Arqueologia/antropologia/ADN
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
CONHECE A PONTE DO DIABO EM VIEIRA DO MINHO?
Situada em Ruivães, sobre o rio Rabagão, reza a lenda que foi construída pelo próprio Diabo.
Trata-se da Ponte da Misarela também conhecida como ponte do Diabo. O distrito é Braga, o concelho Vieira do Minho. Ruivães é um local mágico e inesquecível e a ponte é um dos ícones mais fascinantes e com mais história da região.
A ponte tem origem na Idade Média, tendo sido reconstruída no século XIX. O cenário onde se enquadra faz jus ao nome. Assenta-se sobre os penedos e insere-se num imponente desfiladeiro escarpado, vegetação densa e uma cascata exuberante.
O majestoso arco de 13 metros guarda a história de várias batalhas durante as guerras napoleónicas e das inúmeras pessoas e carroças que por lá passaram.
Um dos fascínios escondidos deste local é a lenda centenária que tem sobrevivido a várias gerações. Segundo a mesma, a origem da ponte está num fugitivo, que ao deparar-se com o rio intransponível decide vender a alma ao diabo em troca de ajuda para fugir aos perseguidores.
Este responde às suas preces e constrói a imponente ponte, permitindo a fuga do infractor. Mas, às portas da morte, o fugitivo arrepende-se dos seus actos, e decide procurar a ajuda de um padre.
O sacerdote decide ajudar e para tal fez um pacto igual com o Diabo.
Mais uma vez voltou a responder às preces de quem o chamou, voltando erguer a famosa ponte. No entanto o padre estava precavido e com a ajuda de água benta e rituais de exorcismo conseguiu fazer o diabo desaparecer, deixando a ponte intacta.
E assim ficou até aos dias de hoje onde centenas de pessoas ainda fazem uso dos seus poderes mágicos.
É o caso da fábula sobre a gravidez.
Reza a lenda que se uma mulher grávida tiver alguma dificuldade durante a gestação deve passar a noite por baixo da mágica ponte. Na manhã seguinte, a primeira pessoa que por ela passar deverá ser o padrinho ou madrinha da criança.
Esta deverá receber em troca o nome Gervásio ou Senhorinha. A prova da credibilidade das pessoas na lenda é a quantidade de habitantes que receberam este nome.
Acredite ou não nas lendas, o local merece uma visita e o passeio por um dos vários trilhos que por lá irá encontrar. Existem vários percursos com diferentes pontos de partida, conforme a dificuldade e duração dos mesmos.
https://viagens.sapo.pt/viajar/viajar-p ... a-do-minho
Situada em Ruivães, sobre o rio Rabagão, reza a lenda que foi construída pelo próprio Diabo.
Trata-se da Ponte da Misarela também conhecida como ponte do Diabo. O distrito é Braga, o concelho Vieira do Minho. Ruivães é um local mágico e inesquecível e a ponte é um dos ícones mais fascinantes e com mais história da região.
A ponte tem origem na Idade Média, tendo sido reconstruída no século XIX. O cenário onde se enquadra faz jus ao nome. Assenta-se sobre os penedos e insere-se num imponente desfiladeiro escarpado, vegetação densa e uma cascata exuberante.
O majestoso arco de 13 metros guarda a história de várias batalhas durante as guerras napoleónicas e das inúmeras pessoas e carroças que por lá passaram.
Um dos fascínios escondidos deste local é a lenda centenária que tem sobrevivido a várias gerações. Segundo a mesma, a origem da ponte está num fugitivo, que ao deparar-se com o rio intransponível decide vender a alma ao diabo em troca de ajuda para fugir aos perseguidores.
Este responde às suas preces e constrói a imponente ponte, permitindo a fuga do infractor. Mas, às portas da morte, o fugitivo arrepende-se dos seus actos, e decide procurar a ajuda de um padre.
O sacerdote decide ajudar e para tal fez um pacto igual com o Diabo.
Mais uma vez voltou a responder às preces de quem o chamou, voltando erguer a famosa ponte. No entanto o padre estava precavido e com a ajuda de água benta e rituais de exorcismo conseguiu fazer o diabo desaparecer, deixando a ponte intacta.
E assim ficou até aos dias de hoje onde centenas de pessoas ainda fazem uso dos seus poderes mágicos.
É o caso da fábula sobre a gravidez.
Reza a lenda que se uma mulher grávida tiver alguma dificuldade durante a gestação deve passar a noite por baixo da mágica ponte. Na manhã seguinte, a primeira pessoa que por ela passar deverá ser o padrinho ou madrinha da criança.
Esta deverá receber em troca o nome Gervásio ou Senhorinha. A prova da credibilidade das pessoas na lenda é a quantidade de habitantes que receberam este nome.
Acredite ou não nas lendas, o local merece uma visita e o passeio por um dos vários trilhos que por lá irá encontrar. Existem vários percursos com diferentes pontos de partida, conforme a dificuldade e duração dos mesmos.
https://viagens.sapo.pt/viajar/viajar-p ... a-do-minho
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
Nasceu na Calheta, caçou baleias, casou-se com índias e terá estátua em Lisboa
Kwatleematt, ou Lucy, foi a segunda mulher de Joe Silvey
José Silva inspirou livros e um documentário. Esta quarta-feira às 12.00 é inaugurada em Belém uma estátua da autoria do seu trineto
José Silva terá deixado a ilha do Pico em 1846, ainda a entrar na adolescência, embarcando num barco baleeiro americano. Mas a corrida ao ouro que na altura atraia muitos aventureiros à Califórnia acabou por fazer que nunca mais voltasse aos Açores ou a essa Calheta de Nesquim onde nasceu. A busca do metal amarelo acabaria por levá-lo bem mais para norte, com os registos a darem conta da chegada de um Joe Silvey (um inglesamento de José Silva) e de quatro outros portugueses à Colúmbia Britânica cerca de 1860.
Depois de alguns confrontos com tribos índias, Joe e os colegas acabam recebidos de forma amigável pelo grande chefe Kiapilano. Será este a abençoar o casamento do português com a sua neta Khaltinaht - uma "rapariga bonita com olhos escuros e cabelo até à cintura", como o próprio Joe a descreveria anos mais tarde. A filha, Elizabeth, foi a primeira criança de sangue europeu nascida em Vancouver. E Joe acabou por se tornar, em 1867, o primeiro europeu a receber a nacionalidade canadiana. Instalado em Gastown, o português abriu um saloon chamado The Hole in the Wall (O Buraco na Parede), onde tinha como principais clientes os trabalhadores das primeiras fábricas da cidades que ainda estava a nascer.
Após o nascimento do segundo filho, Khaltinat morre de gripe. Devastado, Joe vendeu o saloon e instalou-se em Stanley Park, onde hoje se pode ver a estátua em sua homenagem esculpida pelo trineto Luke Marston. Este inaugura hoje, às 12.00 no Terreiro das Missas, em Belém, uma estátua semelhante, oferecida a Lisboa no âmbito dos 150 anos do Canadá.
Terá sido numa das suas muitas viagens que Joe conheceu Kwatleematt, a trisavó de Luke, uma índia salish também conhecida como Lucy. Casaram-se e tiveram dez filhos até à morte do português, em 1902. Nos últimos anos de vida, o açoriano mudou-se de novo, desta vez para Reid Island, onde comprou um vasto terreno. A pesca continuou a ser o seu sustento, tornando-se bastante bem-sucedido e não hesitando em partilhar o peixe com os mais pobres e tendo ajudado a construir uma escola para os seus filhos e para os do resto da comunidade.
Ascendência portuguesa
Quando era miúdo, Luke Marston costumava ouvir as histórias de José Silva. "Apesar de ser índio, sempre soube que tinha ascendência portuguesa", contou o escultor ao DN em fevereiro de 2017, diante de uma maquete da sua obra Shore to Shore, que em 2015 inaugurou no Stanley Park de Vancouver em homenagem a esta dupla herança.
