Perguntas que Temer é obrigado a ouvir constrangem mais que suas respostas
Percebe-se que um país está em apuros quando o presidente convoca uma entrevista e, depois de ouvi-lo atentamente por mais de uma hora, as pessoas chegam à conclusão de que ele não tem nada a dizer. A conversa que Michel Temer teve com os jornalistas neste domingo foi constrangedora.
O embaraço foi maior pelas perguntas que o presidente teve que ouvir do que pelas respostas que ele não conseguiu oferecer. Numa das indagações, uma repórter mostrou a que ponto Temer chegou: “O senhor teme as delações da Odebrecht? Teme alguma outra baixa no primeiro escalão? Teme que essa delação atinja o governo federal?”
Com a queda de Geddel Vieira Lima, subiu para seis o número de ministros que saíram do governo pela porta de incêndio. E os delatores da Odebrecht apontam o dedo duro na direção de pelo menos mais dois amigos e auxiliares de Temer: Eliseu Padilha e Moreira Franco.
Acossado, Temer respondeu com a sinceridade dos apavorados: “Olha, dizer que não haveria preocupação, eu estaria sendo ingênuo, não é? Claro que, quando se fala que [a delação] vai alcançar 150 pessoas da classe política, há uma preocupação de natureza institucional.”
Temer prosseguiu: “ No tocante aos ministros, eu vou verificar o que é que vem, não é? […] Quando vier, nós vamos verificar caso a caso. Não posso falar genericamente o que vai acontecer ou o que não vai acontecer. Agora, a sua pergunta, enfim, a força da sua pergunta é: há precoupação? Há, claro! Não há dúvida que há. Não podemos ser ingênuos.”
Outra repórter foi à jugular do entrevistado: “Em relação ao Geddel, quero saber se não demorou demais para ele sair do governo. Em relação ao Padilha, quero saber se o senhor vai mantê-lo no cargo, se não considera que ele cometeu crime de advocacia administrativa.” Numa pergunta, insinuou-se que Temer foi inepto. Noutra, sugeriu-se que o presidente pode reincidir na lentidão.
E Temer: “…Eu sei como conduzir esses diálogos de molde, muitas vezes, a gerar um pedido de demissão. Então, isso levou alguns dias. É claro, ganhou uma dimensão extraordinária, porque colocou, se me permite a expressão, no meu colo, não é? Como se eu fosse advogado de uma causa: a história do apartamento [de Geddel, na Bahia].”
O presidente acrescentou: “Sou obrigado a concordar com a senhora que realmente a demora não foi útil. Não tenho a menor dúvida disso. Se tivesse demorado menos seria melhor. Mas também não causa prejuízos de monta.''
E quanto a Eliseu Padilha? “O que o Padilha fez foi exatamente o que, de alguma maneira, eu disse quando… porque ele [o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero] conversou com o Padilha e disse que tinha esse conflito [entre o Iphan da Bahia e o Iphan nacional em relação ao embargo do prédio em que Geddel adquirira um apartamento]. E o Padilha sugeriu aquilo que a lei determina: ‘olhe, mande ouvir a Advocacia-Geral da União. Não há nenhuma razão, nesse momento, para qualquer medida dessa natureza [o afastamento de Padilha da Casa Civil].”
A alturas tantas, uma terceira repóter submeteu Temer a uma situação muito parecida com um xeque-mate, aquela posição do jogo de xadrez em que o reiu fica vulnerável, impossibilitado de ser defendido por outra peça no tabuleiro ou de fugir do ataque adversário.
Disse a repórter: “O senhor deu a sua versão da história [do embargo à construção do edifício de apartamentos que interessa a Geddel]: tinha um conflito. E deveria, então, ser arbitrado pela Advocacia-Geral da União. Alguns juristas têm apontado uma certa inconsistência nessa versão pelo seguinte: o Iphan é um órgão só. O Iphan nacional teria hierarquia sobre o Iphan da Bahia. Não haveria um conflito de órgãos para ser dirimido. E, por outro lado, o senhor falou que estava arbitrando um conflito entre ministros… A questão é que, aparentemente, não era um conflito institucional entre a pasta da Secretaria de Govenro [chefiada por Geddel] e a da Cultura [comandada por Calero].”
Encerrado o preâmbulo, a repórter fez o movimento fatal: “Era um conflito de natureza particular, interesse particular do ministro [Geddel]. Queria que o senhor me apontasse por que o presidente deveria arbitrar conflitos de natureza particular. O que justiticaria o envolvimento do presidente nessa questão?”
Temer vagou a esmo pelo tabuleiro: “Em primeiro lugar, vou consertar sua pergunta. Se você estiver gravando —isso é muito comum, hoje, não é?—, verá que eu disse que estava arbitrando um conflito de natureza administrativa entre órgãos da admisnitração pública: o Iphan da Bahia tinha uma posição, o Iphan nacional tinha outra posição [sobre o embargo da obra em Salvador]. …Eu disse: mande para a AGU, a Advocacia-Geral da União. Ela arbitra essa questão.”
Ficou sem resposta a indagação sobre a ausência de conflito entre órgãos públicos, já que o Iphan é um só e a unidade nacional tem supremacia hierárquica sobre o núcleo baiano. Mas Temer engatou uma segunda marcha. E seguiu adiante: “…Sempre que houver conflito, entre quem quer que seja, mesmo entre ministros, eu vou arbitrá-los. Foi o que eu fiz ao longo da vida. Eu não estava patrocinando nenhum interesse privado, data venia. Não há razão para isso. Se você disser: mas não foi útil, não foi conveniente. De fato, eu disse até ao ministro: foi uma inadequação [Geddel ter usado o seu prestígio para defender um interesse privado]. A conduta inadequada não pode ser feita.”
Ai, ai, ai… Se a conduta de Geddel era “inadequada”, bastava eliminar a inadequação. Desnecessário meter a Advocacia-Geral da União na causa. Se “há preocupação” em relação às revelações que a turma da Odebrecht joga no ventilador, convém antecipar-se ao problema. Melhor chamar os amigos alvejados para uma conversa do que esperar para “verificar o que é que vem”.
Temer passa a impressão de que já não preside os fatos, é presidido por eles. O presidente não chegou a essa situação inadvertidamente. Sabia muito bem quem estava nomeando. Parece agora decidido a subverter o brocardo. Quer provar que é errando que se aprende… A errar.
Fonte.