeld, Wolfowitz e, é claro, “W” (espantosamente, isto chega a ser denunciado na mais recente “nova biografia” de George Bush sênior, para poupar o constrangimento do “não envolvimento aparentemente ingênuo” de W), invadiu o Iraque e demonizou e caçou Saddam Hussein (sim, um FDP, sem dúvida, mas posto ali pelos EUA para conter o aiatolá no Irã!). E é aqui que começa esta merda mais recente do Estado Islâmico.
Ela começa com os resquícios do exército de Saddam e de seu partido Baath. Todos militares incrivelmente capacitados, todos sunitas e todos querendo MATAR os xiitas, os alauitas, os curdos, os yazidis e quem quer que seja que não for sua imagem espelhada.
Mas não é com isso que Hollande está preocupado. E nem você deveria estar. Deixe que uma tribo mate outra tribo. Eles que se fodam!
O conceito de GUERRA, caro leitor, é algo que você não conhece, a não ser que tenha 90 anos de idade. Você tem essa idade?
Uma GUERRA envolve TODOS os países do mundo e envolve o Exército, a Marinha e a Força Aérea de todas as NAÇÕES, como um time contra o outro. A questão é: quem está jogando contra quem e quais são os trunfos em jogo?
É isso o que está acontecendo?
NÃO!
Em retrospectiva, vamos olhar para esta tragédia de Paris com tristeza, mas é só isso. Assim como olhamos para o 7 de julho de 2005 em Londres com muita tristeza, mas é só.
Vou lhe lembrar outra vez: poucas vezes gozamos de um período de 70 anos de (relativa) paz neste planeta como agora. O mundo NÃO está mergulhando numa GUERRA MUNDIAL!
“As coisas nunca estiveram tão boas no campo dos direitos humanos”, diz um amigo quando me queixo da radicalização on-line dos perdedores lunáticos que aderem a esta causa idiota (que, por sinal, mata mais muçulmanos que membros de todos os outros grupos religiosos somados).
Esses perdedores, que teriam entrado em gangues de rua de bairros pobres em áreas urbanas decadentes e que vêm de famílias desestruturadas, adooooram ter uma enorme arma fálica nas mãos ou um colete que EXPLODE, BUM! e –tchau, já que esses idiotas não têm nada a perder de qualquer maneira.
Ok, ficou claro?
Uma GUERRA é outra coisa.
Sem “bombas INTELIGENTES” ou drones, a Segunda Guerra Mundial deixou algo entre 65 milhões e 75 milhões de mortos. É ISSO O QUE FAZ UMA GUERRA MUNDIAL depois de seis anos.
A guerra na Síria está acontecendo há quase cinco anos.
Somada ao Iraque e ao Afeganistão, dá para calcular facilmente… hmmmm… não sei… 16 anos, todos comprimidos em morte e destruição horríveis e um nível de refugiados quase sem precedentes DESDE a guerra, que que não se PARECE em nada com a GUERRA.
Sim, o número de mortos obviamente não se assemelha em nada a uma guerra mundial.
Lembre-se, por favor, que entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial houve apenas um período curto de calma de 21 anos. Vinte e um anos e a coisa inteira recomeça. Imagine isso! É por isso que insisto sobre os 70 anos de relativa paz que estamos tendo.
Agora, uma guerra mundial mata 70 milhões de pessoas.
Doze milhões na Alemanha de Hitler (6 milhões apenas em Auschwitz) e na União Soviética de Stálin (aproximadamente 13 milhões), e ela provoca ATAQUES AÉREOS (os blitzkriegs) dos nazistas sobre a Inglaterra, quando as sirenes tocavam e as pessoas tinham que se esconder no metrô ou em bunkers. E, quando saíam, não tinha restado nada.
Mas a Europa se reconstruiu.
Mesmo Dresden, arrasada pelos britânicos, se reconstruiu.
Hiroshima e Nagasaki se reconstruíram.
Sim, numa guerra mundial se usam BOMBAS ATÔMICAS.
E outras bombas caem do céu sobre grandes cidades europeias.
Portanto, sr. Hollande, isto foi TERRORISMO ou GUERRA?
POR FAVOR, reflita com cuidado antes de incitar a população mundial mais jovem (que não sabe de NADA) a pensar que a matança trágica de 129 pessoas por alguns idiotas é um ato de guerra. Não é.
Um GUERRA começa com a assinatura de um tratado. É uma coisa estranha.
Você assinou um tratado? De Gaulle assinou?
Gerald Thomas, diretor e autor teatral. escritor, encenador polêmico, criador de uma estética elaborada a partir do uso diferenciado de cada um dos recursos teatrais e orientada pelo conceito de “ópera seca”. Renovou a cena brasileira nas décadas de 1980 e 1990. Dirigiu no ano passado, a peça musical Entredentes com o cantor Ney Latorraca, nos teatros do Sesc de São Paulo e Rio de Janeiro.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.
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