O trineto índio do Portuguese Joe que foi do Pico para o Canadá
"A minha mãe e a minha tia, a irmã mais velha dela, sempre me contaram histórias do trisavô pioneiro, vindo do Pico, essa grande ilha dos Açores", recordou Luke numa das salas da Embaixada do Canadá em Lisboa, em plena Avenida da Liberdade. Eram histórias de Portugal, algumas que o tempo tornara fantasiosa. "Houve uma altura em que alguém chegou a dizer que o Joe vinha de um castelo e eu pensei. "O quê?""recordou, a rir.
Confrontado com a história daquele que para ele é apenas Joe - "great-great-grandfather [trisavô em inglês] não dá jeito nenhum numa conversa" -, Luke decidiu que queria homenagear o antepassado português. Mas também a trisavó Kwatleematt. O resultado foi a escultura Shore to Shore, inspirada na pesca. Com cinco metros de altura, esta tem no seu centro uma reprodução de um isco usado para pescar bacalhau. Foi esse isco que Luke decidiu "adaptar e usar quase como um totem para registar a história da minha família", contou.
Colocada sobre uma base em calçada portuguesa, a estátua de madeira coberta de bronze inclui ainda as figuras de Joe Silvey e das duas mulheres, Khaltinaht e Kwatleemat.
Hoje, estima-se que haja entre 500 e mil (as fontes divergem) descendentes vivos do Portuguese Joe. A vida deste pioneiro da ilha do Pico inspirou à historiadora Jean Barman o livro The Remarkable Adventures of Portuguese Joe Silvey (As Notáveis Aventuras do Português Joe Silvey) mas também pode ser vista no documentário televisivo Portuguese Joe - o Pioneiro Esquecido, que em 2015 foi exibido no Museu do Pico.
https://www.dn.pt/mundo/interior/nasceu ... 1528796774
Kwatleematt, ou Lucy, foi a segunda mulher de Joe Silvey
José Silva inspirou livros e um documentário. Esta quarta-feira às 12.00 é inaugurada em Belém uma estátua da autoria do seu trineto
José Silva terá deixado a ilha do Pico em 1846, ainda a entrar na adolescência, embarcando num barco baleeiro americano. Mas a corrida ao ouro que na altura atraia muitos aventureiros à Califórnia acabou por fazer que nunca mais voltasse aos Açores ou a essa Calheta de Nesquim onde nasceu. A busca do metal amarelo acabaria por levá-lo bem mais para norte, com os registos a darem conta da chegada de um Joe Silvey (um inglesamento de José Silva) e de quatro outros portugueses à Colúmbia Britânica cerca de 1860.
Depois de alguns confrontos com tribos índias, Joe e os colegas acabam recebidos de forma amigável pelo grande chefe Kiapilano. Será este a abençoar o casamento do português com a sua neta Khaltinaht - uma "rapariga bonita com olhos escuros e cabelo até à cintura", como o próprio Joe a descreveria anos mais tarde. A filha, Elizabeth, foi a primeira criança de sangue europeu nascida em Vancouver. E Joe acabou por se tornar, em 1867, o primeiro europeu a receber a nacionalidade canadiana. Instalado em Gastown, o português abriu um saloon chamado The Hole in the Wall (O Buraco na Parede), onde tinha como principais clientes os trabalhadores das primeiras fábricas da cidades que ainda estava a nascer.
Após o nascimento do segundo filho, Khaltinat morre de gripe. Devastado, Joe vendeu o saloon e instalou-se em Stanley Park, onde hoje se pode ver a estátua em sua homenagem esculpida pelo trineto Luke Marston. Este inaugura hoje, às 12.00 no Terreiro das Missas, em Belém, uma estátua semelhante, oferecida a Lisboa no âmbito dos 150 anos do Canadá.
Foi em Stanley Park que Joe se dedicou à pesca, tendo sido o primeiro a conseguir uma licença oficial para pescar com a técnica da rede de cerco.Esta quarta-feira às 12.00 é inaugurada em Belém, uma estátua da autoria de Luke Marston, trineto de Joe, oferecida a Lisboa no âmbito dos 150 anos do Canadá
Terá sido numa das suas muitas viagens que Joe conheceu Kwatleematt, a trisavó de Luke, uma índia salish também conhecida como Lucy. Casaram-se e tiveram dez filhos até à morte do português, em 1902. Nos últimos anos de vida, o açoriano mudou-se de novo, desta vez para Reid Island, onde comprou um vasto terreno. A pesca continuou a ser o seu sustento, tornando-se bastante bem-sucedido e não hesitando em partilhar o peixe com os mais pobres e tendo ajudado a construir uma escola para os seus filhos e para os do resto da comunidade.
Ascendência portuguesa
Quando era miúdo, Luke Marston costumava ouvir as histórias de José Silva. "Apesar de ser índio, sempre soube que tinha ascendência portuguesa", contou o escultor ao DN em fevereiro de 2017, diante de uma maquete da sua obra Shore to Shore, que em 2015 inaugurou no Stanley Park de Vancouver em homenagem a esta dupla herança.
O trineto índio do Portuguese Joe que foi do Pico para o Canadá
"A minha mãe e a minha tia, a irmã mais velha dela, sempre me contaram histórias do trisavô pioneiro, vindo do Pico, essa grande ilha dos Açores", recordou Luke numa das salas da Embaixada do Canadá em Lisboa, em plena Avenida da Liberdade. Eram histórias de Portugal, algumas que o tempo tornara fantasiosa. "Houve uma altura em que alguém chegou a dizer que o Joe vinha de um castelo e eu pensei. "O quê?""recordou, a rir.
Confrontado com a história daquele que para ele é apenas Joe - "great-great-grandfather [trisavô em inglês] não dá jeito nenhum numa conversa" -, Luke decidiu que queria homenagear o antepassado português. Mas também a trisavó Kwatleematt. O resultado foi a escultura Shore to Shore, inspirada na pesca. Com cinco metros de altura, esta tem no seu centro uma reprodução de um isco usado para pescar bacalhau. Foi esse isco que Luke decidiu "adaptar e usar quase como um totem para registar a história da minha família", contou.
Colocada sobre uma base em calçada portuguesa, a estátua de madeira coberta de bronze inclui ainda as figuras de Joe Silvey e das duas mulheres, Khaltinaht e Kwatleemat.
Hoje, estima-se que haja entre 500 e mil (as fontes divergem) descendentes vivos do Portuguese Joe. A vida deste pioneiro da ilha do Pico inspirou à historiadora Jean Barman o livro The Remarkable Adventures of Portuguese Joe Silvey (As Notáveis Aventuras do Português Joe Silvey) mas também pode ser vista no documentário televisivo Portuguese Joe - o Pioneiro Esquecido, que em 2015 foi exibido no Museu do Pico.
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
Portugal e a escravatura: dois mal-entendidos
João Pedro Marques
Se o fito de Fernanda Câncio for esclarecer a opinião pública, então deve parar um pouco para se informar melhor. Mas se a sua intenção for flagelar Portugal, então não precisa de se informar.
A jornalista Fernanda Câncio, que, em Abril de 2017, na sequência da ida de Marcelo Rebelo de Sousa à ilha de Gorée, no Senegal, foi uma das iniciadoras do debate em torno da questão da antiga escravatura, esteve longos meses alheada desse tema, mas regressou agora a ele num artigo publicado no DN, no qual fez duas afirmações enganadoras. Disse, nomeadamente,“que Portugal sozinho (…) foi responsável por quase metade dos 12,5 milhões de negros escravizados e traficados de África para as Américas entre 1501 e 1875”; e acrescentou que “o grosso desse recorde mundial decorreu entre 1826 e 1850, ou seja, já após a mítica abolição da escravatura por Pombal (1761)”.
Comecemos pelo fim. Há, da parte de Fernanda Câncio, um mal-entendido quanto ao alvará abolicionista de Pombal. O dito alvará nada tinha a ver com tráfico transatlântico, aplicava-se apenas a Portugal metropolitano. Mas não é mítico. Existiu e produziu efeito. Deixaram de se importar escravos para o território metropolitano e um alvará posterior (1773) extinguiu gradualmente o estado de escravidão em Portugal continental. Foram os primeiros passos no sentido da abolição que, no âmbito do império português, só décadas depois seriam continuados. Mas esses passos deram-se e não foram revertidos. Fernanda Câncio parece ignorar que as leis abolicionistas foram muitas vezes graduais e sucessivas, abolindo parcela a parcela. A própria Inglaterra, a incontestável campeã do abolicionismo, aboliu o seu tráfico de escravos em anos sucessivos e não de uma só vez. Fernanda Câncio parece ignorar, também, que na terminologia do século XVIII, a palavra escravatura significava geralmente tráfico de escravos (e não escravidão, como significa para nós). Daí, talvez, alguma da sua confusão.
