Como Bolsonaro se aproxima de Trump e se distancia de Macron
João Paulo Charleaux
02 Dez 2018 (atualizado 03/Dez 11h21)
Na mesma semana, presidente eleito afaga americano e recebe ultimato francês, antecipando os dilemas do governo que se inicia em janeiro
Foto: MARCOS BRINDICCI/REUTERS - 30.11.2018
EMMANUEL MACRON (ESQ) E DONALD TRUMP EM ENCONTRO DO G20 EM BUENOS AIRES
O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, teve na última semana de novembro de 2018 uma amostra das pressões que seu governo enfrentará no campo internacional a partir de 1º de janeiro de 2019. O dilema foi colocado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, em forma de ultimato: ou o Brasil mantém seus compromissos ambientais e participa de um acordo entre o Mercosul e a União Europeia ou recua em seus compromissos ambientais e paga um preço comercial pela decisão daqui em diante. A declaração do presidente francês foi feita em Buenos Aires na quinta-feira (29), durante a reunião de cúpula do G20 – grupo que reúne os 20 países mais influentes do mundo. Macron mandou a mensagem a Bolsonaro um dia depois de o presidente eleito ter anunciado, em Brasília, que havia dado a ordem de cancelar a realização da COP 25 no Brasil, a Conferência do Clima das Nações Unidas, que estava programada para ocorrer em 2019. A ordem de Bolsonaro havia sido dada ao embaixador Ernesto Araújo, que, a partir de janeiro, assumirá a função de ministro das Relações Exteriores do Brasil. Araújo considera o Acordo de Paris, que estabelece metas para redução na emissão de CO2, “uma tática globalista de instilar o medo” e parte de um “alarmismo climático” no mundo.
'Não sou favorável'
“Do lado francês, eu digo claramente que não sou favorável à assinatura de um acordo comercial amplo com potências que não respeitam o Acordo de Paris e que anunciam que não vão respeitar o Acordo de Paris”, disse Macron em Buenos Aires. “Esses acordos comerciais contemporâneos precisam responder aos desafios contemporâneos. Ocorre que há uma mudança política maior no Mercosul que acaba de ocorrer no Brasil. Portanto, é do lado do Mercosul que a questão está colocada para saber qual é a natureza do impacto que essa mudança vai ter”, complementou o presidente francês. No mesmo dia, pelo Twitter, Macron ligou a exigência feita a países parceiros com as dificuldades que ele mesmo enfrenta internamente: “Mercosul, nós não podemos pedir aos agricultores e aos trabalhadores franceses que mudem seus hábitos de produção para lidar com a transição ecológica e, em seguida, assinar acordos comerciais com países que não fazem o mesmo. Queremos acordos equilibrados”.
"Mercosur : on ne peut pas demander aux agriculteurs et travailleurs français de changer leurs habitudes de production pour mener la transition écologique, puis signer des accords commerciaux avec des pays qui ne font pas de même. Nous voulons des accords équilibrés. — Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) November 29, 2018"
O contexto por trás desse post em particular é o seguinte: desde 17 de novembro de 2018, Macron é alvo de manifestações dos chamados “coletes amarelos”, que protestam contra a cobrança de uma taxa adicional sobre a gasolina e o diesel para financiar soluções ecologicamente mais corretas na França. O presidente eleito do Brasil respondeu a Macron no Twitter, sem citá-lo.
Sujeitar automaticamente nosso território, leis e soberania a colocações de outras nações está fora de cogitação. É legítimo que países no mundo defendam seus interesses e estaremos dispostos a dialogar sempre, mas defenderemos os interesses do Brasil e dos brasileiros. — Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) November 29, 2018
Do outro lado, os EUA
A posição de Bolsonaro sobre o aquecimento global afasta o Brasil da França e, possivelmente, da União Europeia, mas, por outro lado, coloca o país mais perto dos EUA – pelo menos no campo das ideias e da retórica. Não há nenhuma declaração do presidente americano, Donald Trump, e de seus assessores que apontem para a concessão de vantagens comerciais ao Brasil vinculadas ao fato de Bolsonaro e de seu gabinete virem a deixar o Acordo de Paris. Mas a expectativa brasileira existe. Desde 2015, quando entrou em campanha para ser o nomeado do Partido Republicano a fim de disputar a Casa Branca, Trump diz que o aquecimento global “é um boato”. Depois que assumiu, tirou os EUA do Acordo de Paris e assumiu uma posição de disputa frontal com Macron. Na mesma semana em que anunciou o cancelamento da COP 25 no Brasil, Bolsonaro prestou continência para o secretário de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, no Rio de Janeiro, e um dos filhos dele, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, apareceu em Washington usando um boné no qual estava escrito “Trump 2020”, em apoio a uma possível candidatura de Trump pela reeleição, daqui a dois anos.
Antes da França, o Egito
A divergência com a França não é a primeira protagonizada por Bolsonaro ainda antes da posse.
Logo depois de eleito, ele disse que mudaria a Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Na sequência, o governo do Egito cancelou um encontro de negócios que teria com o chanceler Aloysio Nunes e com uma comitiva de empresários brasileiros. O gesto foi visto como desagravo. A decisão de mover a embaixada para Jerusalém viola a resolução das Nações Unidas e isola o Brasil.
Só os EUA e a Guatemala mantêm embaixadas em Jerusalém – cidade sagrada para as três maiores religiões monoteístas do mundo e objeto de disputa política e militar no Oriente Médio.
Quando, em 2017, os EUA propuseram na ONU mover as embaixadas dos países-membros de Tel Aviv para Jerusalém, receberam apoio dos seguintes países: Micronésia, Palau, Nauru, Togo, Ilhas Marshall, Guatemala e Honduras, além de Israel.
A partir de janeiro de 2019, o Brasil poderá fazer parte desse grupo.
Antes do Egito, a China
Em outubro de 2018, ainda durante a campanha, o presidente eleito havia dito o seguinte sobre a China: “a China não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil”. Em novembro, Eduardo Bolsonaro disse o seguinte sobre a China em Washington: “É o maior parceiro do Brasil não por causas naturais, mas porque nossos ex-presidentes quiseram fazer isso. Se trabalharmos para deixar o mercado livre e com políticas liberais, os Estados Unidos estarão de volta como principal parceiro comercial do Brasil”.
Bolsonaro pai se reuniu com o embaixador chinês em Brasília, Li Jinzhang, logo depois de eleito. Não houve manifestação crítica dos chineses na ocasião, mas a agência estatal de notícias Xinhua publicou um anúncio publicitário em jornais brasileiros na sexta-feira (30) com recados cifrados. O texto traz uma entrevista com o brasileiro Severino Cabral, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico. O texto diz que, “apesar de Bolsonaro ter feito declarações controversas durante a campanha, as ações dele durante a Presidência tendem a ser mais prudentes”. A ideia é atribuída a Cabral. A agência diz ainda que “o professor acredita que as relações do Brasil com a China são sólidas e que nenhum governo gostaria de afetá-las”. O novo chanceler brasileiro havia escrito, num blog pessoal, durante as eleições, que “um novo eixo socialista latino-americano, sob os auspícios da China maoísta [...] dominará o mundo”. A China é, desde 2009, o principal parceiro comercial do Brasil.
Antes da China, o Mercosul
Paulo Guedes, indicado por Bolsonaro para o Ministério da Economia, disse o seguinte, logo após o resultado do segundo turno: “o Mercosul é restrito demais para o que estamos pensando. O Mercosul, quando foi feito, foi totalmente ideológico. O Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas e isso é ruim para a economia”.
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