O colapso da Venezuela
A passividade com que os países das Américas assistem à degringolada do chavismo rumo à ditadura pode impor custos pesados ao Brasil
Época,
http://fab.mil.br/notimp#n124656
A situação política na Venezuela não cessa de piorar – por maior que seja a sensação de que o país entrou em colapso há muito tempo. As últimas imagens de selvageria política em Caracas confirmam a impressão de que a crise tende a agravar antes que o país saia do caos em que afundou, com inflação projetada para até 1.000% neste ano, desabastecimento de alimentos e remédios básicos, índices de criminalidade altíssimos e uma economia arruinada por um estatismo sufocante, como mostrou ÉPOCA em reportagem publicada na edição 993. A reação do regime chavista à crise tem sido aprofundar sua natureza populista, autoritária e violenta, como mostraram as cenas da invasão, na semana passada, da Assembleia Nacional venezuelana por integrantes de mílicias chavistas, grupos paramilitares de apoio ao regime criado por Hugo Chávez.
No Dia da Independência da Venezuela, cerca de 100 militantes desses “coletivos bolivarianos” invadiram a Assembleia – alguns deles com o rosto encapuzado – disparam morteiros dentro do prédio e agrediram funcionários, jornalistas e deputados de oposição. Agiram sob a liderança de Oswaldo Rivera, conhecido como Cabeça de Manga, diretor do programa de TV Zurda Konducta, da rede estatal VTV. Horas antes da invasão, o vice-presidente venezuelano, Tareck El Aissami, havia convocado os seguidores do chavismo a se reunir na Assembleia Nacional para protestar contra a oposição, que controla o Parlamento, chamando-a de “traidora”.
Embora as cenas de deputados ensanguentados por causa de agressões de militantes políticos sejam chocantes, elas não chegam a ser surpreendentes. Desde março, o regime chavista tem reprimido duramente as manifestações de rua que têm sido realizadas diariamente em protesto contra o governo de Nicolás Maduro. Usando o Tribunal Supremo de Justiça, controlado pelo Executivo, o governo cassou poderes da Assembleia Nacional e da procuradora-geral, Luísa Ortega Dias, uma voz dissidente que passou a condenar as violações da democracia cometidas por Maduro e seus aliados. Maduro tem se recusado a ouvir apelos por eleições gerais, manobrou para evitar a realização de um referendo revogatório de seu mandato, previsto na Constituição, e convocou eleições para uma Assembleia Constituinte ilegal com o objetivo de se aferrar ao poder. O regime chavista caminha assim a largos passos para se transformar numa ditadura sem disfarces – a Venezuela já é considerada um país não livre pela Freedom House, organização americana que monitora o estado da democracia no mundo.
Com esse comportamento do chavismo, as tentativas de mediação, com a abertura de diálogo e negociações entre governo e a oposição, feitas pelo Vaticano e pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul), têm falhado irremediavelmente. A oposição alega, com razão, que o governo Maduro não está interessado em negociações sinceras e quer apenas ganhar tempo e desviar a atenção dos opositores. Um dos motivos pelos quais os chavistas não têm interesse em qualquer negociação genuína é clamoroso. Muitos integrantes do governo Maduro são acusados de violações de direitos humanos, corrupção, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Fora do poder, eles correm o risco de ir para a cadeia. Sob o governo de Barack Obama, os Estados Unidos impuseram sanções individuais a uma dúzia de autoridades chavistas – entre elas, o vice-presidente, Tareck El Aissami.
É evidente que o chavismo não mudará de atitude se não começar a sentir consequências negativas, como isolamento internacional e outras sanções, como o resultado de suas ações. Até aqui, os países das Américas têm acompanhado a degringolada da Venezuela rumo à ditadura com incrível passividade. Recentemente, o governo de Nicolás Maduro, graças à cooptação de alguns países caribenhos, dependentes da importação do petróleo venezuelano, conseguiu evitar uma condenação pela Assembleia-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). Foi uma derrota simbólica, mas importante, da diplomacia dos principais países da região, como Estados Unidos, México, Argentina e Brasil.
Apesar de ter abandonado a atitude quase cúmplice com o chavismo que orientava as posições do governo, enquanto o PT esteve no poder federal, o Brasil pouco foi além de mudanças na retórica. Com Michel Temer na Presidência, o Brasil se articulou para suspender a Venezuela do Mercosul, com o argumento da falta de adequação às normas do bloco, e passou a denunciar que o país vizinho vive uma “ruptura da ordem democrática”. Mas nunca acionou a cláusula democrática do Mercosul, que permitiria a suspensão dos acordos bilaterais entre o Brasil e a Venezuela. Recentemente, o embaixador do Brasil em Caracas, nomeado para o posto por Dilma Rousseff, retomou a posição, depois de um período em que ele fora chamado a Brasília para consultas. Essa passividade tende a ter custos no futuro. Se a Venezuela virar um Estado falido, corremos o risco de ter uma crise humanitária e de segurança nacional de grandes proporções nas nossas fronteiras de Roraima, para onde já acorreram milhares de venezuelanos desesperados.