Arqueologia/antropologia/ADN
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
O atribulado pergaminho que esteve à venda no OLX já é da Torre do Tombo
O pergaminho do século XIV que foi apreendido no Porto pela Polícia Judiciária (PJ) depois de ter estado à venda no site de classificados OLX já pertence ao Estado e deve chegar ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), em Lisboa, na próxima semana. “A aquisição já está concretizada”, revelou ao PÚBLICO o director do ANTT, Silvestre Lacerda. Finalmente, após algumas atribulações, o documento com a escritura da entrega do Castelo de Lisboa ao Conde de Barcelos vai poder "enriquecer o património arquivístico nacional”.
O pergaminho datado de 1383 foi formalmente adquirido pelo ANTT no último dia do ano. “Fizemos o pagamento de acordo com o valor que estava indicado quando foi colocado à venda no OLX, os 750 euros”, precisa Silvestre Lacerda, explicando que o documento foi "objecto de análise no laboratório da PJ”, após a sua apreensão em Novembro do ano passado. Ultrapassada a “tramitação burocrática” necessária, o pergaminho quatrocentista chegará à sua morada final.
Aí, depois de alguns procedimentos técnicos, passará a estar ao dispor de todos os investigadores e cidadãos que solicitem a sua consulta. Manter este documento histórico no domínio público permitirá aprofundar e afinar o conhecimento acerca "desta época conturbada do nosso país, e dos seus intervenientes”, explica o historiador e antigo director-geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas. “É mais um documento de uma época de transformação em Portugal, associada à Revolução de 1383-85”, contextualiza.
Deste pergaminho agora formalmente adquirido pelo Estado consta a ordem do Rei D. Fernando ao Alcaide do Castelo de Lisboa, Martim Afonso Valente, para que a fortificação fosse entregue ao Conde de Barcelos, Dom João Afonso Telo. Será um de três exemplares existentes do documento e data de 1383. “Escritura de entrega do Castelo de Lisboa que fez o Alcaide do mesmo, Martim Afonso Valente, ao Conde de Barcelos, Dom João Afonso Telo, o qual prestou ‘preito e menagem’ ao primeiro, de acordo com o determinado pelo rei Dom Fernando, pela carta de 16 de Janeiro de 1383, tresladada nesta escritura. Entre as testemunhas do acto esteve presente o Alcaide do Castelo de Faria, Diogo Gonçalves. Tabelião: Peres Esteves. 1383, Janeiro 26, Castelo de Lisboa”, lia-se na descrição no OLX.
O facto de ter surgido à venda num site onde se transacciona todo o tipo de bens corriqueiros foi um dado insólito na história deste pergaminho. Muitas vezes, diz Silvestre Lacerda, "estes documentos estão em mãos de particulares” e são passados de geração em geração dentro de uma família, ficando privados da prerrogativa de "acesso público” que o depósito na Torre do Tombo assegura: “Os arquivos nacionais têm esta dimensão de possibilitar o acesso generalizado dos cidadãos àquilo que é parte integrante do nosso património.”
Um valor inestimável
No final de Outubro, o pergaminho do século XIV com a escritura da entrega do Castelo de Lisboa ao Conde de Barcelos estava à venda no site de classificados OLX. Detalhando as suas características e o seu relevo histórico, o vendedor identificado como Luís Sampaio pedia por ele 750 euros. O tema chega à imprensa através do PÚBLICO, a 2 de Novembro, mas já antes a Torre do Tombo tinha sinalizado o seu interesse e manifestado ao proprietário a intenção de exercer o direito de opção na sua compra.
Esse direito do Estado está previsto no Decreto-Lei n.º 16/93 quando esteja em causa a “venda de um bem arquivístico classificado ou em vias de classificação”. Mas mesmo não cumprindo o pergaminho em causa esse requisito, a Lei 107/2001 indica que essa salvaguarda abrange todos os documentos com mais de 100 anos considerados relevantes.
Luís Sampaio demorou dez dias a dar resposta ao primeiro email da Torre do Tombo, datado de 20 de Outubro. Quando finalmente o fez, foi para responder, laconicamente, que o documento já tinha sido vendido, sem mais acrescentar. Os responsáveis do ANTT alertaram então a PJ, que anunciou no dia 20 de Novembro ter apreendido o pergaminho – indicando que o vendedor, identificado apenas como “um coleccionador de Gaia”, e que seria também o proprietário do bem, o entregou “voluntariamente”.
A PJ explicou então, em comunicado, que iria proceder a uma peritagem técnica, “dada a importância e o valor inestimável do documento”. Silvestre Lacerda explica agora que os especialistas da Torre do Tombo se disponibilizaram para fazer essa “análise diplomática” do pergaminho (no âmbito da disciplina com o mesmo nome dedicada à análise documental) e que só falta agora “fazer a respectiva descrição técnica para poder digitalizá-lo e integrá-lo na base de dados [do ANTT]." Cumprido esse último procedimento, ficará "à disposição do público e dos investigadores”.
A investigação aberta pela PJ tinha ainda como objectivo, como disse então ao PÚBLICO o coordenador de investigação criminal Pedro Silva, investigar os contornos do negócio e a sua licitude, nomeadamente a eventual existência de algum crime de receptação ou furto em volta do pergaminho. Questionado sobre se o inquérito já terminou, o director do ANTT disse que “a proposta será de arquivar o processo” na sequência dos últimos desenvolvimentos.
O futuro da escritura de entrega do Castelo de Lisboa pode passar por uma exposição ao público já no próximo mês. Silvestre Lacerda indicou ao PÚBLICO haver a intenção, que terá ainda de ser apresentada às outras entidades responsáveis, de o integrar numa exposição dedicada à Lisboa medieval a inaugurar em Fevereiro. A iniciativa conjunta do Instituto de Estudos Medievais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, do Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa e do ANTT, coordenada pela professora e medievalista Amélia Andrade, poderá ser o primeiro momento de exposição pública deste atribulado documento original após a saga que foi a sua aquisição.
https://www.publico.pt/2019/01/02/cultu ... gk1jWbEWcs
O pergaminho do século XIV que foi apreendido no Porto pela Polícia Judiciária (PJ) depois de ter estado à venda no site de classificados OLX já pertence ao Estado e deve chegar ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), em Lisboa, na próxima semana. “A aquisição já está concretizada”, revelou ao PÚBLICO o director do ANTT, Silvestre Lacerda. Finalmente, após algumas atribulações, o documento com a escritura da entrega do Castelo de Lisboa ao Conde de Barcelos vai poder "enriquecer o património arquivístico nacional”.
O pergaminho datado de 1383 foi formalmente adquirido pelo ANTT no último dia do ano. “Fizemos o pagamento de acordo com o valor que estava indicado quando foi colocado à venda no OLX, os 750 euros”, precisa Silvestre Lacerda, explicando que o documento foi "objecto de análise no laboratório da PJ”, após a sua apreensão em Novembro do ano passado. Ultrapassada a “tramitação burocrática” necessária, o pergaminho quatrocentista chegará à sua morada final.
Aí, depois de alguns procedimentos técnicos, passará a estar ao dispor de todos os investigadores e cidadãos que solicitem a sua consulta. Manter este documento histórico no domínio público permitirá aprofundar e afinar o conhecimento acerca "desta época conturbada do nosso país, e dos seus intervenientes”, explica o historiador e antigo director-geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas. “É mais um documento de uma época de transformação em Portugal, associada à Revolução de 1383-85”, contextualiza.
Deste pergaminho agora formalmente adquirido pelo Estado consta a ordem do Rei D. Fernando ao Alcaide do Castelo de Lisboa, Martim Afonso Valente, para que a fortificação fosse entregue ao Conde de Barcelos, Dom João Afonso Telo. Será um de três exemplares existentes do documento e data de 1383. “Escritura de entrega do Castelo de Lisboa que fez o Alcaide do mesmo, Martim Afonso Valente, ao Conde de Barcelos, Dom João Afonso Telo, o qual prestou ‘preito e menagem’ ao primeiro, de acordo com o determinado pelo rei Dom Fernando, pela carta de 16 de Janeiro de 1383, tresladada nesta escritura. Entre as testemunhas do acto esteve presente o Alcaide do Castelo de Faria, Diogo Gonçalves. Tabelião: Peres Esteves. 1383, Janeiro 26, Castelo de Lisboa”, lia-se na descrição no OLX.
O facto de ter surgido à venda num site onde se transacciona todo o tipo de bens corriqueiros foi um dado insólito na história deste pergaminho. Muitas vezes, diz Silvestre Lacerda, "estes documentos estão em mãos de particulares” e são passados de geração em geração dentro de uma família, ficando privados da prerrogativa de "acesso público” que o depósito na Torre do Tombo assegura: “Os arquivos nacionais têm esta dimensão de possibilitar o acesso generalizado dos cidadãos àquilo que é parte integrante do nosso património.”
Um valor inestimável
No final de Outubro, o pergaminho do século XIV com a escritura da entrega do Castelo de Lisboa ao Conde de Barcelos estava à venda no site de classificados OLX. Detalhando as suas características e o seu relevo histórico, o vendedor identificado como Luís Sampaio pedia por ele 750 euros. O tema chega à imprensa através do PÚBLICO, a 2 de Novembro, mas já antes a Torre do Tombo tinha sinalizado o seu interesse e manifestado ao proprietário a intenção de exercer o direito de opção na sua compra.