Mas a mais importante e mais enganadora confusão de Fernanda Câncio é a que a leva a afirmar que Portugal terá sido o recordista de negros escravizados e traficados de África para as Américas, sendo que o grosso desse horrível recorde teria acontecido entre 1826 e 1850. A jornalista esqueceu-se que nesse período Portugal já não tinha colónias nas Américas. Como é do conhecimento geral, o Brasil tornara-se independente em 1825. O que quer dizer que o grosso do tráfico de escravos foi feito por e para um novo país chamado Brasil. Ou seja, não foi Portugal sozinho que escravizou e traficou 5,8 milhões de pessoas africanas. Muito menos foi Portugal sozinho que escravizou e traficou os 2,5 milhões de africanos que, no século XIX, atravessaram o Atlântico em direcção ao Rio, a Pernambuco, à Bahia. Foram Portugal, o Brasil e muitas entidades políticas africanas, que já tinham escravizado aquelas pobres pessoas antes de as venderem para a costa e, daí, para a coberta dos navios negreiros.
Dir-se-á que boa parte do tráfico de escravos realizado entre 1826 e 1850 foi levado a cabo por negreiros portugueses residentes em cidades brasileiras, homens como José Bernardino de Sá, Tomás da Costa Ramos, Manuel Pinto da Fonseca e vários outros; e que, num determinado período, entre os anos 1830-1840, esse tráfico foi em larga medida feito sob a protecção da bandeira portuguesa, que se obtinha no consulado português no Rio de Janeiro, por meios ilícitos e fraudulentos. Sim, é verdade que assim foi. Mas é igualmente verdade que o tráfico era feito com capital e gente de várias origens, com têxteis ingleses, em navios segurados em companhias de seguros europeias, etc. O tráfico nessa época envolvia pessoas e meios de muitas proveniências.
Para que se fique com uma ideia da complexidade e modernidade da actividade negreira no período em causa, valerá talvez a pena transcrever uma pequena passagem do livro de David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade: “No início de 1859, vários marítimos espanhóis e portugueses viajaram de comboio, de Londres a Hartlepool, um porto na costa nordeste inglesa, para aí receberem e tripularem o Wilhemina, um recém-construído navio a vapor. Navegaram nele até Cádiz e daí até à costa ocidental africana, onde adquiriram um carregamento de escravos que, depois, desembarcaram em Cuba. Nos quatro anos seguintes, este e outros vapores de construção inglesa fizeram várias viagens negreiras.Muitos desses navios eram propriedade de uma sociedade por acções com sede em Cuba e accionistas de várias nacionalidades. Tinha uma rede de agentes que ia de Nova Iorque a Quelimane. Os escravos levados para Cuba eram vendidos a produtores de açúcar que já utilizavam a mais sofisticada maquinaria de construção britânica, e o açúcar que produziam era vendido para os países mais desenvolvidos”.
Ou seja, no século XIX o tráfico transatlântico de escravos foi uma actividade multinacional, ligada a uma economia global e que se servia de tudo o que havia de mais moderno no mundo de então. Daí a enorme dificuldade em pôr-lhe fim, o que ainda assim se conseguiu, após décadas de esforços continuados de políticos, diplomatas e marinheiros europeus e americanos. Portugal teve uma pequena quota parte desse esforço. Mas foi um processo lento e complexo, e por isso o tráfico prosseguiu até à década de 1850, para o Brasil, e até à de 1860, para Cuba, apesar de já ser, em ambos os casos, ilegal.
Há dezenas de bons livros de História, escritos por historiadores competentes, onde qualquer pessoa pode aprofundar o seu conhecimento sobre esta matéria. Estranho, por isso, que Fernanda Câncio continue a reproduzir o mesmo mal-informado discurso, sem alterações assinaláveis de Abril de 2017 até agora. Fala em mitos e exige que se conte a verdadeira história, mas não parece estar a par da verdade histórica e não se dá conta de que ela própria perpetua mitos que invertem os mitos que diz combater. É interessante ver que no quadro quantitativo do tráfico transatlântico de escravos em que Fernanda Câncio se apoiou está bem explícito que se trata de números de Portugal e do Brasil, como pode verificar-se neste link. Mas, no seu artigo no DN, Câncio cortou a referência ao Brasil e Portugal ficou “sozinho” — como ela própria diz — no pelourinho da opinião pública. Estou convencido de que o corte da referência ao Brasil não foi intencional ou malicioso, com o propósito de manipular o leitor. Julgo, isso sim, que Fernanda Câncio o terá feito devido a uma mistura de desconhecimento dos factos e de preconceito ideológico.
E é sobretudo isso que estes quinze meses de debate sobre a antiga escravatura nos têm mostrado à exaustão: gente cheia de ideias apressadas, que mal conhece os factos de que fala e que tem toneladas de preconceitos ideológicos. O diálogo com essas pessoas é difícil e improdutivo, porque de um lado está o saber histórico e do outro a ideologia política e os preceitos morais.
Se o fito de Fernanda Câncio for esclarecer a opinião pública, então deve parar um pouco para se informar melhor. Mas se a sua intenção for flagelar Portugal, torná-lo responsável por muito do que de mau existiu na história, fazê-lo campeão das iniquidades, se o seu propósito for culpabilizar os actuais portugueses, fazendo-os crer que os seus antepassados eram invulgarmente nocivos e cruéis, então não precisa de se informar, é só continuar na mesma senda.
https://observador.pt/opiniao/portugal- ... ntendidos/
João Pedro Marques
Se o fito de Fernanda Câncio for esclarecer a opinião pública, então deve parar um pouco para se informar melhor. Mas se a sua intenção for flagelar Portugal, então não precisa de se informar.
A jornalista Fernanda Câncio, que, em Abril de 2017, na sequência da ida de Marcelo Rebelo de Sousa à ilha de Gorée, no Senegal, foi uma das iniciadoras do debate em torno da questão da antiga escravatura, esteve longos meses alheada desse tema, mas regressou agora a ele num artigo publicado no DN, no qual fez duas afirmações enganadoras. Disse, nomeadamente,“que Portugal sozinho (…) foi responsável por quase metade dos 12,5 milhões de negros escravizados e traficados de África para as Américas entre 1501 e 1875”; e acrescentou que “o grosso desse recorde mundial decorreu entre 1826 e 1850, ou seja, já após a mítica abolição da escravatura por Pombal (1761)”.
Comecemos pelo fim. Há, da parte de Fernanda Câncio, um mal-entendido quanto ao alvará abolicionista de Pombal. O dito alvará nada tinha a ver com tráfico transatlântico, aplicava-se apenas a Portugal metropolitano. Mas não é mítico. Existiu e produziu efeito. Deixaram de se importar escravos para o território metropolitano e um alvará posterior (1773) extinguiu gradualmente o estado de escravidão em Portugal continental. Foram os primeiros passos no sentido da abolição que, no âmbito do império português, só décadas depois seriam continuados. Mas esses passos deram-se e não foram revertidos. Fernanda Câncio parece ignorar que as leis abolicionistas foram muitas vezes graduais e sucessivas, abolindo parcela a parcela. A própria Inglaterra, a incontestável campeã do abolicionismo, aboliu o seu tráfico de escravos em anos sucessivos e não de uma só vez. Fernanda Câncio parece ignorar, também, que na terminologia do século XVIII, a palavra escravatura significava geralmente tráfico de escravos (e não escravidão, como significa para nós). Daí, talvez, alguma da sua confusão.
