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Mensagem
por cabeça de martelo » Sáb Abr 22, 2023 5:53 am
Os papagaios
Qualquer pessoa com um módico de boa-fé reconhece que a linha política adotada pelo Presidente do Brasil a respeito da guerra na Ucrânia é completamente incompatível com a posição adotada pela generalidade das democracias ocidentais, entre as quais Portugal. Tão diferente é que se situa praticamente nos seus antípodas. Em bom rigor, as palavras que Lula da Silva tem dedicado ao assunto são essencialmente iguais às que o nosso PCP tem vertido em comunicados, declarações e votos na Assembleia da República — senão piores.
Gemendo pela paz, como um crocodilo a trautear a “Ave Maria” de Schubert, os comunistas, locais ou de outras latitudes, iludem a existência de um agressor e de um agredido; propugnando o fim do auxílio à Ucrânia, preconizam realmente o seu esmagamento pela Rússia; condenando o Ocidente, mostram a sua indiferença pela ordem internacional fundada no direito e reduzem a Ucrânia a um peão cinicamente usado para benefício do imperialismo americano.
Toda a gente acede a estas evidências elementares? Toda a gente, não. O PS, implacável com o exotismo pró-russo do PCP no debate doméstico, tenta, no plano externo, disfarçar e relativizar o notório alinhamento do Brasil com a Rússia, explicitado pelo seu Presidente em termos já bem conhecidos nossos e que não se prestam a equívocos. Nem a China foi tão longe, bem pelo contrário, cultivando com muito talento uma ambiguidade que se resolverá em favor do interesse chinês. A diplomacia chinesa e o socialismo à chinesa não são ideológicos.
O Brasil já não pode, nem quer, intermediar qualquer processo de paz credível; só quer piscar o olho à Rússia e à China. Está feito
Segundo o PS, vista a sua trapalhona, excêntrica e arrevesada tomada de posição, Lula é o Ghandi que a situação reclamava, acrisolado apóstolo da paz e equidistante appeaser tropical, cujos esforços mereceriam o aplauso de Lisboa, Moscovo e Pequim. Foram apresentadas rebuscadas comparações entre o reconciliador de mundos e o Presidente Macron. Tendo examinado o argumento frente e verso, fui mais uma vez vítima das minhas limitações cognitivas.
O alinhamento do Presidente Lula só pode ser entendido se contextualizado na tradição do antiamericanismo e do anti-imperialismo das esquerdas, sobretudo comunistas, ibero-americanas. Com a exceção da Ucrânia (um caso em que as grilhetas favorecem os indígenas), são a favor das emancipações e movimentos emancipatórios em geral, galáxias de ideologias avançadas, onde as estrelas de Chávez, Fidel, Ortega e sucessores se posicionam firmemente do lado certo da História, como agora se diz.
Possuídos de antiamericanismo primário e saudades do sol na terra soviético, o comunismo ibero-americano conduz uma política externa ideológica, agora amparada pelos números das exportações brasileiras para a China, que já excedem as exportações combinadas para a Europa e para os Estados Unidos.
Interrompendo uma longa tradição de bajulação de Brasília, a diplomacia portuguesa deve referir-se, com verdade e rigor, à divergência de fundo que nos separa dos nossos amigos brasileiros sobre a Ucrânia. Estamos em lados opostos, como Borrell bem explicou no Parlamento Europeu, desmontando a cínica equidistância e neutralidade do Brasil. O Brasil já não pode, nem quer, intermediar qualquer processo de paz credível; só quer piscar o olho à Rússia e à China. Está feito.
Dispensamos as habilidosas, infantis e desonestas tentativas de transformar as legítimas escolhas de política externa do Brasil noutra coisa diferente daquilo que são. Esses esforços e manigâncias são não só ofensivos da inteligência dos nossos parceiros, como comprometedores da credibilidade da nossa política externa. Apenas servem para expor ao mundo um papel que, definitivamente, não nos serve: o de sermos papagaios do Brasil.
"Lá nos confins da Península Ibérica, existe um povo que não governa nem se deixa governar ”, Caio Júlio César, líder Militar Romano".
O insulto é a arma dos fracos...