Esse direito do Estado está previsto no Decreto-Lei n.º 16/93 quando esteja em causa a “venda de um bem arquivístico classificado ou em vias de classificação”. Mas mesmo não cumprindo o pergaminho em causa esse requisito, a Lei 107/2001 indica que essa salvaguarda abrange todos os documentos com mais de 100 anos considerados relevantes.
Luís Sampaio demorou dez dias a dar resposta ao primeiro email da Torre do Tombo, datado de 20 de Outubro. Quando finalmente o fez, foi para responder, laconicamente, que o documento já tinha sido vendido, sem mais acrescentar. Os responsáveis do ANTT alertaram então a PJ, que anunciou no dia 20 de Novembro ter apreendido o pergaminho – indicando que o vendedor, identificado apenas como “um coleccionador de Gaia”, e que seria também o proprietário do bem, o entregou “voluntariamente”.
A PJ explicou então, em comunicado, que iria proceder a uma peritagem técnica, “dada a importância e o valor inestimável do documento”. Silvestre Lacerda explica agora que os especialistas da Torre do Tombo se disponibilizaram para fazer essa “análise diplomática” do pergaminho (no âmbito da disciplina com o mesmo nome dedicada à análise documental) e que só falta agora “fazer a respectiva descrição técnica para poder digitalizá-lo e integrá-lo na base de dados [do ANTT]." Cumprido esse último procedimento, ficará "à disposição do público e dos investigadores”.
A investigação aberta pela PJ tinha ainda como objectivo, como disse então ao PÚBLICO o coordenador de investigação criminal Pedro Silva, investigar os contornos do negócio e a sua licitude, nomeadamente a eventual existência de algum crime de receptação ou furto em volta do pergaminho. Questionado sobre se o inquérito já terminou, o director do ANTT disse que “a proposta será de arquivar o processo” na sequência dos últimos desenvolvimentos.
O futuro da escritura de entrega do Castelo de Lisboa pode passar por uma exposição ao público já no próximo mês. Silvestre Lacerda indicou ao PÚBLICO haver a intenção, que terá ainda de ser apresentada às outras entidades responsáveis, de o integrar numa exposição dedicada à Lisboa medieval a inaugurar em Fevereiro. A iniciativa conjunta do Instituto de Estudos Medievais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, do Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa e do ANTT, coordenada pela professora e medievalista Amélia Andrade, poderá ser o primeiro momento de exposição pública deste atribulado documento original após a saga que foi a sua aquisição.
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
Altar com dois mil anos desvenda nome de Viseu
Dedicado aos deuses, este altar com quase dois mil anos fala no povo “vissaieigenses”. Descoberta em 2009, pedra regressa a casa depois de ter sido resgatada de depósito. Vai estar em exposição no átrio da autarquia e integrar o acervo do futuro museu da cidade.
Sandra Rodrigues
Um altar de pedra com dois mil anos que revela a origem do nome da cidade de Viseu vai ser exposto ao público, quase uma década depois de ter sido descoberto.
A ara, da época romana, foi encontrada em 2009 durante umas escavações na zona histórica e é considerado o achado arqueológico mais relevante na construção da história da cidade. Guardada num caixote nos últimos anos, a pedra em granito fino foi resgatada para ficar, para já, em exposição no átrio da Câmara Municipal ainda durante o mês de Dezembro.
Datada da segunda metade do século I d.C, o altar é um dos mais antigos monumentos epigráficos de Viseu. A inscrição, em latim e totalmente perceptível, diz, na sua tradução: “Às deusas e deuses vissaieigenses. Albino, filho de Quéreas, cumpriu o voto de bom grado e merecidamente.”
Segundo os historiadores e investigadores, com esta dedicatória, Albino, uma personalidade da época, materializa o cumprimento do voto feito às divindades de lhes erguer um altar. E ao dedicar a mensagem aos “deuses vissaieigenses”, percebe-se que a palavra deriva de Vissaium, o nome da cidade naquela época.
A mais antiga referência escrita do nome de Viseu remontava ao século VI, sob a forma "Viseo".
“Não deve haver outra peça tão importante sobre a história de Viseu como esta ara. Através da inscrição consegue-se saber o nome dos habitantes que cá estavam quando os romanos chegaram”, assinala o arqueólogo Pedro Sobral. O especialista destaca ainda que o altar foi encontrado “num sítio muito perto onde estava o templo do fórum da época romana, o centro religioso, político e administrativo”, o que demonstra a importância desta urbe.
O arqueólogo conta que até 2009 havia muitas teorias, “algumas delas disparatadas”, sobre a origem do nome da cidade e “este altar desvenda esse mistério” ao mesmo tempo que demonstra que Viseu poderá ter sido capital de um vasto território.
Através dos estudos onomásticos, os historiadores e investigadores chegaram à conclusão de que a cidade, antes dos romanos chegarem, chamava-se Vissaium que evoluiu para Vis (s) eum (Era Romana), a seguir Viseo (Idade Média) e, finalmente, Viseu.
“O estudo preliminar leva-nos também a sugerir que a ara materializa um voto às deusas e deuses viseeicos, sendo o seu dedicante alguém abastado, a julgar pela qualidade e imponência do monumento”, contam os historiadores para quem o altar assume também especial importância para o conhecimento do panorama religioso da região de Viseu.
“Mais uma vez esta peça é única porque dá a conhecer uma entidade divina que acabou por entrar para o panteão dos deuses romanos”, esclarece o arqueólogo.
Primeira pedra do acervo do futuro museu da cidade
A ara foi encontrada no âmbito de acompanhamento arqueológico da abertura de uma vala para a instalação do funicular na Travessa da Misericórdia, bem perto da Sé de Viseu. Na altura, o achado foi dado a conhecer e foi objecto de vários artigos em revistas da especialidade e em congressos. Chegou também a iniciar uma “digressão”, denominada “Rock Tour”, que começou na Fnac, onde o altar esteve em exibição, e que pretendia percorrer outros espaços do concelho. Mas, o monumento acabou fechado, dentro de um caixote num depósito nos arredores de Viseu, num armazém que contém mais achados arqueológicos que estão guardados.
Depois da exposição no átrio da câmara, é intenção da autarquia que este seja o primeiro objecto do acervo do futuro museu da cidade.
“A ara é uma primeira pedra, literalmente, na vontade de constituir um primeiro acervo para o museu da cidade que é um objectivo que está inscrito no nosso programa”, sublinha Jorge Sobrado, vereador da Cultura e Património.
Para o autarca, “este regresso a casa do altar é um modo de valorização e promoção de um grande ícone de Viseu, mas é também simbólico daquilo que é o nosso objectivo de, dentro de um quadro de valorização do património, fazer um trabalho ligado à investigação, à salvaguarda, à valorização e à divulgação”.
“Trata-se de um documento e de um monumento únicos”, justifica. “Através deste documento, conseguiu-se trazer luz ao mistério que sempre envolveu a origem do nome da cidade de Viseu. O nome mais antigo, alguma vez descoberto, é Vissaium”, sublinha.
O presidente da autarquia “vissaieigense”, Almeida Henriques, considera que colocar em exposição o altar milenar é “um belo presente de Natal para os viseenses e para todos quantos gostam de património e história”. Acredita que este achado arqueológico contribui, também, para a promoção do turismo em Viseu.
“Queremos fazer um resgate do nosso património histórico e esta devolução à cidade tem um grande significado”, afirma ainda. E conclui: “Não era compreensível que esta peça, pelo seu singular valor simbólico, continuasse fechada num armazém”.
https://www.publico.pt/2017/12/11/local ... 5dMxJe0PrM
Dedicado aos deuses, este altar com quase dois mil anos fala no povo “vissaieigenses”. Descoberta em 2009, pedra regressa a casa depois de ter sido resgatada de depósito. Vai estar em exposição no átrio da autarquia e integrar o acervo do futuro museu da cidade.
Sandra Rodrigues
Um altar de pedra com dois mil anos que revela a origem do nome da cidade de Viseu vai ser exposto ao público, quase uma década depois de ter sido descoberto.
A ara, da época romana, foi encontrada em 2009 durante umas escavações na zona histórica e é considerado o achado arqueológico mais relevante na construção da história da cidade. Guardada num caixote nos últimos anos, a pedra em granito fino foi resgatada para ficar, para já, em exposição no átrio da Câmara Municipal ainda durante o mês de Dezembro.
Datada da segunda metade do século I d.C, o altar é um dos mais antigos monumentos epigráficos de Viseu. A inscrição, em latim e totalmente perceptível, diz, na sua tradução: “Às deusas e deuses vissaieigenses. Albino, filho de Quéreas, cumpriu o voto de bom grado e merecidamente.”
Segundo os historiadores e investigadores, com esta dedicatória, Albino, uma personalidade da época, materializa o cumprimento do voto feito às divindades de lhes erguer um altar. E ao dedicar a mensagem aos “deuses vissaieigenses”, percebe-se que a palavra deriva de Vissaium, o nome da cidade naquela época.
A mais antiga referência escrita do nome de Viseu remontava ao século VI, sob a forma "Viseo".
“Não deve haver outra peça tão importante sobre a história de Viseu como esta ara. Através da inscrição consegue-se saber o nome dos habitantes que cá estavam quando os romanos chegaram”, assinala o arqueólogo Pedro Sobral. O especialista destaca ainda que o altar foi encontrado “num sítio muito perto onde estava o templo do fórum da época romana, o centro religioso, político e administrativo”, o que demonstra a importância desta urbe.
