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Mensagem
por Lord Nauta » Seg Out 23, 2017 11:55 am
INSIDER/IDEIAS: A Marinha deve encolher? E como se faz isso? Dispensando pessoal? Parando navios? Economizando nas patrulhas? Deixando passar as oportunidades?
Posted by Roberto Lopes (jornalista de fato com conhecimento profundo da estratégia naval brasileira).
Um capitão de fragata que há pouco deixou a ativa me disse quarta-feira passada à tarde (18.10), pelo telefone: “a Marinha precisa encolher, Roberto. Esses jovens tenentes e capitães tenentes, ou corvetas, vão estagiar na Marinha dos Estados Unidos quando são moços, conhecem aquela maravilha, e quando se tornam almirantes querem transformar a Marinha do Brasil numa US Navy… Não pode dar certo! E foi o que o [ex-Comandante da Marinha almirante] Moura Neto fez!…
A crítica ao estilo visionário do almirante de esquadra Julio Soares de Moura Neto, chefe da Marinha do Brasil (MB) entre 2007 e 2015 (e hoje recolhido ao seu apartamento de Copacabana, no Rio), é recorrente.
Com ele a Força Naval Brasileira engajou-se em um programa bilionário de submarinos franceses da classe Scorpène que vem sacrificando os cofres da Força, investiu na aquisição de meia dúzia de modernos helicópteros antissubmarinos MH-16, na reforma das aeronaves de ataque Lynx, e tomou as primeiras providências para obter o navio-doca de assalto anfíbio Siroco (atual NDM Bahia).
Outros sonhos de Moura Neto ficaram pelo caminho, como a aquisição de convertiplanos V-22 Osprey, de 60 milhões de dólares a unidade…
Em defesa do ex-Comandante da Marinha é preciso ressaltar: em seu período de gestão, o Brasil era outro.
A Era Lula foi convencida a equipar a Marinha com patrulheiros e submarinos para a defesa do Pré-Sal (!), e não havia, para dizer o que era bom ou ruim (o que podia ou não podia), um Henrique Meirelles – com aquela sua expressão permanentemente impenetrável (do médico que precisa dar uma notícia terrível à família do paciente…).
Providências – Mas isso é passado, e quem se prende a divagar sobre o passado às vezes perde o foco sobre o que realmente importa: prever e equacionar o futuro.
Assim, a pergunta é (ou as perguntas são):
A Marinha precisa mesmo encolher?
E como se faz isso?
Diminuindo o número de almirantes? Substituindo o vinho branco servido no almoço deles por Água Prata? Brecando o crescimento do efetivo do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN)? Parando os navios nas bases para diminuir o consumo de combustível, das peças de reposição e de suprimentos? Cancelando a Viagem de Instrução dos Guardas-Marinhas? Deixando de lado as compras de oportunidade no mercado dos navios de guerra usados?
Até que ponto, em nome de uma temporada de dinheiro escasso (contingenciado) – à qual se somam as advertências catastróficas do ministro da Fazenda e o aparente desinteresse do Ministro da Defesa (em importunar o colega “chefe do cofre”) – temos o direito de levar a Força Naval à estagnação?
No Brasil, o problema é que essas “soluções heroicas” precisam ser aplicadas não a um país de 749 km de litoral, mas a um “continente ” de 7.491 km de costas debruçadas sobre o Oceano Atlântico, que devem ser tão patrulhadas quanto as centenas de milhares de vias navegáveis interiores do país, as famosas hidrovias (que só na Amazônia se estendem por mais de 25.000 km).
Domingo passado, militares da Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (CPAOR) impediram que a embarcação Abençoado IV suspendesse do Porto Santa Efigênia, em Belém, para um passeio turístico até a praia do Caripi, no município paraense de Barcarena.
Inscrito na CPAOR e homologado para o transporte de até 326 pessoas, o barco de madeira estava com excesso de passageiros a bordo (foto), comprometendo a segurança de tripulantes e viajantes, e, pior, se preparava para uma saída clandestina, já que o comandante não apresentou aos inspetores da Marinha a devida autorização da Capitania para a realização da travessia.
No caso do Abençoado IV a MB efetivamente preservou algumas centenas de vidas, mas o episódio se refere a somente uma das 54.000 embarcações (!) que trafegam na área do 4º Distrito Naval…
Como estarão trabalhando os outras?
A Marinha certamente possui procedimentos e planos de contingência para garantir a boa ordem da navegação e, sobretudo, a segurança das plataformas em campos petrolíferos de alto mar. Mas essa rotina vem sendo cumprida? Há dinheiro para manter isso?
