Soldado Milhões, o português que enfrentou sozinho uma ofensiva alemã
O soldado Milhões tornou-se herói da Primeira Guerra Mundial ao enfrentar sozinho uma ofensiva alemã e a sua história faz parte da aldeia de Valongo de Milhais, Murça, que quer transformar a sua casa num memorial.
Foi em abril de 1918, durante a Batalha de La Lys (Flandres), e os seus atos de bravura valeram-lhe a mais alta condecoração militar nacional, a Ordem de Torre e Espada.
Na sua terra natal, no concelho de Murça, distrito de Vila Real, todos conhecem a história do jovem analfabeto e pobre, um franzino com pouco mais de metro e meio de altura, que desobedeceu às ordens de retirada e ficou para trás, sozinho e abrigado numa trincheira, a disparar contra o inimigo.
“Cresci a ouvir a história do meu avô. O meu avô acabou por estar sempre muito presente na família”, afirmou à agência Lusa Eduardo Milhões Pinheiro, um dos netos de Aníbal Augusto Milhais, a propósito do centenário da chegada à Flandres dos primeiros soldados do contingente que Portugal enviou para combater em França na I Guerra Mundial.
Milhais acabou por ficar conhecido como o soldado Milhões, um epíteto que nasceu com o elogio do seu comandante, Ferreira do Amaral: “Tu és Milhais, mas vales milhões”.
Durante a batalha, o soldado corria entre os vários abrigos, disparando de diferentes posições e criando a ilusão, nas tropas alemãs, de que a posição estava a ser guardada por vários militares.
À quarta ofensiva, os soldados alemães decidiram contornar aquele ponto e deixaram o português para trás das linhas inimigas, onde sobreviveu durante uns dias, com umas amêndoas doces no bolso, até encontrar um oficial escocês que o ajudou a encontrar o batalhão português.
Foi esse mesmo oficial que relatou depois o ato heroico do soldado transmontano.
Aníbal Augusto Milhais morreu aos 75 anos em Valongo, a aldeia que adotou o nome de Milhais em sua homenagem, que deu ainda o nome “Herói Milhões” a uma rua e quer agora recuperar a casa onde viveu.
O imóvel foi doado à Câmara de Murça que, segundo disse o presidente José Maria Costa, quer ali criar um “espaço de memória”, só que o projeto tem esbarrado nas dificuldades de financiamento.
O autarca afirmou à Lusa que o município procura apoios na sociedade civil e políticos, tendo já informado o Presidente da República sobre este projeto.
A ideia passa pela recuperação do edifício, mas, se tal já não for possível devido ao estado de degradação, este será demolido e no espaço levantado um memorial ao soldado Milhões.
Eduardo Milhões Pinheiro lembrou a petição ‘online’ em defesa da preservação da casa e disse que gostava que o projeto, de homenagem ao avô e a todos os que se bateram na Primeira Guerra Mundial, se concretizasse até 09 de abril de 2018, quando se assinalam os 100 anos da Batalha de Batalha de La Lys.
Aníbal Milhais é um exemplo de vida para o neto.
“Da história do meu avô eu guardo e procuro transmitir aos meus filhos dois valores essenciais: primeiro que nunca devemos abandonar e virar as costas à adversidade e, em segundo, que às vezes as soluções mais fáceis não são aquelas que devem ser tomadas”, frisou.
E continuou: “o mais fácil para o meu avô naquele dia seria ter obedecido ao seu superior hierárquico e ter retirado, porque ele teve uma ordem de retirada, mas ele preferiu ficar para garantir que todos se salvavam e, felizmente, ele também”.
Após a guerra e a condecoração, o soldado regressou à sua terra natal. Tornou-se agricultor, casou, teve 10 filhos, ainda chegou a emigrar para o Brasil, de onde pouco tempo depois regressou por pressão da comunidade portuguesa, que considerava “que não era digno” um herói nacional ser emigrante.
A sua história foi resgatada pelo jornal Diário de Lisboa que, na década de 20, o transformou numa espécie de símbolo nacional que passou a ser usado pela propaganda dos governos da primeira República e pelo Estado Novo.
O soldado Milhões teve sempre uma vida modesta e era, segundo contou a nora Berta de Jesus Moreira, de 78 anos, uma “boa pessoa” e um “homem alegre, amigo que gostava de ter a casa cheia e de contar histórias”.
As medalhas conquistadas foram doadas ao Museu Militar do Porto e também no Museu do Regimento de Infantaria 13, em Vila Real, se recorda o herói de guerra transmontano.