O arqueólogo conta que até 2009 havia muitas teorias, “algumas delas disparatadas”, sobre a origem do nome da cidade e “este altar desvenda esse mistério” ao mesmo tempo que demonstra que Viseu poderá ter sido capital de um vasto território.
Através dos estudos onomásticos, os historiadores e investigadores chegaram à conclusão de que a cidade, antes dos romanos chegarem, chamava-se Vissaium que evoluiu para Vis (s) eum (Era Romana), a seguir Viseo (Idade Média) e, finalmente, Viseu.
“O estudo preliminar leva-nos também a sugerir que a ara materializa um voto às deusas e deuses viseeicos, sendo o seu dedicante alguém abastado, a julgar pela qualidade e imponência do monumento”, contam os historiadores para quem o altar assume também especial importância para o conhecimento do panorama religioso da região de Viseu.
“Mais uma vez esta peça é única porque dá a conhecer uma entidade divina que acabou por entrar para o panteão dos deuses romanos”, esclarece o arqueólogo.
Primeira pedra do acervo do futuro museu da cidade
A ara foi encontrada no âmbito de acompanhamento arqueológico da abertura de uma vala para a instalação do funicular na Travessa da Misericórdia, bem perto da Sé de Viseu. Na altura, o achado foi dado a conhecer e foi objecto de vários artigos em revistas da especialidade e em congressos. Chegou também a iniciar uma “digressão”, denominada “Rock Tour”, que começou na Fnac, onde o altar esteve em exibição, e que pretendia percorrer outros espaços do concelho. Mas, o monumento acabou fechado, dentro de um caixote num depósito nos arredores de Viseu, num armazém que contém mais achados arqueológicos que estão guardados.
Depois da exposição no átrio da câmara, é intenção da autarquia que este seja o primeiro objecto do acervo do futuro museu da cidade.
“A ara é uma primeira pedra, literalmente, na vontade de constituir um primeiro acervo para o museu da cidade que é um objectivo que está inscrito no nosso programa”, sublinha Jorge Sobrado, vereador da Cultura e Património.
Para o autarca, “este regresso a casa do altar é um modo de valorização e promoção de um grande ícone de Viseu, mas é também simbólico daquilo que é o nosso objectivo de, dentro de um quadro de valorização do património, fazer um trabalho ligado à investigação, à salvaguarda, à valorização e à divulgação”.
“Trata-se de um documento e de um monumento únicos”, justifica. “Através deste documento, conseguiu-se trazer luz ao mistério que sempre envolveu a origem do nome da cidade de Viseu. O nome mais antigo, alguma vez descoberto, é Vissaium”, sublinha.
O presidente da autarquia “vissaieigense”, Almeida Henriques, considera que colocar em exposição o altar milenar é “um belo presente de Natal para os viseenses e para todos quantos gostam de património e história”. Acredita que este achado arqueológico contribui, também, para a promoção do turismo em Viseu.
“Queremos fazer um resgate do nosso património histórico e esta devolução à cidade tem um grande significado”, afirma ainda. E conclui: “Não era compreensível que esta peça, pelo seu singular valor simbólico, continuasse fechada num armazém”.
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
Das estepes russas à herança africana: viagem ao passado da Península Ibérica com o ADN de mais de 400 esqueletos
Mais de 400 genomas de esqueletos antigos – 271 deles só agora publicados – de habitantes que viveram na Península Ibérica há entre 6000 a.C. e 1600 d.C. levam-nos numa viagem única pela pré-história desta região. Entre outros capítulos, destacam-se as marcas deixadas por dois irmãos, um casal e um indivíduo com ancestralidade do Norte de África.
Teresa Sofia Serafim
Afinal, como foi o passado dos habitantes da Península Ibérica? Através da análise do genoma de 271 esqueletos antigos publicada esta sexta-feira na revista científica Science, uma equipa de 111 cientistas dos Estados Unidos e da Europa fornece novas pistas sobre a identidade dos antepassados dos actuais portugueses e espanhóis ao longo de 8000 anos. Para os autores deste trabalho – vários deles são cientistas portugueses –, este é o maior estudo de ADN antigo da Península Ibérica feito até agora. Bem-vindo a uma viagem genética com os habitantes da Península Ibérica desde o Mesolítico até ao século XXI.
A primeira paragem desta viagem é precisamente no século XXI, quando uma equipa de cientistas liderados pela Faculdade de Medicina de Harvard (Estados Unidos) e o Instituto de Biologia Evolutiva (Espanha) quis recolher o maior número possível de amostras de genomas de esqueletos antigos da Península Ibérica para se fazer uma caracterização genética desses indivíduos. Objectivo? Perceber como as populações desta região viveram ao longo de 8000 anos.
Ao todo, foram analisados 403 genomas antigos de habitantes que viveram na Península Ibérica há entre 6000 a.C. e 1600 d.C., dos quais 271 nunca tinham sido publicados até agora. Foram ainda estudados genomas de 975 esqueletos antigos de indivíduos de fora da Península Ibérica e de 2900 pessoas actuais. Relativamente às amostras portuguesas, foram consideradas 37 do Neolítico, Idade do Cobre e Idade do Bronze, sendo que 16 delas nunca tinham sido publicadas.
A bióloga Marina Silva – que está a fazer o doutoramento na Universidade de Huddersfield (Reino Unido) – foi a responsável pela análise de algumas amostras dos esqueletos portugueses utilizadas neste trabalho. A bióloga começou por vir a Portugal reunir-se com bioantropólogos ou arqueólogos como Ana Maria Silva (Universidade de Coimbra), Katina Lilios (Universidade de Iowa, Estados Unidos) e António Valera (empresa Era-Arqueologia). Além de cederem as amostras, estes cientistas forneceram o contexto dos locais onde os esqueletos foram encontrados. Também participaram neste estudo arqueólogos da Universidade de Lisboa.
Depois, Marina Silva levou as amostras para o Reino Unido para extrair o seu ADN num laboratório especializado. No total, tentou retirar ADN de 24 amostras, mas só conseguiu extraí-lo de seis delas, que pertencem a esqueletos encontrados em sítios arqueológicos da Idade do Cobre (entre 3300 e 1200 a.C.): Bolores, Cabeço da Arruda (ambos de Torres Vedras) e Paimogo (Lourinhã).
Por fim, o ADN antigo extraído foi enviado para a Faculdade de Medicina de Harvard, onde foi analisado com as restantes amostras. Viajemos então pelas histórias que nos contam os protagonistas desta história, os esqueletos.
Irmãos do Mesolítico
Pertence à província de Leão (no Noroeste de Espanha) o primeiro genoma completo de um caçador-recolector europeu do Mesolítico (entre há 10.000 e 6000 anos), o La Braña 1. Este genoma com 7000 anos já era icónico – até porque as amostras do Mesolítico são raras –, mas agora descobriu-se um irmão deste caçador-recolector: o La Braña 2. “Estes dois esqueletos mesolíticos [tal como outros do Mesolítico] revelam uma estrutura genética mais próxima de grupos da Europa Central, o que poderá ser reflexo de um fluxo genético que afectou o Noroeste da Península Ibérica, mas não o Sudeste”, refere Ana Maria Silva. Como os grupos da Europa Central não terão chegado ao Sudeste da península, os indivíduos que aí viviam derivam a nível genético dos caçadores-recolectores da Idade do Gelo que já existiam na região.
Devido à contribuição genética de grupos da Europa Central em esqueletos do Mesolítico, neste trabalho verificou-se que grupos de caçadores-recolectores da Europa Central migraram para a Península Ibérica antes de uma população da Anatólia (actual Turquia) – que terá trazido a agricultura – ter chegado à região há 7500 anos. “Isto não é propriamente surpreendente. O mais surpreendente é verificar que a população que existia na Península Ibérica era uma mistura da ancestralidade dos caçadores-recolectores com estes agricultores”, considera Pedro Soares, geneticista da Universidade do Minho.
A diversidade (e complexidade) genética dos caçadores-recolectores da Península Ibérica também é comprovada por outro artigo científico publicado na última edição da revista científica Current Biology. “Através de estudos anteriores, soubemos que apenas as principais linhagens genéticas sobreviveram na Europa depois da Idade do Gelo e só restou uma delas há 14.000 anos”, diz ao PÚBLICO Vanessa Villalba do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana (na Alemanha) e autora do trabalho. “Isto não aconteceu na Península Ibérica, onde as linhagens sobreviveram de uma forma integrada.”
Ao todo, foram analisados 11 genomas – apenas um português – de esqueletos de caçadores-recolectores e dos primeiros agricultores da Península Ibérica. Quanto ao esqueleto português, tem cerca de 8000 anos e pertencia a um indivíduo do concheiro do Moita do Sebastião, na freguesia de Muge, no concelho de Salvaterra de Magos. Segundo Vanessa Villalba, a maior parte da ancestralidade deste indivíduo vem dos indivíduos mais antigos do período magdaleniano há cerca de 19.000 anos.
Homem e Mulher na Idade do Bronze
No sítio arqueológico de Castillejo de Bonete (Sudoeste de Espanha) foram encontrados lado a lado dois esqueletos com cerca de 4000 anos – Idade do Bronze – que pertenciam a um homem e a uma mulher. Enquanto a ancestralidade da mulher era 100% local, a do homem era da Europa Central.