Mas a mais importante e mais enganadora confusão de Fernanda Câncio é a que a leva a afirmar que Portugal terá sido o recordista de negros escravizados e traficados de África para as Américas, sendo que o grosso desse horrível recorde teria acontecido entre 1826 e 1850. A jornalista esqueceu-se que nesse período Portugal já não tinha colónias nas Américas. Como é do conhecimento geral, o Brasil tornara-se independente em 1825. O que quer dizer que o grosso do tráfico de escravos foi feito por e para um novo país chamado Brasil. Ou seja, não foi Portugal sozinho que escravizou e traficou 5,8 milhões de pessoas africanas. Muito menos foi Portugal sozinho que escravizou e traficou os 2,5 milhões de africanos que, no século XIX, atravessaram o Atlântico em direcção ao Rio, a Pernambuco, à Bahia. Foram Portugal, o Brasil e muitas entidades políticas africanas, que já tinham escravizado aquelas pobres pessoas antes de as venderem para a costa e, daí, para a coberta dos navios negreiros.
Dir-se-á que boa parte do tráfico de escravos realizado entre 1826 e 1850 foi levado a cabo por negreiros portugueses residentes em cidades brasileiras, homens como José Bernardino de Sá, Tomás da Costa Ramos, Manuel Pinto da Fonseca e vários outros; e que, num determinado período, entre os anos 1830-1840, esse tráfico foi em larga medida feito sob a protecção da bandeira portuguesa, que se obtinha no consulado português no Rio de Janeiro, por meios ilícitos e fraudulentos. Sim, é verdade que assim foi. Mas é igualmente verdade que o tráfico era feito com capital e gente de várias origens, com têxteis ingleses, em navios segurados em companhias de seguros europeias, etc. O tráfico nessa época envolvia pessoas e meios de muitas proveniências.
Para que se fique com uma ideia da complexidade e modernidade da actividade negreira no período em causa, valerá talvez a pena transcrever uma pequena passagem do livro de David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade: “No início de 1859, vários marítimos espanhóis e portugueses viajaram de comboio, de Londres a Hartlepool, um porto na costa nordeste inglesa, para aí receberem e tripularem o Wilhemina, um recém-construído navio a vapor. Navegaram nele até Cádiz e daí até à costa ocidental africana, onde adquiriram um carregamento de escravos que, depois, desembarcaram em Cuba. Nos quatro anos seguintes, este e outros vapores de construção inglesa fizeram várias viagens negreiras.Muitos desses navios eram propriedade de uma sociedade por acções com sede em Cuba e accionistas de várias nacionalidades. Tinha uma rede de agentes que ia de Nova Iorque a Quelimane. Os escravos levados para Cuba eram vendidos a produtores de açúcar que já utilizavam a mais sofisticada maquinaria de construção britânica, e o açúcar que produziam era vendido para os países mais desenvolvidos”.
Ou seja, no século XIX o tráfico transatlântico de escravos foi uma actividade multinacional, ligada a uma economia global e que se servia de tudo o que havia de mais moderno no mundo de então. Daí a enorme dificuldade em pôr-lhe fim, o que ainda assim se conseguiu, após décadas de esforços continuados de políticos, diplomatas e marinheiros europeus e americanos. Portugal teve uma pequena quota parte desse esforço. Mas foi um processo lento e complexo, e por isso o tráfico prosseguiu até à década de 1850, para o Brasil, e até à de 1860, para Cuba, apesar de já ser, em ambos os casos, ilegal.
Há dezenas de bons livros de História, escritos por historiadores competentes, onde qualquer pessoa pode aprofundar o seu conhecimento sobre esta matéria. Estranho, por isso, que Fernanda Câncio continue a reproduzir o mesmo mal-informado discurso, sem alterações assinaláveis de Abril de 2017 até agora. Fala em mitos e exige que se conte a verdadeira história, mas não parece estar a par da verdade histórica e não se dá conta de que ela própria perpetua mitos que invertem os mitos que diz combater. É interessante ver que no quadro quantitativo do tráfico transatlântico de escravos em que Fernanda Câncio se apoiou está bem explícito que se trata de números de Portugal e do Brasil, como pode verificar-se neste link. Mas, no seu artigo no DN, Câncio cortou a referência ao Brasil e Portugal ficou “sozinho” — como ela própria diz — no pelourinho da opinião pública. Estou convencido de que o corte da referência ao Brasil não foi intencional ou malicioso, com o propósito de manipular o leitor. Julgo, isso sim, que Fernanda Câncio o terá feito devido a uma mistura de desconhecimento dos factos e de preconceito ideológico.
E é sobretudo isso que estes quinze meses de debate sobre a antiga escravatura nos têm mostrado à exaustão: gente cheia de ideias apressadas, que mal conhece os factos de que fala e que tem toneladas de preconceitos ideológicos. O diálogo com essas pessoas é difícil e improdutivo, porque de um lado está o saber histórico e do outro a ideologia política e os preceitos morais.
Se o fito de Fernanda Câncio for esclarecer a opinião pública, então deve parar um pouco para se informar melhor. Mas se a sua intenção for flagelar Portugal, torná-lo responsável por muito do que de mau existiu na história, fazê-lo campeão das iniquidades, se o seu propósito for culpabilizar os actuais portugueses, fazendo-os crer que os seus antepassados eram invulgarmente nocivos e cruéis, então não precisa de se informar, é só continuar na mesma senda.
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
Descobertos em Monção "dezenas" de artefactos com milhares de anos
Os arqueólogos portugueses e espanhóis descobriram algumas dezenas de artefactos, sobretudo bifaces, mas também machados de mão com entre 200 a 300 mil anos", explicou Odete Barra à agência Lusa.
A descoberta resultou de um projeto de investigação transfronteiriço intitulado "Miño-Minho: Os Primeiros Habitantes do Baixo Minho", que decorreu, em simultâneo, na freguesia de Bela, concelho de Monção, distrito de Viana do Castelo, e, em Espanha, na província de Burgos.
"Do lado de Portugal os trabalhos decorreram na freguesia de Bela e, do lado espanhol, nas localidades de Porriño e As Neves".
Segundo Odete Barra, "os utensílios, bastante rudimentares, mas em bom estado de conservação, são importantes para estudar a ocupação do território, naquela região".
"Os artefactos foram encontrados em estratos arqueológicos que os foram preservando, em bom estado, até aos dias de hoje, e que permitem verificar a utilização dos mesmos", especificou.
Entre 25 de junho e 03 de julho realizaram-se mais trabalhos arqueológicos, "tendo-se identificado um número significativo de artefactos de pedra lascada, como bifaces e machados de mão".
"A descoberta ocorreu num talude que ladeia um antigo caminho rural e na base de um muro que delimita um terreno agrícola. Com o objetivo de avaliar a sua importância, procedeu-se à limpeza e verticalização do referido talude, o que permitiu recolher, uma vez mais, uma amostragem expressiva de materiais de pedra lascada", sustentou.
Aquela investigação foi a terceira realizada desde 2016, sendo que "os próximos trabalhos, a desenvolver em abril e maio de 2019, terão como principal objetivo a realização de uma escavação no referido terreno agrícola, onde foram recolhidos artefactos importantes, avaliando, com maior profundidade, a relevância deste sítio arqueológico".
Odete Barra adiantou que, em 2016 e 2017, os trabalhos incidiram na União de Freguesias de Messegães, Valadares e Sá e, este ano, centraram-se na freguesia de Bela.
O projeto, participado por investigadores portugueses e espanhóis, das universidades de Lisboa, Porto e Minho e do Centro Nacional de Investigación sobre la Evolución Humana, em Burgos, contou com o apoio da Câmara de Monção, da Junta de Freguesia de Bela, e do proprietário do terreno, onde decorreu a sondagem arqueológica.
https://www.dn.pt/vida-e-futuro/interio ... 31192.html
Os arqueólogos portugueses e espanhóis descobriram algumas dezenas de artefactos, sobretudo bifaces, mas também machados de mão com entre 200 a 300 mil anos", explicou Odete Barra à agência Lusa.
A descoberta resultou de um projeto de investigação transfronteiriço intitulado "Miño-Minho: Os Primeiros Habitantes do Baixo Minho", que decorreu, em simultâneo, na freguesia de Bela, concelho de Monção, distrito de Viana do Castelo, e, em Espanha, na província de Burgos.
"Do lado de Portugal os trabalhos decorreram na freguesia de Bela e, do lado espanhol, nas localidades de Porriño e As Neves".
