li ultimamente bastante sobre relatos da guerra do Paraguai (Jourdan, Palleja, Dionísio Cerqueira, Taunay, Conde d'Eu, Osório, Centurión, Francisco Barbosa, Albuquerque Bello) assim como os livros do general Duarte e resolvi compartilhar com os amigos. Vou escrever aos poucos quando der tempo.
Os corpos de voluntários da pátria em combate
Com a invasão do Mato Grosso em dezembro de 1864 o Brasil se encontrou numa situação complicada. A constituição do Brasil impunha um limite para o tamanho do exército de cerca de 24000 homens. Ao mesmo tempo o exército era pequeno, muito pequeno. As fontes variam mas sempre estipulam que o exército imperial tinha de 14 a 18 mil homens. Destes, cerca de 10 000 (9900) estavam no sul participando da invasão do Uruguai de 1864 (a tomada de Paissandu a 2 de janeiro de 1865 foi o grande combate da invasão).O outros 4 a 8 mil homens estavam nas diferentes provinciais em posições burocráticas, de recrutamento, ensino, polícia e guarnecendo fortificações.
O Brasil ia fazer frente a um exército de cerca de 40 a 60 000 homens (se for preciso explicarei a razão de não crer nos 80 a 100 000 que encontramos em alguns locais).
Vários problemas jurídicos surgiram, a começar pela constituição. Em seguida, as guardas nacionais eram heteróclitas e dependiam muito de políticas locais nas províncias.
Só que havia um problema sério pois o Mato Grosso foi invadido e o Paraguai ameaçava atacar o Rio Grande do Sul para apoiar os blancos no Uruguai. Os 10 mil homens e a guarda nacional não seriam suficientes e era preciso com urgência enviar homens ao sul e Mato Grosso. No dia 7 de janeiro saiu o decreto que criava o arcabouço jurídico para que brasileiros fossem lutar sem necessariamente pertencer à guarda nacional ou ao exército, nasciam então os Corpos de Voluntários da Pátria. Vale ressaltar que tanto no RS quanto no Mato Grosso as unidades continuaram se chamando de guarda nacional já que foram convocadas antes de 7 de janeiro de 1865.
Cada província devia fornecer uma quantidade de homens previamente estipulada (baseada na quantidade de homens da guarda nacional, solteiros e não arrimos de família). Imediatamente em algumas cidades milhares de homens se portaram voluntários, notadamente no Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Na Bahia e no Rio de Janeiro (corte e província) foi preciso descartar muita gente já que não havia logística para fardar e armar tantas pessoas em tão pouco tempo. Outras províncias tiveram dificuldades em montar um corpo, por ter uma população pequena, estar distante da guerra, não haver apoio da presidência da província... A lista seria longa mas contingentes de todos os estados foram para a guerra. O General Duarte na sua coletânea sobre os CVP (corpos de Voluntários da P´tria) nos dá as estatísticas por província. Já na primeira leva de 1865 alguns homens foram levados à força, como em João Pessoa onde jovens que trabalhavam nas feiras foram levados à força. Enquanto isso em outras regiões como Ouricuri (PE) mais de 400 homens partiriam para a guerra. Em alguns textos a gente vê uma distinção entre corpos do Norte/nordeste e resto do país. Onde se diz que os corpos do norte/nordeste eram piores. Após ter lido os relatos dos combates de todos os corpos, devo dizer que houve bravura para todos os estados e creio que a distinção negativa veio do fato de que muitos corpos do norte/nordeste chegaram destruídos no sul.
Por exemplo, o primeiro corpo a sair de Belém do Pará sob comando de Albuquerque Belo com cerca de 600 homens chegou no sul do país com menos de 300. Grande parte morreu com uma epidemia de varíola surgida entre o Maranhão e Pernambuco. Os sobreviventes foram distribuídos em outros corpos. Gostaria de ressaltar que no desastre de Curupaiti, dos 40 brasileiros (de 9000) que subiram a trincheira e foram trucidados, havia homens do Pará, Bahia e Pernambuco. O segundo ponto explicativo para esta distinção a meu ver é que os batalhões que saíram mais cedo (principalmente da corte) saíram com um treinamento melhor, com proporção de oficiais do exército e um melhor esmero na questão logística. Até o fim da guerra o 1 CVP (que virou 23º) era considerado como equivalente aos batalhões de linha. Um dos primeiros corpos do Rio até foi de fato incorporado à linha e se tornou o 14º batalhão da guarda nacional do Rio de Janeiro.
Em 1864 um batalhão do exército era composto por 8 companhias de 100 homens. Os CVP por sua vez eram compostos na teoria por 8 companhias de 80 homens, cada companhia comandada por um capitão, tendo um tenente e dois alferes por companhia. A bandeira era portada em geral por um Alferes que tinha ao seu lado soldados de confiança. O comando ficando com um Major ou Tenente-Coronel que tinha um estado maior. O todo dava cerca de 700 homens mas muitos CVP saíram com cerca de 550.
