Vaias e gritos. Torcedor brasileiro não sabe se comportar?
A imprensa estrangeira vê excesso de euforia do público em modalidades que exigem silêncio e concentração
10/08/2016 - 18h18 - Atualizado 10/08/2016 21h03
Torcida na arena de vôlei em Copacabana. (Foto: Pedro Farina/ Epoca)
Na noite do último domingo (7), no Estádio Aquático Olímpico, os nadadores se preparavam para a prova dos 100 metros peito quando uma mensagem no telão indicou:
“Silêncio, por favor”. Na natação, esse é um momento crucial porque qualquer grito do torcedor pode confundir o atleta e fazê-lo queimar a largada. Apesar do pedido expresso, segundos antes de os nadadores caírem na piscina, um grito se elevou da plateia: “Vai, Corinthians”. Felipe França, um dos competidores brasileiros, pertence ao time paulistano. Por sorte, ele não perdeu a concentração.
A interferência se repetiu na terça-feira (9). Na final dos 200 metros borboleta, vencida por Michael Phelps, os nadadores tiveram de descer do bloco e se preparar novamente porque alguém gritou bem naquele momento. Os locutores pediram silêncio. O restante da torcida também vaiou o mal-educado.
Na segunda-feira (8), durante a disputa de Judô que garantiu a primeira medalha de Ouro ao país, o barulho dentro do estádio era ensurdecedor. Os gritos de incentivo à judoca brasileira Rafaela Silva se cruzavam com o refrão
“Uh, vai morrer”, dirigido a sua adversária, a romena Corina Caprioriu. Esse tipo de manifestação fora do tom ajudou a enfatizar aos olhos do mundo uma característica típica da torcida brasileira, a alegria excessiva, que a imprensa internacional está obsevando com prevenção.
Uma matéria no site da agência de notícias britânica Reuters dizia que, no Brasil, os atletas olímpicos de todas as modalidades podem achar que entraram acidentalmente num estádio de futebol, onde vaias e insultos na direção das equipes são normais. “Os fãs brasileiros estão tratando muitos esportes olímpicos como se estivessem num jogo do Flamengo contra o Fluminense”, dizia o texto.
O jornal New York Times publicou uma reportagem dizendo que o torcedor do Rio vai à loucura por qualquer coisa, até num jogo de tênis de mesa.
Em entrevista na televisão, o nadador americano Mark Spitz, uma lenda do esporte olímpico, classificou a torcida brasileira como
“mal-educada”. A atleta brasileira Tammy Galera também se queixou da plateia. Ela diz que na prova dos saltos ornamentais de domingo perdeu a concentração com o barulho de uma garrafa sendo aberta na arquibancada, o que prejudicou sua apresentação.
O estilo barulhento do público por outro lado empolgou alguns competidores. O americano Michael Phelps disse que “nunca ouviu nada assim na vida”, sobre a torcida durante sua prova no domingo. O tenista sérvio Novak Djokovic, que foi ovacionado durante uma partida no mesmo dia, também se derreteu em elogios: “Honestamente, não sei como agradecer. Esse tipo de atmosfera senti poucas vezes em minha vida. Eu me senti como se estivesse em meu país”.
Essa aparente quebra na etiqueta esportiva de algumas modalidades repercutiu nas redes sociais, com comentários reforçando a ideia de que o público brasileiro não sabe se comportar. O discurso encobre um fenômeno mais interessante, que, segundo o professor de ética da ESPM de São Paulo, Luiz Peres Neto, precisa ser analisado de maneira distinta.
De um lado, alguns excessos estão sendo cometidos, como ocorre em grandes eventos em qualquer parte do mundo. Do outro, existe uma torcida alegre e sanguínea por natureza, tomando contato com modalidades esportivas que historicamente nunca teve acesso, e adequando seu temperamento a esse novo contexto. Para ele, isso não é necessariamente bom ou ruim, ainda que possa soar exótico para um público estrangeiro que conhece pouco a cultura nacional.
“Tendemos a olhar nosso comportamento de maneira muito mais crítica que o comportamento do outro. Geralmente, a gente vê o europeu como sinônimo de civilização, mas isso não é verdade”, diz Peres Neto. Os Jogos Olímpicos, como qualquer competição internacional, estão sujeitos a cenas constrangedoras, algumas vezes com consequências mais graves do que as que ocorreram até agora no Brasil. Nos Jogos de Atenas em 2004, um religioso invadiu a pista de corrida e impediu que o brasileiro Vanderlei Cordeiro levasse o ouro na prova da maratona. Na Olimpíada de Montreal, um torcedor nu invadiu o estádio durante a cerimônia de abertura, provocando um enorme constrangimento para a organização do evento.
Subtraindo a parte de estereótipo que a imprensa internacional agrega sobre o comportamento do público brasileiro,
o que se vê nesta Olimpíada é a postura alegre que o torcedor costumeiramente adota em jogos de equipe, como o futebol ou o vôlei, aparecendo em modalidades habituadas a uma plateia silenciosa. Segundo a organização do evento, cerca de 70% dos ingressos foram vendidos no Brasil.
“É obvio que o torcedor brasileiro não está familiarizado com determinadas modalidades como esgrima, tiro ao alvo ou badminton, que não têm visibilidade no país. E ao mesmo tempo ele está investido da celebração dos Jogos Olímpicos, um momento alegre e festivo. Então seu comportamento vai se espelhar no repertório cultural que ele conhece”, diz Peres Neto. “Isso não é necessariamente bom ou ruim. Mas para a imprensa de países não tão familiarizados com nosso comportamento vai soar exótico”, diz.
Demonstrações do humor típico do brasileiro já apareceram em várias ocasiões. A americana Hope Solo, goleira do time feminino de futebol, antes de chegar ao Brasil publicou nas redes sociais fotos usando um verdadeiro arsenal contra o mosquito que transmite o vírus da Zika. Em sua primeira partida sofreu um revés, tomando um gol debaixo das pernas, e depois disso cada vez que se aproximava da bola no estádio era ironizada pela torcida com os gritos
“ôôô Zika”. O público também se manifestou politicamente, vaiando o time russo de natação por causa do escândalo dos casos de doping na delegação. E na mesma modalidade, deu um espetáculo nas eliminatórias do nado peito masculino, quando os gritos de “uou, uou, uou” aumentavam ou diminuíam de velocidade dependendo do ritmo do nadador que estava na frente.
Na ginástica olímpica, Jade Barbosa também agradeceu o comportamento da plateia. “A torcida foi perfeita. Não tenho do que reclamar. Ajudou muito, respeitou a hora de começar, a hora de terminar e não vaiou os adversários”, diz. Sabendo capitanear essa característica local, o público brasileiro poderá sair dos jogos com a fama de torcedor alegre e vibrante. Basta não passar do ponto.
http://epoca.globo.com/esporte/olimpiad ... ortar.html