Segundo Odete Barra, "os utensílios, bastante rudimentares, mas em bom estado de conservação, são importantes para estudar a ocupação do território, naquela região".
"Os artefactos foram encontrados em estratos arqueológicos que os foram preservando, em bom estado, até aos dias de hoje, e que permitem verificar a utilização dos mesmos", especificou.
Entre 25 de junho e 03 de julho realizaram-se mais trabalhos arqueológicos, "tendo-se identificado um número significativo de artefactos de pedra lascada, como bifaces e machados de mão".
"A descoberta ocorreu num talude que ladeia um antigo caminho rural e na base de um muro que delimita um terreno agrícola. Com o objetivo de avaliar a sua importância, procedeu-se à limpeza e verticalização do referido talude, o que permitiu recolher, uma vez mais, uma amostragem expressiva de materiais de pedra lascada", sustentou.
Aquela investigação foi a terceira realizada desde 2016, sendo que "os próximos trabalhos, a desenvolver em abril e maio de 2019, terão como principal objetivo a realização de uma escavação no referido terreno agrícola, onde foram recolhidos artefactos importantes, avaliando, com maior profundidade, a relevância deste sítio arqueológico".
Odete Barra adiantou que, em 2016 e 2017, os trabalhos incidiram na União de Freguesias de Messegães, Valadares e Sá e, este ano, centraram-se na freguesia de Bela.
O projeto, participado por investigadores portugueses e espanhóis, das universidades de Lisboa, Porto e Minho e do Centro Nacional de Investigación sobre la Evolución Humana, em Burgos, contou com o apoio da Câmara de Monção, da Junta de Freguesia de Bela, e do proprietário do terreno, onde decorreu a sondagem arqueológica.
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
Al Jazeera corta papel dos muçulmanos na escravatura e culpa portugueses
Canal do Qatar elimina primeiro episódio de série documental, coproduzida pela RTP e LX Filmes, onde se falava do papel dos muçulmanos no tráfico de escravos. E diz que foram os portugueses a "estabelecer" este comércio
Imagem retirada do cartaz do documentário: Rotas da Escravatura
ara expandirem a sua riqueza, os portugueses estabeleceram o comércio de escravos, em que África era o centro". É desta forma que o canal de notícias Al Jazeera, do Qatar, anuncia na sua página de Internet o "primeiro episódio" das Rotas da Escravatura, uma série europeia, apoiada por fundos comunitários, de cuja lista de produtores, encabeçada pelo canal francês Arte, fazem parte a RTP e a LX Filmes.
O problema, como confirmou Luís Correia, diretor da LX Filmes, depois de ter sido confrontado pelo DN com esta versão, é que o alinhamento apresentado pelo canal "está alterado, não corresponde ao original". Desde logo por apresentar como primeiro episódio aquele que, na realidade, "é o episódio dois", de uma série de quatro, em que se "conta toda a história da escravatura, desde a antiguidade, passando pelos séculos XIV e XV, em que Portugal esteve mais envolvido", até à abolição. "O que fizeram foi não exibir o episódio um e exibir o episódio dois como se fosse o primeiro", disse.
De facto, confirmou também Luís Correia, a Al Jazeera não só suprimiu o primeiro episódio como alterou "o lettering do segundo, que também não é o original", para que o episódio exibido passasse a ser identificado como o primeiro.
E sobre o que versava o episódio desaparecido na versão exibida pela televisão do Qatar? De acordo com a apresentação original do documentário, enviada ao DN pelo diretor da LX Filmes, o referido capítulo inaugural, intitulado: "641-1375 - Para Além do Deserto", examina "o processo que levou o Império Muçulmano a tecer de forma duradoura uma imensa rede de tráfico de escravos pela África, Médio Oriente e Ásia".
O DN tentou, sem sucesso, contactar a assessoria de imprensa da RTP.
Infante D. Henrique, o "salteador"
No episódio transmitido no passado dia 16 pela Al Jazeera - canal seguido por largos milhões de espetadores em todo o mundo, sobretudo nos países islâmicos -, a escravatura em África é assim apresentada como uma prática fundada pelos portugueses: "O pequeno Reino foi o primeiro a assaltar a costa de África", é assegurado na narração, acompanhada de imagens de Lisboa, da Costa de Lagos e Sagres e de São Tomé - todas captadas pelas produtoras nacionais que produziram o documentário.
Entre os historiadores ouvidos neste capítulo consta António de Almeida Mendes, da Universidade de Nantes, que descreve Henrique, O Navegador, como tendo sido inicialmente "o líder de um bando de salteadores, de piratas que fazem cativos".
O DN perguntou a Almeida Mendes, através do seu endereço de e-mail na universidade francesa, se se revê nas conclusões gerais sobre o papel de Portugal apresentadas pelo documentário, em particular considerando o enquadramento feito pela Al Jazeera. Até ao momento, não obteve resposta.
Sobre o episódio relativo a Portugal e ao tráfico transatlântico, envolvendo o envio para as Américas, ao longo dos séculos, de mais de 10 milhões de escravos africanos, além dos cerca de 1,5 milhões que se estima terem morrido na travessia do Atlântico, o historiador não minimiza o "papel fundador" que os portugueses efetivamente neste tiveram. Mas defende que esse não pode ser dissociado do contexto geopolítico da época, sobretudo a partir da assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494: "É a divisão do mundo entre os países ibéricos, com o beneplácito da Santa Sé, que faz com que Portugal tenha durante 200 anos, até ao século XVII, o usufruto exclusivo do negócio africano, no qual se inclui o tráfico de escravos".
João Pedro Marques tem também dificuldades em aceitar a descrição do papel do Infante D. Henrique feita por Almeida Mendes. "É uma transposição das nossas categorias de avaliação para o século XV, o que não é correto", diz. "Ele é historiador e há termos próprios do século XV para dizer o que as pessoas faziam. Os escudeiros do Infante D. Henrique iam em busca de honra, de façanhas, de cativos, de pessoas que pudessem encontrar. Piratas e salteadores não eram".
A pirataria, recorda, "tinha uma classificação própria". Os homens do Infante D. Henrique, defende, "tinham carta de corso [corsários], o que lhes dava autorização para atacar e capturar. Mas não eram só as pessoas do Infante D. Henrique", acrescenta. "Por toda a Europa e no mundo muçulmano havia coisas equivalentes. Havia uma tradição de corso que os muçulmanos continuaram a praticar até ao século XVIII, XIX. Assaltaram, por exemplo, as costas do Algarve e de outras partes da Europa para capturar escravos até muito tarde".
No entanto, acrescenta ainda, entre os portugueses, "o número de viagens de captura e a prática de desembarque foi limitadíssima. Usou-se nos primeiros contactos mas foi abandonado medida que se foi avançando para o Sul. O desembarque tinha enormes riscos, até do ponto de vista sanitário, devido às doenças", explica, acrescentando que os portugueses encontraram uma alternativa para o tráfico de escravos entre residentes dispostos a fazer negócio. "Acredita-se que os primeiros negros foram provavelmente comprados a uma caravana árabe que seguia para Norte, para o mediterrânico, para a zona de Marrocos".
Tráfico transatlântico começou há 500 anos
De acordo com os relatos históricos, os primeiros cativos africanos chegaram a Portugal em 1441, trazidos ao Infante D. Henrique por Antão Gonçalves e Nuno Tristão. A primeira venda decorreu em Lagos, em 1444, envolvendo 235 homens, mulheres e crianças. A chegada é descrita por Gomes Eanes de Zurara na Crónica da descoberta e conquista da Guiné. O relato, que não esconde o sofrimento evidenciado pelos escravos, é reproduzido no episódio dois da série Rotas da Escravatura.