O corpo de oficiais foi alvo de problemas já que muitos eram civis da guarda nacional sem o conhecimento necessário para treinar seus homens e comandar em tempos de guerra. As províncias nomeavam os comandantes e os oficiais, muitos deles gastando do próprio bolso para equipar seus homens. O coronel uruguaio Leon de Palleja descreve bem isso ao ver chegarem os CVP. Ele diz que muitos eram comandados por homens muito patriotas que vieram dos rincões do Brasil mas não tinham o conhecimento e a experiência para transformar aqueles homens em soldados.
Osório, que comandou o exército em 1865 até julho de 1866 (dias antes das batalhas de boqueirão/sauce) foi retirando os ineptos e inserido oficiais do exército. Alguns desses civis se cobriram de glória, como o médico, Dr. Pinheiro Guimarães que comandou de forma heróica o 4 CVP em Tuiuti (300 homens entraram em combate no pior setor, seguraram a linha em formação perdendo mais de 200 homens).
Vale contar um causo contado por Dionísio Cerqueira, em Montevideo chega um comandante de corpo da corte com uma carta do ministro da guerra destinado à Osório. A carta diz que ele deveria ter tratamento especial. Osório ao ler a carta, com seu bom humor de costume, diz que ele terá tratamento especial até pegar o próximo navio para o Rio de Janeiro.
Em suma, os corpos tinham muita heterogeneidade, tal qual o nosso país. Alguns eram compostos por homens que no fervor do momento desejavam lutar. Outros compostos por policiais jovens e voluntários (ou não) para a frente. Já outros corpos eram compostos por inimigos políticos, escravos libertos etc. Para ser mais preciso, é até possível dizer que muitos corpos eram compostos por uma mescla de todos esses casos. Existem muitas dissertações e teses de doutorado sobre as composições dos corpos, li várias e elas seguem nessas linhas.
São Borja, Bituí e flotilha do Uruguai, os primeiros combates
Quando o exército Paraguaio passou para a ofensiva com os mais de 20 000 homens de Robles descendo o rio Paraná e tomando Corrientes e 10-12000 de Estigarribia descendo pelo rio Uruguai. Estigarribia dividiu sua coluna com 7 mil homens entrando no território brasileiro por São Borja, o restante ficou do lado argentido do Rio Uruguai. O comando deste setor da fronteira estava nas mãos do já idoso David Canabarro que só tinha cavalaria da guarda nacional. O 1ºCVP (RJ) já tinha chegado no RS e ao mando de Menna Barreto teve um combate retardatório. Eles obrigaram os paraguaios a atravessar o rio, da argentina para o Brasil, com cautela o que deu tempo para os civis fugirem com seus pertences (e gado). Floriano Peixoto que comandava uma ala (4 companhias) fez uma carga a baioneta, a primeira da guerra, e fez os paraguaios recuarem neste fatídico início de junho de 1865. Floriano Peixoto comandou uma guerrilha no rio, onde atacava as canoas paraguaias que iam e viam entre a coluna de estigarribia no Brasil e a de Duarte na Argentina. Em Bituí a guarda nacional rio-grandense com o 1ºCVP atacaram a retaguarda de Estigarribia que “deu mole” e se desgarrou do grosso. Em seguida Estigarribia caiu na ratoeira de Uuruguaiana, onde não houve combate de grande vulto. E Jataí, na Argentina, Duarte foi destroçado, sem participação dos CVP.
Primeiro grande combate: ilha da redenção
Em abril de 1866 o primeiro corpo do exército estava, com os exércitos argentinos e uruguaios, na frente do Paraguai, disposto a invadir o país de Lopez. Havia um forte que era uma pedra no sapato da esquadra e limitava as opções de desembarque, era o forte de Itapirú. Osório mandou o corpo de engenheiros montar uma bateria de artilharia num banco de areia frente ao forte. A bateria foi construída e passou a trocar diariamente tiros com as baterias paraguaias. Segundo Paranhos eram 50 tiros por dia. A proteção da bateria ficou com parte do 14 de linha (rio de Janeiro) e com o 7ºCVP de São Paulo do tenente-Coronel Pacca, ao todo 900 homens de infantaria, engenharia e artilharia sob o comando de Villagrán Cabrita.
Às 4h30 da manhã, 200 canoas com 1200 homens atravessaram o rio Paraná e desembarcaram no banco de areia. Os piquetes avançados travaram luta corpo a corpo e o 14 de infantaria e o 7 CVP colocaram 1 ou 2 companhia cada um em atiradores (à frente da linha para fustigar os paraguaios). Estes após o recuo dos nossos piquetes (que lutaram bravamente) avançaram em ordem para tomar as trincheiras (fluminenses no flanco esquerdo brasileiro e paulistas no direito). Não se sabe bem de quem saiu a ordem, se de Cabrita ou do comandante do 14 de linha ou 7 CVP, o fato é que a corneta deu o toque de preparar as baionetas, em seguida deu toque de carga. Homens do 14 de linha e 7 CVP avançaram para matar a ferro frio e em ordem. Os paraguaios não sustentaram e viraram as costas e a matança começou, muitas vezes corpo a corpo. A marinha travou a possibilidade de retorno das canoas e muitos paraguaios não conseguiram fugir e morreram furados pelas baionetas ou afogados. Menos de 200 paraguaios de salvaram. Leon de Palleja no seu diário relata como todos festejaram a vitória, foi o primeiro grande feito dos CVP.
Rafael Wolter (Poti)