“Houve uma forte substituição da população ibérica”, diz Pedro Soares sobre o significado do esqueleto masculino. “Pensa-se que isto aconteceu devido a uma enorme migração que teve origem na zona das estepes russas e ucranianas, que substituiu uma boa parte da população desde o Leste até ao extremo da Europa.” Segundo o cientista, as comunidades pastoris e domesticadores de cavalos das estepes russas migraram para Oeste, chegando à Península Ibérica, e para Leste, atingindo o subcontinente indiano. Além de substituírem a população masculina, terão espalhado ainda o indo-europeu, família linguística falada ao longo da Europa e da Índia.
“Essencialmente, a migração deveria ter homens que há entre 4000 e 4500 anos substituíram praticamente 100% de todos os homens que existiam na Península Ibérica”, salienta Pedro Soares. Qual o motivo? Não se sabe. “Não parecem haver provas no registo arqueológico que indiquem um aumento de violência, por isso não podemos dizer que houve uma grande matança de homens ibéricos por parte dos homens que chegaram na altura”, indica Marina Silva.
Já Pedro Soares adianta: “É mais fácil ver quais foram as consequências do que os motivos.” Quanto às consequências, sabe-se que, há 4000 anos, o padrão genético dos indivíduos da Europa Central já representava cerca de 40% do perfil genético da Península Ibérica e praticamente 100% das linhagens masculinas da região, o que reforça a hipótese de que estes recém-chegados deveriam ser maioritariamente homens e substituíram os homens locais.
Para avançar nesta questão, será preciso reunir mais dados antropológicos e arqueológicos. “Também passa por termos mais amostras do território português”, acrescenta Ana Maria Silva.
Africano na Idade do Cobre
Perto de Madrid, no sítio arqueológico de Camino de las Yeseras foi encontrado um esqueleto com cerca de 4000 anos (que terá vivido entre 2400 a.C. e 2000 a.C.) e com uma ancestralidade do Norte de África. “Já existiam algumas evidências arqueológicas de que haveria contactos entre o Norte de África e a Península Ibérica nesta altura – nomeadamente através de troca de materiais com origem africana recuperados em contextos arqueológicos ibéricos –, mas esta é a primeira vez que encontramos uma prova concreta do movimento de pessoas entre o Norte de África e a Península Ibérica”, explica Marina Silva. Além disso, como este esqueleto foi descoberto no centro da Península Ibérica, não se deverá tratar de um “movimento fortuito entre as duas margens do estreito de Gibraltar”, salienta a bióloga.
No Sul de Espanha também foi descoberto um esqueleto de um indivíduo mais recente – viveu entre 2000 a.C. e 1600 a.C., na Idade do Bronze – que tinha um dos avós do Norte de África. “Apesar desta ancestralidade africana não se ter espalhado na população da Idade do Cobre ou do Bronze, o contacto entre as duas zonas existe efectivamente há muito tempo e já desde a Idade do Cobre que envolvia o movimento de pessoas”, considera Marina Silva.
Isolamento dos bascos
Vejamos ainda o caso dos bascos, que têm um perfil genético diferente do do resto da população da Península Ibérica e não falam uma língua da família indo-europeia. Agora verificou-se que há 2000 anos os bascos ainda tinham o mesmo perfil do resto dos indivíduos da Península Ibérica. Ou seja, essas diferenças surgiram num passado mais recente do que se pensava, nomeadamente há entre 2000 e 1000 anos. Além disso, os bascos têm um perfil genético semelhante a pessoas da Idade do Ferro (há entre 900 a.C. e 19 a.C.).
Pedro Soares explica que estas diferenças não terão sido causadas por migrações, mas pelo isolamento dos bascos – por exemplo – através de uma maior endogamia do que no resto da península.
Avançando algum tempo nesta história, confirmou-se que durante o Império Romano a ancestralidade do Norte de África se espalhou mais pela Península Ibérica, sobretudo no Sul. “As influências genéticas ocorreram bem antes de grupos do Norte de África conquistarem a Península Ibérica durante o século VIII d.C.”, lê-se num comunicado da Faculdade de Medicina de Harvard. “Mas a partir de um certo período [histórico, em que há documentos escritos], já não há grandes surpresas. À medida que nos vamos aproximando da actualidade, os genomas começam a ser mais parecidos com a população actual”, refere Pedro Soares.
“É fantástico como a tecnologia de ADN antigo, combinada com informação arqueológica, antropológica, linguística e o registo histórico, pode trazer o passado de volta”, diz David Reich, geneticista da Faculdade de Medicina de Harvard e coordenador deste estudo. “A região ibérica é agora, provavelmente, a mais bem caracterizada do mundo a nível do ADN humano antigo”, indica-se ainda num comunicado da Universidade do Minho.
Por sua vez, Pedro Soares refere que o conhecimento da nossa ancestralidade é importante para questões médicas e para se saber qual o nosso perfil genético ou susceptibilidade a certas doenças. “Mas a razão pela qual faço isto é porque tenho uma certa curiosidade em conhecer a nossa ancestralidade e saber de onde viemos”, assume.
A viagem não termina aqui. David Reich refere que este estudo só mostrou o potencial de futuros trabalhos. Pedro Soares informa que se irá focar noutros períodos da história e que já tem alguns dados ainda não publicados com resultados interessantes. Já Ana Maria Silva diz que a colaboração com esta equipa é para continuar. E Marina Silva anuncia que já tem outras questões em aberto na manga. Como Portugal teve menos amostras do que Espanha – assim como menos períodos e sítios arqueológicos estudados –, a bióloga realça que ainda há muito a ser estudado. Também não foi analisado ADN de esqueletos do Norte do país. “Será interessante ver no futuro se todos os sinais demográficos que vemos em Espanha para os outros períodos também são visíveis no extremo Oeste da península ou se houve dinâmicas populacionais diferentes em Portugal.” Esta viagem só agora começou.
https://www.publico.pt/2019/03/14/cienc ... as-1865348
Mais de 400 genomas de esqueletos antigos – 271 deles só agora publicados – de habitantes que viveram na Península Ibérica há entre 6000 a.C. e 1600 d.C. levam-nos numa viagem única pela pré-história desta região. Entre outros capítulos, destacam-se as marcas deixadas por dois irmãos, um casal e um indivíduo com ancestralidade do Norte de África.
Teresa Sofia Serafim
Afinal, como foi o passado dos habitantes da Península Ibérica? Através da análise do genoma de 271 esqueletos antigos publicada esta sexta-feira na revista científica Science, uma equipa de 111 cientistas dos Estados Unidos e da Europa fornece novas pistas sobre a identidade dos antepassados dos actuais portugueses e espanhóis ao longo de 8000 anos. Para os autores deste trabalho – vários deles são cientistas portugueses –, este é o maior estudo de ADN antigo da Península Ibérica feito até agora. Bem-vindo a uma viagem genética com os habitantes da Península Ibérica desde o Mesolítico até ao século XXI.
A primeira paragem desta viagem é precisamente no século XXI, quando uma equipa de cientistas liderados pela Faculdade de Medicina de Harvard (Estados Unidos) e o Instituto de Biologia Evolutiva (Espanha) quis recolher o maior número possível de amostras de genomas de esqueletos antigos da Península Ibérica para se fazer uma caracterização genética desses indivíduos. Objectivo? Perceber como as populações desta região viveram ao longo de 8000 anos.
Ao todo, foram analisados 403 genomas antigos de habitantes que viveram na Península Ibérica há entre 6000 a.C. e 1600 d.C., dos quais 271 nunca tinham sido publicados até agora. Foram ainda estudados genomas de 975 esqueletos antigos de indivíduos de fora da Península Ibérica e de 2900 pessoas actuais. Relativamente às amostras portuguesas, foram consideradas 37 do Neolítico, Idade do Cobre e Idade do Bronze, sendo que 16 delas nunca tinham sido publicadas.
A bióloga Marina Silva – que está a fazer o doutoramento na Universidade de Huddersfield (Reino Unido) – foi a responsável pela análise de algumas amostras dos esqueletos portugueses utilizadas neste trabalho. A bióloga começou por vir a Portugal reunir-se com bioantropólogos ou arqueólogos como Ana Maria Silva (Universidade de Coimbra), Katina Lilios (Universidade de Iowa, Estados Unidos) e António Valera (empresa Era-Arqueologia). Além de cederem as amostras, estes cientistas forneceram o contexto dos locais onde os esqueletos foram encontrados. Também participaram neste estudo arqueólogos da Universidade de Lisboa.
Depois, Marina Silva levou as amostras para o Reino Unido para extrair o seu ADN num laboratório especializado. No total, tentou retirar ADN de 24 amostras, mas só conseguiu extraí-lo de seis delas, que pertencem a esqueletos encontrados em sítios arqueológicos da Idade do Cobre (entre 3300 e 1200 a.C.): Bolores, Cabeço da Arruda (ambos de Torres Vedras) e Paimogo (Lourinhã).
Por fim, o ADN antigo extraído foi enviado para a Faculdade de Medicina de Harvard, onde foi analisado com as restantes amostras. Viajemos então pelas histórias que nos contam os protagonistas desta história, os esqueletos.