Mais tarde, Portugal, Espanha e outros países começaram a enviar escravos da metrópole para vários destinos, como as Caraíbas.Já o primeiro transporte de escravos diretamente de África para as Américas - como recordou o jornal britânico The Independent foi aprovado há exatamente 500 anos, no dia 18 de Agosto de 1518, pelo rei Carlos I de Espanha. Os primeiros escravos a fazerem esse percurso terão sido obtidos através de um dos entrepostos que os portugueses, já na altura possuíam na costa africana.
https://www.dn.pt/mundo/interior/al-jaz ... 31916.html
Canal do Qatar elimina primeiro episódio de série documental, coproduzida pela RTP e LX Filmes, onde se falava do papel dos muçulmanos no tráfico de escravos. E diz que foram os portugueses a "estabelecer" este comércio
Imagem retirada do cartaz do documentário: Rotas da Escravatura
ara expandirem a sua riqueza, os portugueses estabeleceram o comércio de escravos, em que África era o centro". É desta forma que o canal de notícias Al Jazeera, do Qatar, anuncia na sua página de Internet o "primeiro episódio" das Rotas da Escravatura, uma série europeia, apoiada por fundos comunitários, de cuja lista de produtores, encabeçada pelo canal francês Arte, fazem parte a RTP e a LX Filmes.
O problema, como confirmou Luís Correia, diretor da LX Filmes, depois de ter sido confrontado pelo DN com esta versão, é que o alinhamento apresentado pelo canal "está alterado, não corresponde ao original". Desde logo por apresentar como primeiro episódio aquele que, na realidade, "é o episódio dois", de uma série de quatro, em que se "conta toda a história da escravatura, desde a antiguidade, passando pelos séculos XIV e XV, em que Portugal esteve mais envolvido", até à abolição. "O que fizeram foi não exibir o episódio um e exibir o episódio dois como se fosse o primeiro", disse.
De facto, confirmou também Luís Correia, a Al Jazeera não só suprimiu o primeiro episódio como alterou "o lettering do segundo, que também não é o original", para que o episódio exibido passasse a ser identificado como o primeiro.
E sobre o que versava o episódio desaparecido na versão exibida pela televisão do Qatar? De acordo com a apresentação original do documentário, enviada ao DN pelo diretor da LX Filmes, o referido capítulo inaugural, intitulado: "641-1375 - Para Além do Deserto", examina "o processo que levou o Império Muçulmano a tecer de forma duradoura uma imensa rede de tráfico de escravos pela África, Médio Oriente e Ásia".
"É esse alinhamento de quatro episódios, que foi já exibido em França e que a RTP tem previsto agendar em breve para emissão, que corresponde ao documentário", acrescenta ao DN Luís Correia, lamentando a opção do canal árabe: "É muito desagradável e triste. Põe problemas para quem vê isto fora de contexto. No documentário, é explícito que há uma lógica de rigor histórico, de compreender a escravatura como um todo", diz.É muito desagradável e triste. Põe problemas para quem vê isto fora do contexto"
O DN tentou, sem sucesso, contactar a assessoria de imprensa da RTP.
Infante D. Henrique, o "salteador"
No episódio transmitido no passado dia 16 pela Al Jazeera - canal seguido por largos milhões de espetadores em todo o mundo, sobretudo nos países islâmicos -, a escravatura em África é assim apresentada como uma prática fundada pelos portugueses: "O pequeno Reino foi o primeiro a assaltar a costa de África", é assegurado na narração, acompanhada de imagens de Lisboa, da Costa de Lagos e Sagres e de São Tomé - todas captadas pelas produtoras nacionais que produziram o documentário.
Entre os historiadores ouvidos neste capítulo consta António de Almeida Mendes, da Universidade de Nantes, que descreve Henrique, O Navegador, como tendo sido inicialmente "o líder de um bando de salteadores, de piratas que fazem cativos".
O DN perguntou a Almeida Mendes, através do seu endereço de e-mail na universidade francesa, se se revê nas conclusões gerais sobre o papel de Portugal apresentadas pelo documentário, em particular considerando o enquadramento feito pela Al Jazeera. Até ao momento, não obteve resposta.
Quem não tem dúvidas de que a opção da Al Jazeera "não é inocente" é João Pedro Marques, historiador e romancista especializado na história da escravatura. "É evidente que tem razões ideológicas e políticas. Querem, no fundo, arranjar um bode expiatório: dar a ideia de que os muçulmanos não tiveram intervenção nenhuma neste assunto e colocarem o odioso da questão todo do lado dos europeus", critica. "Isto é um ato de censura e um ato de censura com um objetivo ideológico", acrescenta. "É na altura da expansão muçulmana e da conquista pelos árabes [de novos territórios em África] que o tráfico cresce imenso", conta. "No somatório total deverá ter sido até maior do que o transatlântico".Um ato de censura com um objetivo ideológico
Sobre o episódio relativo a Portugal e ao tráfico transatlântico, envolvendo o envio para as Américas, ao longo dos séculos, de mais de 10 milhões de escravos africanos, além dos cerca de 1,5 milhões que se estima terem morrido na travessia do Atlântico, o historiador não minimiza o "papel fundador" que os portugueses efetivamente neste tiveram. Mas defende que esse não pode ser dissociado do contexto geopolítico da época, sobretudo a partir da assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494: "É a divisão do mundo entre os países ibéricos, com o beneplácito da Santa Sé, que faz com que Portugal tenha durante 200 anos, até ao século XVII, o usufruto exclusivo do negócio africano, no qual se inclui o tráfico de escravos".
João Pedro Marques tem também dificuldades em aceitar a descrição do papel do Infante D. Henrique feita por Almeida Mendes. "É uma transposição das nossas categorias de avaliação para o século XV, o que não é correto", diz. "Ele é historiador e há termos próprios do século XV para dizer o que as pessoas faziam. Os escudeiros do Infante D. Henrique iam em busca de honra, de façanhas, de cativos, de pessoas que pudessem encontrar. Piratas e salteadores não eram".
A pirataria, recorda, "tinha uma classificação própria". Os homens do Infante D. Henrique, defende, "tinham carta de corso [corsários], o que lhes dava autorização para atacar e capturar. Mas não eram só as pessoas do Infante D. Henrique", acrescenta. "Por toda a Europa e no mundo muçulmano havia coisas equivalentes. Havia uma tradição de corso que os muçulmanos continuaram a praticar até ao século XVIII, XIX. Assaltaram, por exemplo, as costas do Algarve e de outras partes da Europa para capturar escravos até muito tarde".
No entanto, acrescenta ainda, entre os portugueses, "o número de viagens de captura e a prática de desembarque foi limitadíssima. Usou-se nos primeiros contactos mas foi abandonado medida que se foi avançando para o Sul. O desembarque tinha enormes riscos, até do ponto de vista sanitário, devido às doenças", explica, acrescentando que os portugueses encontraram uma alternativa para o tráfico de escravos entre residentes dispostos a fazer negócio. "Acredita-se que os primeiros negros foram provavelmente comprados a uma caravana árabe que seguia para Norte, para o mediterrânico, para a zona de Marrocos".
Tráfico transatlântico começou há 500 anos
De acordo com os relatos históricos, os primeiros cativos africanos chegaram a Portugal em 1441, trazidos ao Infante D. Henrique por Antão Gonçalves e Nuno Tristão. A primeira venda decorreu em Lagos, em 1444, envolvendo 235 homens, mulheres e crianças. A chegada é descrita por Gomes Eanes de Zurara na Crónica da descoberta e conquista da Guiné. O relato, que não esconde o sofrimento evidenciado pelos escravos, é reproduzido no episódio dois da série Rotas da Escravatura.
Mais tarde, Portugal, Espanha e outros países começaram a enviar escravos da metrópole para vários destinos, como as Caraíbas.Já o primeiro transporte de escravos diretamente de África para as Américas - como recordou o jornal britânico The Independent foi aprovado há exatamente 500 anos, no dia 18 de Agosto de 1518, pelo rei Carlos I de Espanha. Os primeiros escravos a fazerem esse percurso terão sido obtidos através de um dos entrepostos que os portugueses, já na altura possuíam na costa africana.
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
Osso de uma menina revela que tinha mãe neandertal e pai denisovano
Um pequeno osso encontrado na gruta Denisova, nos montes Altai, na Sibéria, confirma a mistura de dois humanos que se separaram há 390 mil anos e indica que estas uniões poderiam ser comuns.