Ou o caminho é reduzir o porte da Autoridade Marítima Brasileira, responsável, dentre outras atribuições, pelo ordenamento das atividades da Marinha Mercante, e pela implementação e execução da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário?
O propósito, nesse campo da Administração Pública, é assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação. Vamos nos lixar para isso?
Perspectiva histórica – Também é preciso refletir se, em nome de dificuldades conjunturais que podem estar completamente equacionadas em cinco ou dez anos, devemos deixar passar uma compra de oportunidade que serviria à Marinha pelas próximas duas décadas, ou mais.
Trata-se, aí, de brincar com a perspectiva histórica, desafiar o futuro, apostar em uma opção para afrontar o desconhecido, o que ainda está por vir.
Quem vai assumir esta responsabilidade?
O ministro de cavanhaque e óculos escuros que, do alto da sua empáfia intelectual, torce o nariz para os gastos fabulosos embutidos nos programas da Marinha (e amanhã estará de volta ao seu grotão pernambucano bebendo água de coco e reduzido ao anonimato)?
A coluna INSIDER está coligindo dados de dois estudos comparativos realizados por sites estrangeiros de assuntos militares, que concluem pela excelência do projeto técnico do porta-helicópteros britânico HMSOcean (L12), recentemente oferecido ao Brasil, que nem mesmo pode ser considerado um navio de concepção luxuosa. Até porque a Marinha de Sua Majestade controla os seus pounds com um pragmatismo implacável…
Na Marinha e fora dela, fontes comprometidas com a defesa dos interesses da indústria naval francesa – e a oferta do navio-aeródromo de 50.000 toneladas que ela tenta empurrar para o Brasil ao custo (mínimo) de 5,5 bilhões de Euros –, tentam denegrir as qualidades do Ocean (visto abaixo), em nome, justamente, da falta de recursos da Marinha para mantê-lo e operá-lo.
Tudo isso em uma Força Naval que tem 7.491 km de costas para defender.
Fosse o Brasil um país com o tamanho e a expressão marítima do Uruguai, ou do Equador, e o Ocean talvez pudesse, mesmo, ser considerado um luxo.
Mas no país-continente em que vivemos, ele é, sim, uma bela chance de elevarmos a capacidade expedicionária da MB – considerada uma “Marinha inferior” por muitos especialistas em Defesa europeus –, do seu Corpo de Fuzileiros Navais (de pouca experiência em missões d’além mar) e, especialmente, da sua Força Aeronaval (de muitas máquinas modernas e poucas plataformas marítimas).
A outra opção é transformar o CFN em uma guarda portuária, que brinca (de vez em quando) de alcançar as praias a bordo de botes a motor semi-rígidos, com seus militares gritando rá-tá-tá-tá, para fingir que disparam suas armas portáteis…
Mas esse, rigorosamente, não é o Brasil da Embraer, de Itaipú, das reservas de urânio, do petróleo enterrado na plataforma continental.
Hornets – Há casos certamente mais complicados de resolver, como o da Aviação Naval de Asa Fixa (abordei este assunto recentemente, em um texto sobre o futuro da Aviação de Naval de Combate nas Marinhas do Brasil e da Argentina).
E o problema aí não é a boa ou má Administração da Força Naval, mas as opções de alta tecnologia – e altíssimo custo – que se oferecem à Força.
A estratégia de momento é manter a qualificação dos pilotos navais de combate nos A-4KU Skyhawk que restam à Força, mas isso tem prazo para acabar: entre 2025 e 2027.
A Força Aeronaval, que já está incomodada com a demora do Comando da Marinha em definir a obtenção, ou não, do porta-helicópteros Ocean, começa a emitir sinais de descontentamento também com a falta de autorização para examinar um caça naval apto a substituir (com vantagens, obviamente) o A4 do Esquadrão Falcão.
Ironicamente, fontes do setor de Material da Marinha consultadas pela coluna apontam: a solução mais barata, preservada certa capacidade militar contemporânea, poderia vir, precisamente do país que nos vendeu os Falcões: o Kuait!
A cobiça, nesse caso, seria pelos F/A-18C/D Hornets que a Quwwat Aj Jawwaiya Al Kuwaitiya (Força Aérea Kuaitiana) encomendou em 1988 nos Estados Unidos: 32 monopostos F/A-18C e 8 bipostos F/A-18D Hornets. Aviões recebidos entre outubro de 1991 e agosto de 1993, e que (importante) ninguém sabe quando estarão disponíveis para a revenda.
Em 2008 os kuaitianos ainda mantinham 39 dos seus Hornets plenamente operacionais e, em fevereiro passado, o Comandante da Aviação Militar do Kuait revelou: esses jatos, sediados na Base Aérea Rei Khalid, haviam cumprido, aproximadamente, 3.000 sortidas nos céus do conflituoso Iêmen (sob a liderança ora de americanos, ora de militares sauditas).