Irmãos do Mesolítico
Pertence à província de Leão (no Noroeste de Espanha) o primeiro genoma completo de um caçador-recolector europeu do Mesolítico (entre há 10.000 e 6000 anos), o La Braña 1. Este genoma com 7000 anos já era icónico – até porque as amostras do Mesolítico são raras –, mas agora descobriu-se um irmão deste caçador-recolector: o La Braña 2. “Estes dois esqueletos mesolíticos [tal como outros do Mesolítico] revelam uma estrutura genética mais próxima de grupos da Europa Central, o que poderá ser reflexo de um fluxo genético que afectou o Noroeste da Península Ibérica, mas não o Sudeste”, refere Ana Maria Silva. Como os grupos da Europa Central não terão chegado ao Sudeste da península, os indivíduos que aí viviam derivam a nível genético dos caçadores-recolectores da Idade do Gelo que já existiam na região.
Devido à contribuição genética de grupos da Europa Central em esqueletos do Mesolítico, neste trabalho verificou-se que grupos de caçadores-recolectores da Europa Central migraram para a Península Ibérica antes de uma população da Anatólia (actual Turquia) – que terá trazido a agricultura – ter chegado à região há 7500 anos. “Isto não é propriamente surpreendente. O mais surpreendente é verificar que a população que existia na Península Ibérica era uma mistura da ancestralidade dos caçadores-recolectores com estes agricultores”, considera Pedro Soares, geneticista da Universidade do Minho.
A diversidade (e complexidade) genética dos caçadores-recolectores da Península Ibérica também é comprovada por outro artigo científico publicado na última edição da revista científica Current Biology. “Através de estudos anteriores, soubemos que apenas as principais linhagens genéticas sobreviveram na Europa depois da Idade do Gelo e só restou uma delas há 14.000 anos”, diz ao PÚBLICO Vanessa Villalba do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana (na Alemanha) e autora do trabalho. “Isto não aconteceu na Península Ibérica, onde as linhagens sobreviveram de uma forma integrada.”
Ao todo, foram analisados 11 genomas – apenas um português – de esqueletos de caçadores-recolectores e dos primeiros agricultores da Península Ibérica. Quanto ao esqueleto português, tem cerca de 8000 anos e pertencia a um indivíduo do concheiro do Moita do Sebastião, na freguesia de Muge, no concelho de Salvaterra de Magos. Segundo Vanessa Villalba, a maior parte da ancestralidade deste indivíduo vem dos indivíduos mais antigos do período magdaleniano há cerca de 19.000 anos.
Homem e Mulher na Idade do Bronze
No sítio arqueológico de Castillejo de Bonete (Sudoeste de Espanha) foram encontrados lado a lado dois esqueletos com cerca de 4000 anos – Idade do Bronze – que pertenciam a um homem e a uma mulher. Enquanto a ancestralidade da mulher era 100% local, a do homem era da Europa Central.
“Houve uma forte substituição da população ibérica”, diz Pedro Soares sobre o significado do esqueleto masculino. “Pensa-se que isto aconteceu devido a uma enorme migração que teve origem na zona das estepes russas e ucranianas, que substituiu uma boa parte da população desde o Leste até ao extremo da Europa.” Segundo o cientista, as comunidades pastoris e domesticadores de cavalos das estepes russas migraram para Oeste, chegando à Península Ibérica, e para Leste, atingindo o subcontinente indiano. Além de substituírem a população masculina, terão espalhado ainda o indo-europeu, família linguística falada ao longo da Europa e da Índia.
“Essencialmente, a migração deveria ter homens que há entre 4000 e 4500 anos substituíram praticamente 100% de todos os homens que existiam na Península Ibérica”, salienta Pedro Soares. Qual o motivo? Não se sabe. “Não parecem haver provas no registo arqueológico que indiquem um aumento de violência, por isso não podemos dizer que houve uma grande matança de homens ibéricos por parte dos homens que chegaram na altura”, indica Marina Silva.
Já Pedro Soares adianta: “É mais fácil ver quais foram as consequências do que os motivos.” Quanto às consequências, sabe-se que, há 4000 anos, o padrão genético dos indivíduos da Europa Central já representava cerca de 40% do perfil genético da Península Ibérica e praticamente 100% das linhagens masculinas da região, o que reforça a hipótese de que estes recém-chegados deveriam ser maioritariamente homens e substituíram os homens locais.
Para avançar nesta questão, será preciso reunir mais dados antropológicos e arqueológicos. “Também passa por termos mais amostras do território português”, acrescenta Ana Maria Silva.
Africano na Idade do Cobre
Perto de Madrid, no sítio arqueológico de Camino de las Yeseras foi encontrado um esqueleto com cerca de 4000 anos (que terá vivido entre 2400 a.C. e 2000 a.C.) e com uma ancestralidade do Norte de África. “Já existiam algumas evidências arqueológicas de que haveria contactos entre o Norte de África e a Península Ibérica nesta altura – nomeadamente através de troca de materiais com origem africana recuperados em contextos arqueológicos ibéricos –, mas esta é a primeira vez que encontramos uma prova concreta do movimento de pessoas entre o Norte de África e a Península Ibérica”, explica Marina Silva. Além disso, como este esqueleto foi descoberto no centro da Península Ibérica, não se deverá tratar de um “movimento fortuito entre as duas margens do estreito de Gibraltar”, salienta a bióloga.
No Sul de Espanha também foi descoberto um esqueleto de um indivíduo mais recente – viveu entre 2000 a.C. e 1600 a.C., na Idade do Bronze – que tinha um dos avós do Norte de África. “Apesar desta ancestralidade africana não se ter espalhado na população da Idade do Cobre ou do Bronze, o contacto entre as duas zonas existe efectivamente há muito tempo e já desde a Idade do Cobre que envolvia o movimento de pessoas”, considera Marina Silva.
Isolamento dos bascos
Vejamos ainda o caso dos bascos, que têm um perfil genético diferente do do resto da população da Península Ibérica e não falam uma língua da família indo-europeia. Agora verificou-se que há 2000 anos os bascos ainda tinham o mesmo perfil do resto dos indivíduos da Península Ibérica. Ou seja, essas diferenças surgiram num passado mais recente do que se pensava, nomeadamente há entre 2000 e 1000 anos. Além disso, os bascos têm um perfil genético semelhante a pessoas da Idade do Ferro (há entre 900 a.C. e 19 a.C.).
Pedro Soares explica que estas diferenças não terão sido causadas por migrações, mas pelo isolamento dos bascos – por exemplo – através de uma maior endogamia do que no resto da península.
Avançando algum tempo nesta história, confirmou-se que durante o Império Romano a ancestralidade do Norte de África se espalhou mais pela Península Ibérica, sobretudo no Sul. “As influências genéticas ocorreram bem antes de grupos do Norte de África conquistarem a Península Ibérica durante o século VIII d.C.”, lê-se num comunicado da Faculdade de Medicina de Harvard. “Mas a partir de um certo período [histórico, em que há documentos escritos], já não há grandes surpresas. À medida que nos vamos aproximando da actualidade, os genomas começam a ser mais parecidos com a população actual”, refere Pedro Soares.
“É fantástico como a tecnologia de ADN antigo, combinada com informação arqueológica, antropológica, linguística e o registo histórico, pode trazer o passado de volta”, diz David Reich, geneticista da Faculdade de Medicina de Harvard e coordenador deste estudo. “A região ibérica é agora, provavelmente, a mais bem caracterizada do mundo a nível do ADN humano antigo”, indica-se ainda num comunicado da Universidade do Minho.
Por sua vez, Pedro Soares refere que o conhecimento da nossa ancestralidade é importante para questões médicas e para se saber qual o nosso perfil genético ou susceptibilidade a certas doenças. “Mas a razão pela qual faço isto é porque tenho uma certa curiosidade em conhecer a nossa ancestralidade e saber de onde viemos”, assume.
A viagem não termina aqui. David Reich refere que este estudo só mostrou o potencial de futuros trabalhos. Pedro Soares informa que se irá focar noutros períodos da história e que já tem alguns dados ainda não publicados com resultados interessantes. Já Ana Maria Silva diz que a colaboração com esta equipa é para continuar. E Marina Silva anuncia que já tem outras questões em aberto na manga. Como Portugal teve menos amostras do que Espanha – assim como menos períodos e sítios arqueológicos estudados –, a bióloga realça que ainda há muito a ser estudado. Também não foi analisado ADN de esqueletos do Norte do país. “Será interessante ver no futuro se todos os sinais demográficos que vemos em Espanha para os outros períodos também são visíveis no extremo Oeste da península ou se houve dinâmicas populacionais diferentes em Portugal.” Esta viagem só agora começou.
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
Astrolábio português reconhecido como o mais antigo do mundo
Um artigo científico publicado por investigadores da universidade inglesa de Warwick revela que o Guinness reconheceu oficialmente um astrolábio da armada portuguesa de Vasco da Gama como o mais antigo do mundo.
A peça arqueológica, agora inscrita no Livro dos Recordes Mundiais, foi feita entre 1496 e 1501 e é o único exemplar de um astrolábio decorado com o símbolo nacional - no caso, o brasão das armas reais portuguesas, que também a torna o único disco sólido de origem verificável.
Os autores do artigo - David L. Mearns, Jason M. Warnett e Mark A. Williams - publicado sexta-feira, no Jornal de Arqueologia Náutica, explicam que o processo de verificação e certificação do disco como um astrolábio só foi possível com recurso a imagens laser que permitiram construir um modelo a três dimensões.
O astrolábio foi descoberto em 2014 no interior da caravela Esmerada, afundada no oceano Índico durante a segunda viagem de Vasco da Gama à Índia (1502-1503).
A par do astrolábio, o Guinness certificou também a autenticidade de um sino recuperado no interior da mesma caravela e onde estava inscrita a data de 1496.