ANDREA CUNHA FREITAS
Com a análise de um fragmento de um osso encontrado numa gruta na Sibéria construiu-se uma história especial. De acordo com o estudo publicado esta quinta-feira na revista Nature, o osso pertenceu a uma menina que viveu há 50 mil anos e que teria cerca de 13 anos quando morreu. O mais interessante é que esta adolescente terá sido o resultado da união de uma mulher neandertal e de um homem denisovano, dois humanos já extintos que antecederam a nossa espécie (e que também se reproduziram com ela) e que coexistiram na Eurásia. As rotas de migração já sugeriam a possibilidade do encontro destas duas espécies humanas, mas o estudo agora publicado fornece uma prova clara do previsível cruzamento.
Chamam-lhe Denisova 11, um nome demasiado técnico para conferir sequer um leve toque ficcional à história que se conta no artigo publicado na revista Nature. A equipa de cientistas coordenada por especialistas do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva, em Leipzig, na Alemanha, apresenta os resultados da sequenciação do genoma do fragmento do osso encontrado na famosa gruta da Sibéria onde foi descoberto um novo grupo de humanos desconhecido até 2010, os denisovanos, que viveram até há cerca de 30 mil anos.
No artigo da Nature, os autores começam por contextualizar que as populações de neandertais e denisovanos coexistiram na Eurásia (os neandertais no Oeste e os denisovanos no Leste) até serem substituídos pela nossa espécie “há cerca de 40 mil anos”. E se os restos de neandertais já foram encontrados em vários locais, as provas físicas da existência dos denisovanos estão até agora circunscritas à gruta Denisova. O pedaço de osso chamado Denisova 11 foi encontrado em 2012 e une estes dois humanos, uma vez que agora se demonstrou que pertence a uma menina que tinha uma mãe neandertal e um pai denisovano.
“Sabíamos de estudos anteriores que neandertais e denisovanos deveriam ter tido, ocasionalmente, filhos juntos. Mas nunca pensei que seríamos tão sortudos ao ponto de encontrar um descendente dos dois grupos”, diz Viviane Slon, investigadora do Instituto Max Planck e uma das principais autoras do estudo, no comunicado de imprensa sobre o trabalho. A análise genética do osso que terá cerca de dois centímetros de comprimento revelou que a mãe da criança era geneticamente mais próxima de neandertais que viveram na Europa ocidental do que a população neandertal que viveu na gruta Denisova.
“Isto mostra que os neandertais migraram entre a Eurásia ocidental e oriental dezenas de milhares de anos antes do seu desaparecimento”, refere o comunicado. “Um aspecto interessante deste genoma é que nos leva a aprender coisas sobre duas populações – os neandertais do lado da mãe e os denisovanos do lado do pai”, explica Fabrizio Mafessoni, também do Instituto Max Planck e outro dos co-autores do estudo.
Sobre o lado paterno de Denisova 11, os cientistas adiantam que o progenitor tinha pelo menos um antepassado neandertal na sua árvore genealógica. Alguém que estaria, referem nos cálculos que apresentam no artigo, à distância de 300 e 600 gerações anteriores. “A partir deste genoma único, somos capazes de detectar múltiplas interacções entre neandertais e denisovanos ”, diz Benjamin Vernot, o terceiro co-autor do estudo. Múltiplas mas ao mesmo tempo limitadas, já que os investigadores sublinham que apesar destas provas de união os dois grupos permaneceram geneticamente distintos um do outro. “As misturas entre os arcaicos e modernos grupos de hominíneos podem ter sido frequentes quando se encontraram”, lê-se no artigo, que esclarece que as “zonas de sobreposição” podem ter sido restringidas no espaço e no tempo, uma vez que os neandertais habitaram a Eurásia Ocidental e os denisovanos ocuparam “partes desconhecidas da Eurásia oriental”. Estas restrições associadas a uma eventual reduzida aptidão dos indivíduos com ascendência mista podem, segundo os autores, explicar por que os dois grupos de humanos (neandertais e denisovanos) permaneceram geneticamente distintos apesar dos comprovados encontros.
“É impressionante termos encontrado esta criança neandertal/denisovana entre o punhado de antigos indivíduos cujos genomas já foram sequenciado ”, acrescenta Svante Pääbo, director do Departamento de Genética Evolutiva no Instituto Max Planck e principal autor do estudo. “Os neandertais e os denisovanos podem não ter tido muitas oportunidades de se encontrar. Mas quando isso aconteceu, eles devem ter acasalado frequentemente – muito mais do que pensávamos anteriormente.”
A verdade é que já foram identificados indivíduos com uma herança mista dos dois grupos de humanos mas desconhece-se ainda a extensão deste cruzamento. Aliás, antes desta descoberta, os investigadores tinham relatado a presença de vestígios de ADN neandertal no genoma de um dos mais conhecidos exemplares descobertos na gruta de Denisova, uma ponta de um dedo (um pequeno osso da falange) chamado de Denisova 3 e classificado como denisovano. “Portanto, dos seis indivíduos encontrados na gruta Denisova cujo ADN nuclear está disponível, dois (Denisova 3 e Denisova 11) mostram provas de fluxo genético entre neandertais e denisovanos”, notam os autores no artigo. “Dos três genomas recuperados de humanos modernos que viviam numa época em que os neandertais estavam presentes na Eurásia (aproximadamente há 40 mil anos), um indivíduo (Oase 1) teve um antepassado neandertal quatro a seis gerações antes na sua árvore genealógica”.
Conseguir estas duas importantes descobertas – Oase 1 e Denisova 11 – e recuperar este passado a partir dos poucos indivíduos que tiveram o seu ADN analisado ao pormenor é algo “notável”, consideram os cientistas. Ainda mais quando sabemos que este fragmento do osso agora analisado estava entre mais de dois mil pedaços de ossos não identificados e recuperados na gruta de Denisova. Era, afinal, um pedaço especial da nossa história.
acfreitas@publico.pt
https://www.publico.pt/2018/08/23/cienc ... dium=email
Um pequeno osso encontrado na gruta Denisova, nos montes Altai, na Sibéria, confirma a mistura de dois humanos que se separaram há 390 mil anos e indica que estas uniões poderiam ser comuns.
ANDREA CUNHA FREITAS
Com a análise de um fragmento de um osso encontrado numa gruta na Sibéria construiu-se uma história especial. De acordo com o estudo publicado esta quinta-feira na revista Nature, o osso pertenceu a uma menina que viveu há 50 mil anos e que teria cerca de 13 anos quando morreu. O mais interessante é que esta adolescente terá sido o resultado da união de uma mulher neandertal e de um homem denisovano, dois humanos já extintos que antecederam a nossa espécie (e que também se reproduziram com ela) e que coexistiram na Eurásia. As rotas de migração já sugeriam a possibilidade do encontro destas duas espécies humanas, mas o estudo agora publicado fornece uma prova clara do previsível cruzamento.
Chamam-lhe Denisova 11, um nome demasiado técnico para conferir sequer um leve toque ficcional à história que se conta no artigo publicado na revista Nature. A equipa de cientistas coordenada por especialistas do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva, em Leipzig, na Alemanha, apresenta os resultados da sequenciação do genoma do fragmento do osso encontrado na famosa gruta da Sibéria onde foi descoberto um novo grupo de humanos desconhecido até 2010, os denisovanos, que viveram até há cerca de 30 mil anos.
No artigo da Nature, os autores começam por contextualizar que as populações de neandertais e denisovanos coexistiram na Eurásia (os neandertais no Oeste e os denisovanos no Leste) até serem substituídos pela nossa espécie “há cerca de 40 mil anos”. E se os restos de neandertais já foram encontrados em vários locais, as provas físicas da existência dos denisovanos estão até agora circunscritas à gruta Denisova. O pedaço de osso chamado Denisova 11 foi encontrado em 2012 e une estes dois humanos, uma vez que agora se demonstrou que pertence a uma menina que tinha uma mãe neandertal e um pai denisovano.
“Sabíamos de estudos anteriores que neandertais e denisovanos deveriam ter tido, ocasionalmente, filhos juntos. Mas nunca pensei que seríamos tão sortudos ao ponto de encontrar um descendente dos dois grupos”, diz Viviane Slon, investigadora do Instituto Max Planck e uma das principais autoras do estudo, no comunicado de imprensa sobre o trabalho. A análise genética do osso que terá cerca de dois centímetros de comprimento revelou que a mãe da criança era geneticamente mais próxima de neandertais que viveram na Europa ocidental do que a população neandertal que viveu na gruta Denisova.