A questão que desafia os chefes navais brasileiros é, porém, a que pode ser traduzida da seguinte maneira:
Vale a pena investir em um jato naval usado, nesse caso um dispendioso bimotor, que só poderá decolar de pistas em terra? A FAB não poderia fazer o mesmo serviço, caso fosse habilitada para tal?
Por que um país que não tem porta-aviões, como o Brasil, deve insistir na Aviação Naval projetada para ser Embarcada?
O fragata que defendeu para a coluna o “encolhimento” da Marinha, garante: dos 23 caças A-4 arrematados no Kuait ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso, menos de 10 voaram com regularidade no Esquadrão sediado na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia.
Vamos trilhar de novo essa alternativa, de operar aviões de alta performance de segunda mão?
Ou é melhor descontinuar a Aviação Embarcada até que a Marinha possa voltar a crescer?
Obstinações – Alguns consideram que a insistência de parte da oficialidade na Aviação Embarcada de Asa Fixa mais parece uma obsessão, e que esse sentimento ficou reforçado agora, que a Esquadra já não possui mais um porta-aviões.
Mas nesse capítulo das compulsões é preciso dizer: algumas das obstinações da MB são elogiáveis, e ajudam a diferença-la de outras forças navais dessa parte do continente.
Refiro-me, claro, à fixação dos chefes navais brasileiros em manter, há quase 45 anos, o programa do seu submarino nuclear. E, mais importante, fazer isso sem recorrer a atalhos: desenvolvendo a tecnologia de enriquecimento do urânio, o reator nuclear e todo o sistema de propulsão do seu submersível movido a energia atômica – além do navio em si, claro.
Não tenho dúvidas de que esse trabalho está inscrito na História da Marinha do Brasil, e dela ainda será considerado um marco glorioso.
Em uma sexta-feira do início de novembro do ano passado tive a oportunidade de testemunhar, em São Paulo, o encontro do ministro da Defesa, Jungmann, com sete ou oito dos principais líderes da Base Industrial de Defesa.
Não ouvi deles – de nenhum deles –, uma palavra sequer de elogio ou reconhecimento ao esforço da Marinha em perseguir a meta do submarino nuclear. Ouvi só ironias, críticas aos gastos que o governo, por meio das verbas da Defesa, faz neste programa.
E isso de pessoas que estão entre as mais respeitáveis e de melhores resultados na produção de equipamentos militares no país, como o presidente da Embraer, Jackson Schneider (que, aliás, nem por isso tem relacionamento ruim com o Comandante da Marinha, ao contrário).
A Marinha também nunca desistiu de manter ativa uma Força de navios-varredores, mesmo que, para isso, precisasse estender a “vida útil” de embarcações de origem alemã construídas na década de 1970.
Um Request for Proposal para substituí-las será emitido no mês que vem, e a compra de novas unidades está agendada para acontecer até o início dos anos de 2020, quando os varredores da classe Aratu (Schültze) serão, enfim, dispensados.
Também virou uma fixação, na MB, lutar por meios aptos ao transporte e ao desembarque de tropas anfíbias – algo mais que compreensível em se tratando de uma corporação de efetivo numeroso – superior a 17.000 militares –, mais significativo que o de muitos exércitos do continente americano e do Caribe.
Os chefes navais argentinos, por exemplo, ensaiaram imitar o Brasil no programa do submarino nuclear, mas o fizeram sem o punch necessário; seu esquadrão de navios varredores foi dissolvido em 2003, e os navios de desembarque de fuzileiros navais faltam por completo, desde que o ARACabo San Antonio (Q-42) foi descomissionado, 20 anos atrás…
COMCONTRAM – Finalmente, é preciso considerar que não estamos sós no planeta. E nem no Atlântico Sul, que muitos estrategistas estrangeiros gostam de rotular como “o fim do mundo”, por sua desimportância no equilíbrio militar mundial.
Por um lapso, deixei de relatar aos leitores e foristas do Plano Brasil e da coluna INSIDER: durante minha conversa com o Comandante da Marinha, almirante Eduardo Leal Ferreira, na tarde de 1º de agosto passado, houve uma parte em que ele discorreu sobre as medidas de economia que lhe propuseram:
– Veja, Roberto, chegaram a me propor que eu desativasse o COMCONTRAM [Comando do Controle Naval do Tráfego Marítimo]. Como eu poderia fazer isso com esses problemas todos de pirataria na costa da África?
Verdade, almirante. O senhor não podia mesmo ter desativado o COMCONTRAM. Ainda bem que não fez isso.
Vamos em frente.