Os marinheiros portugueses foram os primeiros a usar um astrolábio, em 1481, durante uma viagem ao longo da costa ocidental de África.
Sendo o mais antigo astrolábio usado pelos marinheiros de 1500, os autores consideram que ele permite preencher uma lacuna cronológica no desenvolvimento desses instrumentos - podendo mesmo ser um instrumento de transição entre o astrolábio planisférico clássico e o astrolábio de tipo aberto que começou a ser utilizado antes de 1517.
https://www.dn.pt/vida-e-futuro/interio ... X9rDurzH28
Um artigo científico publicado por investigadores da universidade inglesa de Warwick revela que o Guinness reconheceu oficialmente um astrolábio da armada portuguesa de Vasco da Gama como o mais antigo do mundo.
A peça arqueológica, agora inscrita no Livro dos Recordes Mundiais, foi feita entre 1496 e 1501 e é o único exemplar de um astrolábio decorado com o símbolo nacional - no caso, o brasão das armas reais portuguesas, que também a torna o único disco sólido de origem verificável.
Os autores do artigo - David L. Mearns, Jason M. Warnett e Mark A. Williams - publicado sexta-feira, no Jornal de Arqueologia Náutica, explicam que o processo de verificação e certificação do disco como um astrolábio só foi possível com recurso a imagens laser que permitiram construir um modelo a três dimensões.
O astrolábio foi descoberto em 2014 no interior da caravela Esmerada, afundada no oceano Índico durante a segunda viagem de Vasco da Gama à Índia (1502-1503).
A par do astrolábio, o Guinness certificou também a autenticidade de um sino recuperado no interior da mesma caravela e onde estava inscrita a data de 1496.
Os marinheiros portugueses foram os primeiros a usar um astrolábio, em 1481, durante uma viagem ao longo da costa ocidental de África.
Sendo o mais antigo astrolábio usado pelos marinheiros de 1500, os autores consideram que ele permite preencher uma lacuna cronológica no desenvolvimento desses instrumentos - podendo mesmo ser um instrumento de transição entre o astrolábio planisférico clássico e o astrolábio de tipo aberto que começou a ser utilizado antes de 1517.
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
"Foram os árabes muçulmanos que começaram o tráfico de escravos em grande escala"
O antropólogo e economista franco-senegalês Tidiane N'Diaye considera que o tráfico de escravos árabo-muçulmano realizado durante quase mil anos ainda não foi reconhecido em toda a dimensão. Falta virar esta página.
O tráfico de escravos árabe-muçulmano é o tema da investigação de Tidiane N'Diaye o comércio
João Céu e Silva
18 Março 2019
Tidiane N'Diaye publicou O Genocídio Ocultado em 2008, mas mais de uma década depois o que acusa de ser um encobrimento de práticas esclavagistas árabo-muçulmanas entre o sétimo e o décimo sexto, quase mil anos, ainda se mantém.
Sem ignorar o tráfico transatlântico que se segue durante quatro séculos, considera que "os árabes arrasaram a África Subsariana durante treze séculos ininterruptos" e que a "maioria dos milhões de homens por eles deportados desapareceu devido ao tratamento desumano e à castração generalizada".
Para o investigador franco-senegalês, é mais do que tempo de "examinar e debater o genocidário tráfico negreiro árabo-muçulmano como se faz com o tráfico transatlântico".
A sua introdução ao ensaio O Genocídio Ocultado é muito violenta. Pode dizer-se que a escravatura arábo-muçulmana foi a mais dura?
É preciso reconhecer que as implosões pré-coloniais inauguradas pelos árabes destroem sem dúvida os povos africanos, que não tiveram um intervalo desde sua chegada. Como mostra a história, os árabes-muçulmanos estão na origem da calamidade que foi o tráfico e a escravatura, que praticaram do século VII ao século XX. E do sétimo ao décimo sexto século, durante quase mil anos, eles foram os únicos a praticar este comércio miserável, deportando quase 10 milhões de africanos, antes da entrada na cena dos europeus. A penetração árabe no continente negro iniciou a era das devastações permanentes de aldeias e as terríveis guerras santas realizadas pelos convertidos a fim de obter escravos de vizinhos que eram considerados pagãos. Quando isso não era suficiente, invadiram outros alegados "irmãos muçulmanos" e confiscaram os seu bens. Sob este acordo árabe-muçulmano, os povos africanos foram raptados e mantidos reféns permanentemente.
A recente islamização dos povos africanos excluiu as práticas de escravidão?
O islão só permite a escravização de não-muçulmanos. Mas em relação aos negros, os árabes utilizaram os textos eruditos como os de Al-Dimeshkri: "Nenhuma lei divina lhes foi revelada. Nenhum profeta foi mostrado em sua casa. Também são incapazes de conceber as noções de comando e de proibição, desejo e de abstinência. Tem uma mentalidade próxima da dos animais. A submissão dos povos do Sudão aos seus chefes e reis deve-se unicamente às leis e regulamentos que lhes são impostos da mesma maneira que aos animais. "
Considera existir um "desprezo dos árabes pelos negros no Darfur". Mantém-se até à atualidade?
Sim. No inconsciente dos magrebinos, esta história deixou tantos vestígios que, para eles, um "negro" continua sendo um escravo. Eles nem podem conceber que os negros estejam entre eles. Basta ver o que está a acontecer na Mauritânia ou no Mali, onde os tuaregues do norte jamais aceitarão o poder negro. Os descendentes dos carrascos, como os das vítimas, tornaram-se solidários por motivos religiosos. Mas existem mercados de escravos na Líbia! Somente o debate permitirá superar essa situação. Recorde-se que em França, durante o comércio de escravos e a escravatura, havia filósofos do Iluminismo, como o Abade Gregório ou mesmo Montesquieu, que defendiam os negros, enquanto no mundo árabo-muçulmano os intelectuais mais respeitados, como Ibn Khaldun, também eram obscurantistas e afirmavam que os negros eram animais. Nenhum intelectual do Magrebe levantou a voz para defender a causa dos negros. É por esta razão que este genocídio assumiu tal magnitude e continua. No Líbano, na Síria, na Arábia Saudita, os trabalhadores domésticos africanos vivem em condições de escravatura. A divisão racial ainda é real na África.
Quando se fala de genocídio o holocausto surge logo. Pode-se fazer comparações, apesar da duração temporal, com a do tráfico negreiro árabe?
Desde o início do comércio oriental de escravos que os muçulmanos árabes decidiram castrar os negros para evitar que se reproduzissem. Esses infelizes foram submetidos a terríveis situações para evitar que se integrassem e implantassem uma descendência nesta região do mundo. Sobre esse assunto, os comentários de uma rara brutalidade das Mil e Uma Noites testemunham o tratamento terrível que os árabes reservavam aos cativos africanos nas suas sociedades esclavagistas, cruéis e depreciativas particularmente para os negros. A castração total, a dos eunucos, era uma operação extremamente perigosa. Quando realizada em adultos, matou entre 75% e 80% dos que a ela foram sujeitos. A taxa de mortalidade só foi menor nas crianças que eram castradas de forma sistemática. Mas 30% a 40% das crianças não sobreviveram à castração total. Hoje, a grande maioria dos descendentes dos escravos africanos são na verdade mestiços, nascidos de mulheres deportadas para haréns. Apenas 20% são negros. Essa é a diferença com o comércio transatlântico.
Afirma que o tráfico negreiro transatlântico foi menos devastador que o comércio árabo-muçulmano. O que os diferencia?
Eu só falo de genocídio para descrever o comércio de escravos transaariano e oriental. O comércio transatlântico, praticado por ocidentais, não pode ser comparado ao genocídio. A vontade de exterminar um povo não foi provada. Porque um escravo, mesmo em condições extremamente más, tinha um valor de mercado para o dono que o desejava produtivo e com longevidade. Para 9 a 11 milhões de deportados durante essa época, existem hoje 70 milhões de descendentes. O comércio árabo-muçulmano de escravos deportou 17 milhões de pessoas que tiveram apenas 1 milhão de descendentes por causa da maciça castração praticada durante quase catorze séculos.
O autor Tidiane N'Diaye
Pode dizer-se que os árabes são os "inventores" da escravatura tal como a definimos hoje?
Na verdade, foi o Império Romano quem mais praticou a escravidão. Estima-se que em determinada altura quase 30% da população do império era escrava. Quanto à África, deve-se notar que, enquanto a propriedade privada não existia, as pessoas funcionariam em cooperativa. Quando a propriedade privada cresceu, eram precisos mais braços para trabalhar. Foi então que os conflitos começaram e cresceram e os vencidos foram então reduzidos à escravidão. Estima-se que, no século XIX, 14 milhões de africanos estavam escravizados. A escravatura interna existia antes e durante o tráfico árabo-muçulmano e transatlântico. Foram os árabes muçulmanos que começaram o tráfico de escravos em grande escala. Como Fernand Braudel apontou, o tráfico de escravos não foi uma invenção diabólica da Europa. São os muçulmanos árabes que estão na origem e o praticaram em grande escala. Se o tráfico atlântico durou de 1660 a 1790, os muçulmanos árabes atacaram os negros do sétimo ao vigésimo século e foram os únicos a praticar o tráfico de escravos.
Acusa o mundo árabe-muçulmano de fazer um genocídio meticulosamente preparado. É uma questão de que não se fala porquê?