“Isto mostra que os neandertais migraram entre a Eurásia ocidental e oriental dezenas de milhares de anos antes do seu desaparecimento”, refere o comunicado. “Um aspecto interessante deste genoma é que nos leva a aprender coisas sobre duas populações – os neandertais do lado da mãe e os denisovanos do lado do pai”, explica Fabrizio Mafessoni, também do Instituto Max Planck e outro dos co-autores do estudo.
Sobre o lado paterno de Denisova 11, os cientistas adiantam que o progenitor tinha pelo menos um antepassado neandertal na sua árvore genealógica. Alguém que estaria, referem nos cálculos que apresentam no artigo, à distância de 300 e 600 gerações anteriores. “A partir deste genoma único, somos capazes de detectar múltiplas interacções entre neandertais e denisovanos ”, diz Benjamin Vernot, o terceiro co-autor do estudo. Múltiplas mas ao mesmo tempo limitadas, já que os investigadores sublinham que apesar destas provas de união os dois grupos permaneceram geneticamente distintos um do outro. “As misturas entre os arcaicos e modernos grupos de hominíneos podem ter sido frequentes quando se encontraram”, lê-se no artigo, que esclarece que as “zonas de sobreposição” podem ter sido restringidas no espaço e no tempo, uma vez que os neandertais habitaram a Eurásia Ocidental e os denisovanos ocuparam “partes desconhecidas da Eurásia oriental”. Estas restrições associadas a uma eventual reduzida aptidão dos indivíduos com ascendência mista podem, segundo os autores, explicar por que os dois grupos de humanos (neandertais e denisovanos) permaneceram geneticamente distintos apesar dos comprovados encontros.
“É impressionante termos encontrado esta criança neandertal/denisovana entre o punhado de antigos indivíduos cujos genomas já foram sequenciado ”, acrescenta Svante Pääbo, director do Departamento de Genética Evolutiva no Instituto Max Planck e principal autor do estudo. “Os neandertais e os denisovanos podem não ter tido muitas oportunidades de se encontrar. Mas quando isso aconteceu, eles devem ter acasalado frequentemente – muito mais do que pensávamos anteriormente.”
A verdade é que já foram identificados indivíduos com uma herança mista dos dois grupos de humanos mas desconhece-se ainda a extensão deste cruzamento. Aliás, antes desta descoberta, os investigadores tinham relatado a presença de vestígios de ADN neandertal no genoma de um dos mais conhecidos exemplares descobertos na gruta de Denisova, uma ponta de um dedo (um pequeno osso da falange) chamado de Denisova 3 e classificado como denisovano. “Portanto, dos seis indivíduos encontrados na gruta Denisova cujo ADN nuclear está disponível, dois (Denisova 3 e Denisova 11) mostram provas de fluxo genético entre neandertais e denisovanos”, notam os autores no artigo. “Dos três genomas recuperados de humanos modernos que viviam numa época em que os neandertais estavam presentes na Eurásia (aproximadamente há 40 mil anos), um indivíduo (Oase 1) teve um antepassado neandertal quatro a seis gerações antes na sua árvore genealógica”.
Conseguir estas duas importantes descobertas – Oase 1 e Denisova 11 – e recuperar este passado a partir dos poucos indivíduos que tiveram o seu ADN analisado ao pormenor é algo “notável”, consideram os cientistas. Ainda mais quando sabemos que este fragmento do osso agora analisado estava entre mais de dois mil pedaços de ossos não identificados e recuperados na gruta de Denisova. Era, afinal, um pedaço especial da nossa história.
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Re: Arqueologia/antropologia/ADN
Navio grego de 400 a.c. é achado intacto no fundo do Mar Negro.
O GLOBO - 23.10.18.
LONDRES - Um navio de comércio grego antigo, de mais de 2.400 anos, foi encontrado praticamente intacto no fundo do Mar Negro. Este é o mais antigo naufrágio conhecido pela Humanidade, anunciou nesta terça-feira uma expedição anglo-búlgara.
- Nunca pensei que seria possível encontrar intacto, e a dois quilômetros de profundidade, um barco que data da Antiguidade - declarou John Adams, diretor do Centro de Arqueologia Marítima da Universidade de Southampton e pesquisador principal do projeto Black Sea MAP (Maritime Archaeology Project), expedição que fez a descoberta. - Isso vai mudar nossa compreensão sobre a construção naval e marítima no mundo antigo.
A falta de oxigênio numa profundidade de cerca de dois quilômetros ajudou a preservar a embarcação, disseram os arqueólogos. O navio de 23 metros de comprimento manteve seu mastro, lemes e bancos de remo intactos.
O veículo foi classificado como um "tipo de barco de comércio grego" que até agora só havia sido observado nas decorações das "antigas cerâmicas gregas", indicaram os cientistas.
Uma dessas cerâmicas é o "Siren Vase", que faz parte da coleção egípcia do Museu Britânico. Esse vaso, que data aproximadamente do mesmo período (400 a.C.), retrata uma embarcação similar que leva o personagem Ulisses, de Homero, amarrado ao mastro para resistir às canções das sereias.
A expedição Black Sea MAP fez sondagens durante mais de três anos no Mar Negro, na costa da Bulgária, com um sonar e um veículo teleguiado, com várias câmeras concebidas para a exploração em águas profundas.
A equipe registrou mais de 60 naufrágios que vão da Antiguidade até o século XVII. O mais antigo, de 400 anos antes de Cristo, foi encontrado a uma profundidade em que a água carece de oxigênio e pode "conservar as matérias orgânicas durante milhares de anos", afirmou a equipe do Black Sea MAP. Os destroços do navio foram datados com carbono 14.
Segundo a equipe, os dados detalhados sobre a descoberta serão publicados na conferência do Black Sea MAP, na Wellcome Collection, em Londres, no final desta semana.
O GLOBO - 23.10.18.
LONDRES - Um navio de comércio grego antigo, de mais de 2.400 anos, foi encontrado praticamente intacto no fundo do Mar Negro. Este é o mais antigo naufrágio conhecido pela Humanidade, anunciou nesta terça-feira uma expedição anglo-búlgara.
- Nunca pensei que seria possível encontrar intacto, e a dois quilômetros de profundidade, um barco que data da Antiguidade - declarou John Adams, diretor do Centro de Arqueologia Marítima da Universidade de Southampton e pesquisador principal do projeto Black Sea MAP (Maritime Archaeology Project), expedição que fez a descoberta. - Isso vai mudar nossa compreensão sobre a construção naval e marítima no mundo antigo.
A falta de oxigênio numa profundidade de cerca de dois quilômetros ajudou a preservar a embarcação, disseram os arqueólogos. O navio de 23 metros de comprimento manteve seu mastro, lemes e bancos de remo intactos.
O veículo foi classificado como um "tipo de barco de comércio grego" que até agora só havia sido observado nas decorações das "antigas cerâmicas gregas", indicaram os cientistas.
Uma dessas cerâmicas é o "Siren Vase", que faz parte da coleção egípcia do Museu Britânico. Esse vaso, que data aproximadamente do mesmo período (400 a.C.), retrata uma embarcação similar que leva o personagem Ulisses, de Homero, amarrado ao mastro para resistir às canções das sereias.
A expedição Black Sea MAP fez sondagens durante mais de três anos no Mar Negro, na costa da Bulgária, com um sonar e um veículo teleguiado, com várias câmeras concebidas para a exploração em águas profundas.
A equipe registrou mais de 60 naufrágios que vão da Antiguidade até o século XVII. O mais antigo, de 400 anos antes de Cristo, foi encontrado a uma profundidade em que a água carece de oxigênio e pode "conservar as matérias orgânicas durante milhares de anos", afirmou a equipe do Black Sea MAP. Os destroços do navio foram datados com carbono 14.
Segundo a equipe, os dados detalhados sobre a descoberta serão publicados na conferência do Black Sea MAP, na Wellcome Collection, em Londres, no final desta semana.
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