Este é realmente um pacto virtual selado entre os descendentes das vítimas e os algozes, que resulta em negação. Este pacto é virtual, mas a conspiração é muito real. Porque neste tipo de "Síndrome de Estocolmo ao estilo africano", em que tudo se coloca sobre as costas do Ocidente. É como se os descendentes das vítimas tenham decidido nada dizer. Que os estudiosos e outros intelectuais árabes-muçulmanos tentassem fazer desaparecer essa realidade até ser uma mera lembrança dessa infâmia, como se nunca tivesse existido, até pode ser compreendido. No entanto, é difícil perceber a atitude de muitos cientistas - e mesmo de afro-americanos que se convertem cada vez mais para o islão -, pois é uma espécie de auto-censura. É por isso que decidi publicar este livro, uma tentativa para quebrar o silêncio porque a história e antropologia não estão ao nível de uma crença religiosa ou de uma ideologia, mas de factos provados que não podemos esconder para sempre.
Como vê o papel de Portugal nesse trafico transatlântico?
Os portugueses tinham acidentalmente capturado um nobre mouro Adahu, em 1441. Este último ofereceu-se para comprar sua liberdade em troca de seis escravos negros e isso ocorreu em 1443. Depois disso, Dinis Dias desembarcou no Senegal e trouxe para Lagos quatro cativos, situação que marca o início do tráfico sistemático. Os portugueses foram, assim, os primeiros a importar escravos para o trabalho agrícola. Eles transportavam entre 700 e 800 cativos por ano desde os postos comerciais e fortes na costa africana. Os pioneiros neste tráfego foi Gonçalves Lançarote em 1444. Em seguida, foi a vez do navegador Tristão Nunes comprar aos mouros um número significativo de cativos africanos, para aumentar o seu número em São Tomé e Portugal. Em 1552, 10% da população de Lisboa consistia de escravos mouros ou negros. Aqui também há um trabalho de memória a ser feito...
A colonização europeia de África suavizou a anterior crueldade sobre os povos do continente ou manteve-a?
Se essa colonização pudesse ter um rosto, seria aquele que está na origem de dramas inesquecíveis. Depois dos compromissos históricos dos pensadores iluministas com ideias racistas, desde meados do século XIX que também há teorias que se infiltraram nas cabeças de um grande número de intelectuais como a do racismo científico. Se no início das conquistas, os ingleses apresentavam a superioridade científica e técnica da sua civilização sobre a dos povos "atrasados", em seguida procuraram uma "justificativa racial" para fazer a colonização. Sociólogos e cientistas britânicos decidiram elevar essa manobra ao apresentar os povos negros como sendo "seres vivos, semelhantes aos animais". E foram inspirados por uma das referências científicas da época, Charles Darwin, que concluiu o seu trabalho da seguinte forma: "O homem subiu da condição de grande macaco para o homem civilizado, passando pelas fases do homem primitivo e do homem selvagem. O melhor grau de evolução foi alcançado pelo homem branco." Todas essas construções levaram a calamidades como a do apartheid.
O Genocídio Ocultado - Investigação histórica sobre o tráfico negreiro árabo-muçulmano
Tidiane N'Diaye
https://www.dn.pt/cultura/interior/fora ... 80721.html
O antropólogo e economista franco-senegalês Tidiane N'Diaye considera que o tráfico de escravos árabo-muçulmano realizado durante quase mil anos ainda não foi reconhecido em toda a dimensão. Falta virar esta página.
O tráfico de escravos árabe-muçulmano é o tema da investigação de Tidiane N'Diaye o comércio
João Céu e Silva
18 Março 2019
Tidiane N'Diaye publicou O Genocídio Ocultado em 2008, mas mais de uma década depois o que acusa de ser um encobrimento de práticas esclavagistas árabo-muçulmanas entre o sétimo e o décimo sexto, quase mil anos, ainda se mantém.
Sem ignorar o tráfico transatlântico que se segue durante quatro séculos, considera que "os árabes arrasaram a África Subsariana durante treze séculos ininterruptos" e que a "maioria dos milhões de homens por eles deportados desapareceu devido ao tratamento desumano e à castração generalizada".
Para o investigador franco-senegalês, é mais do que tempo de "examinar e debater o genocidário tráfico negreiro árabo-muçulmano como se faz com o tráfico transatlântico".
A sua introdução ao ensaio O Genocídio Ocultado é muito violenta. Pode dizer-se que a escravatura arábo-muçulmana foi a mais dura?
É preciso reconhecer que as implosões pré-coloniais inauguradas pelos árabes destroem sem dúvida os povos africanos, que não tiveram um intervalo desde sua chegada. Como mostra a história, os árabes-muçulmanos estão na origem da calamidade que foi o tráfico e a escravatura, que praticaram do século VII ao século XX. E do sétimo ao décimo sexto século, durante quase mil anos, eles foram os únicos a praticar este comércio miserável, deportando quase 10 milhões de africanos, antes da entrada na cena dos europeus. A penetração árabe no continente negro iniciou a era das devastações permanentes de aldeias e as terríveis guerras santas realizadas pelos convertidos a fim de obter escravos de vizinhos que eram considerados pagãos. Quando isso não era suficiente, invadiram outros alegados "irmãos muçulmanos" e confiscaram os seu bens. Sob este acordo árabe-muçulmano, os povos africanos foram raptados e mantidos reféns permanentemente.
A recente islamização dos povos africanos excluiu as práticas de escravidão?
O islão só permite a escravização de não-muçulmanos. Mas em relação aos negros, os árabes utilizaram os textos eruditos como os de Al-Dimeshkri: "Nenhuma lei divina lhes foi revelada. Nenhum profeta foi mostrado em sua casa. Também são incapazes de conceber as noções de comando e de proibição, desejo e de abstinência. Tem uma mentalidade próxima da dos animais. A submissão dos povos do Sudão aos seus chefes e reis deve-se unicamente às leis e regulamentos que lhes são impostos da mesma maneira que aos animais. "
Considera existir um "desprezo dos árabes pelos negros no Darfur". Mantém-se até à atualidade?
Sim. No inconsciente dos magrebinos, esta história deixou tantos vestígios que, para eles, um "negro" continua sendo um escravo. Eles nem podem conceber que os negros estejam entre eles. Basta ver o que está a acontecer na Mauritânia ou no Mali, onde os tuaregues do norte jamais aceitarão o poder negro. Os descendentes dos carrascos, como os das vítimas, tornaram-se solidários por motivos religiosos. Mas existem mercados de escravos na Líbia! Somente o debate permitirá superar essa situação. Recorde-se que em França, durante o comércio de escravos e a escravatura, havia filósofos do Iluminismo, como o Abade Gregório ou mesmo Montesquieu, que defendiam os negros, enquanto no mundo árabo-muçulmano os intelectuais mais respeitados, como Ibn Khaldun, também eram obscurantistas e afirmavam que os negros eram animais. Nenhum intelectual do Magrebe levantou a voz para defender a causa dos negros. É por esta razão que este genocídio assumiu tal magnitude e continua. No Líbano, na Síria, na Arábia Saudita, os trabalhadores domésticos africanos vivem em condições de escravatura. A divisão racial ainda é real na África.
Quando se fala de genocídio o holocausto surge logo. Pode-se fazer comparações, apesar da duração temporal, com a do tráfico negreiro árabe?
Desde o início do comércio oriental de escravos que os muçulmanos árabes decidiram castrar os negros para evitar que se reproduzissem. Esses infelizes foram submetidos a terríveis situações para evitar que se integrassem e implantassem uma descendência nesta região do mundo. Sobre esse assunto, os comentários de uma rara brutalidade das Mil e Uma Noites testemunham o tratamento terrível que os árabes reservavam aos cativos africanos nas suas sociedades esclavagistas, cruéis e depreciativas particularmente para os negros. A castração total, a dos eunucos, era uma operação extremamente perigosa. Quando realizada em adultos, matou entre 75% e 80% dos que a ela foram sujeitos. A taxa de mortalidade só foi menor nas crianças que eram castradas de forma sistemática. Mas 30% a 40% das crianças não sobreviveram à castração total. Hoje, a grande maioria dos descendentes dos escravos africanos são na verdade mestiços, nascidos de mulheres deportadas para haréns. Apenas 20% são negros. Essa é a diferença com o comércio transatlântico.
Afirma que o tráfico negreiro transatlântico foi menos devastador que o comércio árabo-muçulmano. O que os diferencia?
Eu só falo de genocídio para descrever o comércio de escravos transaariano e oriental. O comércio transatlântico, praticado por ocidentais, não pode ser comparado ao genocídio. A vontade de exterminar um povo não foi provada. Porque um escravo, mesmo em condições extremamente más, tinha um valor de mercado para o dono que o desejava produtivo e com longevidade. Para 9 a 11 milhões de deportados durante essa época, existem hoje 70 milhões de descendentes. O comércio árabo-muçulmano de escravos deportou 17 milhões de pessoas que tiveram apenas 1 milhão de descendentes por causa da maciça castração praticada durante quase catorze séculos.
O autor Tidiane N'Diaye
Pode dizer-se que os árabes são os "inventores" da escravatura tal como a definimos hoje?
Na verdade, foi o Império Romano quem mais praticou a escravidão. Estima-se que em determinada altura quase 30% da população do império era escrava. Quanto à África, deve-se notar que, enquanto a propriedade privada não existia, as pessoas funcionariam em cooperativa. Quando a propriedade privada cresceu, eram precisos mais braços para trabalhar. Foi então que os conflitos começaram e cresceram e os vencidos foram então reduzidos à escravidão. Estima-se que, no século XIX, 14 milhões de africanos estavam escravizados. A escravatura interna existia antes e durante o tráfico árabo-muçulmano e transatlântico. Foram os árabes muçulmanos que começaram o tráfico de escravos em grande escala. Como Fernand Braudel apontou, o tráfico de escravos não foi uma invenção diabólica da Europa. São os muçulmanos árabes que estão na origem e o praticaram em grande escala. Se o tráfico atlântico durou de 1660 a 1790, os muçulmanos árabes atacaram os negros do sétimo ao vigésimo século e foram os únicos a praticar o tráfico de escravos.
Acusa o mundo árabe-muçulmano de fazer um genocídio meticulosamente preparado. É uma questão de que não se fala porquê?
Este é realmente um pacto virtual selado entre os descendentes das vítimas e os algozes, que resulta em negação. Este pacto é virtual, mas a conspiração é muito real. Porque neste tipo de "Síndrome de Estocolmo ao estilo africano", em que tudo se coloca sobre as costas do Ocidente. É como se os descendentes das vítimas tenham decidido nada dizer. Que os estudiosos e outros intelectuais árabes-muçulmanos tentassem fazer desaparecer essa realidade até ser uma mera lembrança dessa infâmia, como se nunca tivesse existido, até pode ser compreendido. No entanto, é difícil perceber a atitude de muitos cientistas - e mesmo de afro-americanos que se convertem cada vez mais para o islão -, pois é uma espécie de auto-censura. É por isso que decidi publicar este livro, uma tentativa para quebrar o silêncio porque a história e antropologia não estão ao nível de uma crença religiosa ou de uma ideologia, mas de factos provados que não podemos esconder para sempre.
Como vê o papel de Portugal nesse trafico transatlântico?
Os portugueses tinham acidentalmente capturado um nobre mouro Adahu, em 1441. Este último ofereceu-se para comprar sua liberdade em troca de seis escravos negros e isso ocorreu em 1443. Depois disso, Dinis Dias desembarcou no Senegal e trouxe para Lagos quatro cativos, situação que marca o início do tráfico sistemático. Os portugueses foram, assim, os primeiros a importar escravos para o trabalho agrícola. Eles transportavam entre 700 e 800 cativos por ano desde os postos comerciais e fortes na costa africana. Os pioneiros neste tráfego foi Gonçalves Lançarote em 1444. Em seguida, foi a vez do navegador Tristão Nunes comprar aos mouros um número significativo de cativos africanos, para aumentar o seu número em São Tomé e Portugal. Em 1552, 10% da população de Lisboa consistia de escravos mouros ou negros. Aqui também há um trabalho de memória a ser feito...
A colonização europeia de África suavizou a anterior crueldade sobre os povos do continente ou manteve-a?
Se essa colonização pudesse ter um rosto, seria aquele que está na origem de dramas inesquecíveis. Depois dos compromissos históricos dos pensadores iluministas com ideias racistas, desde meados do século XIX que também há teorias que se infiltraram nas cabeças de um grande número de intelectuais como a do racismo científico. Se no início das conquistas, os ingleses apresentavam a superioridade científica e técnica da sua civilização sobre a dos povos "atrasados", em seguida procuraram uma "justificativa racial" para fazer a colonização. Sociólogos e cientistas britânicos decidiram elevar essa manobra ao apresentar os povos negros como sendo "seres vivos, semelhantes aos animais". E foram inspirados por uma das referências científicas da época, Charles Darwin, que concluiu o seu trabalho da seguinte forma: "O homem subiu da condição de grande macaco para o homem civilizado, passando pelas fases do homem primitivo e do homem selvagem. O melhor grau de evolução foi alcançado pelo homem branco." Todas essas construções levaram a calamidades como a do apartheid.
O Genocídio Ocultado - Investigação histórica sobre o tráfico negreiro árabo-muçulmano
Tidiane N'Diaye
https://www.dn.pt/cultura/interior/fora ... 80721.html
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
O mistério dos 158 corpos de africanos escravizados jogados num lixão em Portugal
Ossadas de homens, mulheres e crianças demonstram as circunstâncias desumanas das primeiras explorações portuguesas pela costa oeste do continente
A Europa reabriu em 2009 as bocarras dos infernos quando a Prefeitura de Lagos – hoje uma plácida, ensolarada, turística e bela cidade do Algarve português – decidiu construir um estacionamento subterrâneo alguns metros além de suas muralhas medievais, em uma área urbana conhecida como Vale da Gafaria. As escavadoras iniciaram seu trabalho e começaram a brotar dezenas de ossos de seres humanos. Maria Teresa Santos Ferreira, professora de Antropologia da Universidade de Coimbra, foi ao local com sua equipe. Hoje, dez anos depois, os resultados de sua pesquisa foram publicados no International Journal of Osteoarchaeology: eram os corpos de 158 africanos escravizados, cujos restos foram abandonados em um depósito de lixo no começo do século XV. Arrancados de sua terra pela violência e vendidos por traficantes, muitos deles não conseguiram suportar a viagem à Portugal. As ossadas de homens, mulheres e crianças – seis dos quais foram lançados ao depósito com pés e mãos amarrados com cordas – demonstram as circunstâncias desumanas das primeiras explorações portuguesas pela costa oeste do continente.
Santos Ferreira, com um dos restos humanos de Lagos.
Santos Ferreira, com um dos restos humanos de Lagos. DRYAS ARQUEOLOGÍA LTDA.
O Infante Henrique o Navegante (1394-1460) foi o primeiro dos grandes exploradores dos mares da África e das ilhas do Atlântico. Suas caravelas sulcavam as costas partindo do maior porto do sul do reino, Lagos, uma cidade que logo se transformaria no grande bazar europeu de carne humana. “Os escravos”, diz Santos Ferreira, “vinham das batidas feitas na parte ocidental do continente, assim como da compra dos traficantes muçulmanos, que por sua vez os traziam do interior da África”. Por isso, as análises determinaram que os enterrados vinham de populações banto (fundamentalmente na África subsaariana, com exceção do sul e da costa leste).
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Os barcos portugueses chegaram pela primeira vez em 1444 ao litoral do Senegal e logo retornaram ao porto de Lagos carregados de mercadorias, incluindo pessoas escravizadas, diz o relatório. Mas em 1512, o rei Manuel I ordenou que Lisboa tivesse a exclusividade do tráfico de escravos. De qualquer maneira, e ainda que Lagos tenha perdido importância, as naus continuaram chegando a esse porto antes de alcançar a capital. Não se sabe quantos africanos escravizados entraram em Portugal nesses séculos, porque os arquivos se perderam durante o terremoto de Lisboa em 1755. Mas se calcula que entre 1441 e 1470 chegaram por volta de mil africanos por ano e quase 2.000 anuais nas duas décadas seguintes, um número que se manteve estável e diminuiu a partir de 1530.
O estudo – do qual, além de Santos, participaram Catarina Coelhoa, João de Oliveira Coelho, David Navegaa, Sofia N. Wasterlaina e Ana Rufino e que contou com o apoio do Archaeological Institute of America e da Fundação Gerda Henkel – estabelece que os corpos foram colocados no depósito de lixo entre os séculos XV e XVII, e que muitos daqueles infelizes sofreram em vida traumatismos e lesões degenerativas. Os especialistas analisaram o sexo de 88 deles (56,31% de mulheres, 29,13% de homens e o restante indeterminado). A idade de sua morte foi estabelecida entre os 20 e 30 anos em 32% dos casos, os 30 e 40 anos para 40% e 6,59% com mais de 40 anos.
Escavação do estacionamento, no centro o depósito de lixo com os corpos.
Escavação do estacionamento, no centro o depósito de lixo com os corpos. DRYAS ARQUEOLOGIA LTDA.
Além dos adultos, a equipe da empresa Dryas Arqueologia LTDA. encontrou também 31 menores (“não-adultos”), em muitos dos quais foram detectadas alterações nas dentições e um atraso no crescimento. De acordo com o estudo, os menores foram expostos “a duras condições”, o que lhes provocou déficits nutricionais que se refletem em suas estruturas ósseas, com osteoporose cranial e falta de esmalte nos dentes. Isso, por sua vez, evidencia suas “duras e curtas vidas”. Os antropólogos, entretanto, vislumbraram algum sinal de humanidade no enterro dos menores, já que em 66,7% dos casos “parecem ter sido enterrados com mais cuidado do que os adultos”. Desses últimos, 79,4% não seguiam a “habitual orientação cristã da época, com a cabeça na direção oeste e os pés na direção leste”.
Naquela época, somente as pessoas batizadas podiam ser enterradas dentro da cidade. “Os escravos, evidentemente, não eram, de modo que seus corpos foram depositados nos depósitos de lixo, como poderia acontecer, por exemplo, com os animais. Essa situação mudou posteriormente e passaram a ser enterrados dentro da cidade”, diz Santos Ferreira.
Nos corpos analisados, foram encontradas evidências de que quatro mulheres, um homem e um menor de idade foram amarrados antes de morrer, o que deixa claro como esses “indivíduos escravizados foram tratados, mesmo na hora de sua morte”.
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/0 ... 10812.html
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Santos Ferreira, com um dos restos humanos de Lagos.
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https://brasil.elpais.com/brasil/2019/0 ... 10812.html
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
Rota cultural no Algarve desvenda legado islâmico que une Portugal e Espanha
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