prp escreveu:Ginger é barriga verde, ainda vai aprender rsrsr
Nós, mais experientes, temos que ajudar. Minha colaboração:
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Seja qual for o grau de periculosidade do preso, tenha ele cara de assassino ou de santinho, a gente só lhe tira as algemas dentro do EP após ele estar de um lado da grade e nós, do outro. Isso é "feijão com arroz".
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Ainda sobre segurança e uso de algemas, tem aquilo de escolta. Em geral são de 3 tipos: hospitalar (emergência, ambulatorial ou internação), transferência para outro EP e a pior de todas, audiência em Foro. Vou citar um caso que me aconteceu em cada uma:
HOSPITAL - O médico, para variar, me disse para tirar as algemas do preso. Era atendimento ambulatorial, o cara se queixava de dores no peito. Como eu conhecia o vago e o bom doutor não, sabia que o cara era de surtar e arrumar encrenca, então recusei (meu dupla até me sugeriu -
depois, claro - que deveria ter tirado, o vago provavelmente ia atacar o médico e/ou sua assistente, não nós, armados até os dentes). Daí o gentil Esculápio disse que então não iria atender. "Sem problemas, doutor, apenas (já pegando meu celular) o senhor aguarde um minutinho, vou ligar pra Brigada acusando o senhor de omissão de socorro, tri? Se eu voltar pra Modulada com esse cara morto, quem vai responder é o senhor". Resolvido.
TRANSFERÊNCIA - Tinha ficado sabendo de um preso que tinha pulsos finos e mãos pequenas, mas era um corisco para brigar e doido de pedra. Numa escolta para o IPF (Instituto Psiquiátrico Forense, a "cadeia de doido" do RS), no que abriram a porta do xadrez da VTR, ele já tinha tirado as algemas e pulou nos colegas, um dos quais teve de ser atendido com o nariz quebrado (fora as semanas de pavor que o índio passou, pois o vago ainda por cima era soropositivo). Daí, num belo dia me dão o comando da escolta para levá-lo para novos "exames" no mesmo IPF (está entre aspas porque nunca ficavam com o biruta, apenas o enchiam de "sossega-leão" e mandavam de volta para o EP de origem). Ninguém queria ir junto. Na verdade
NEM EU queria ir mas ordens são ordens. Sabem como fiz (sugestão de um colega mais experiente)? Fui à enfermaria do EP e pedi um rolo de atadura e outro de esparadrapo. Daí paguei pro doidinho que era para as algemas não lhe machucarem os pulsos. Assim, enrolei tudo, colei com quase todo o esparadrapo do rolo e por cima botei as algemas, tacando o resto de esparadrapo por cima delas. Só lá pelo meio da viagem pra Porto Alegre que lhe caiu a ficha, daí foi aquilo, o cara lá atrás a berrar e chutar tudo e, como sabia meu nome, me chamar de tudo quanto era barbaridade. No IPF, no momento de desembarcar o vago, apenas falei (ainda seguindo a sugestão do Veterano) ao Colegas para ficar metade de um lado e metade do outro, ninguém na frente da porta. Ah, pedi um colchão véio pros Colegas de lá e botei diante da porta, no chão.
Foi uma risada só, no que estiquei o braço lateralmente e abri a porta, o biruta saltou como uma mola mas, ainda com as mãos atadas às costas, caiu de cara, só não se machucando por causa do colchão. O mais engraçado foi que, no que caiu, se imobilizou por alguns instantes, então rolou, sentou, piscou os olhos umas vezes, olhando em volta, depois virou para mim e me tapou de desaforo. Quando os Colegas do IPF finalmente desengasgaram de rir, juntaram o cara e o levaram para dentro do pavilhão.
AUDIÊNCIA - Daí é sodas! O que mais tem em Sala de Audiência é gente que
pensa que manda em nós. De estagiário de curso de Direito a Juiz, todo mundo acha que peida arco-íris. A qualquer AP:
NÃO HÁ GRAU DE SUBORDINAÇÃO, o preso é do Juiz, nós não! E lá estava eu, de novo comandando uma escolta bem simples, um sujeito do tipo que não incomoda ninguém e que caíra em cana por porte ilegal (caçador, não vago). Entramos na sala com o índio e, para variar, nem Juiz, nem Promotor, sequer o Advogado do cara, só uns estagiários. Daí começou, uma era uma loirinha linda que começou a resmungar sobre aquela "desumanidade" de o sujeito estar grampeado. PUTZ, nem
ele reclamava, sabia como era. Então outro do grupo, um magrela com cara de nerd se levantou e (provavelmente querendo aparecer pra guria) falou para um Colega algo como "solta ele". Ah, esqueci, eu estava conduzindo um grupo de APs novatos, é comum fazer isso em casos de presos de periculosidade quase nula, aos poucos a gurizada vai pegando as manhas. Mas se cumpre os procedimentos à risca, para a tigrada já começar sabendo o jeito CERTO! Bueno, o novato apenas me olhou. Falei pro nerd que não e fim. Sei lá o que deu nele, se empolgou e começou a dar discurso. Ia mandá-lo pra PQP mas nisso entrou o Advogado, meu cupincha, aliás (anos depois me representou no meu último divórcio e não cobrou um tusta, ficou pelo churrasco e a cerveja mesmo). Perguntou o que era aquilo e respondi algo como "Doutor, tem gente aqui com TPM e surtando, pelo jeito". Até a loirinha (Paula) deu risada, o preso, todo mundo. O nerd aloprou mas o Advogado lhe disse para sossegar, o que acabou fazendo. Então, se chegou para mim e pediu para tirar os grampos do cara. Recusei e nem estiquei a charla, apenas "o senhor sabe, não depende de mim" e ele sossegou. Daí entra o Promotor (novo na Comarca, ao menos eu não o conhecia), o Advogado chega nele e ele me chama, pedindo a mesma coisa. A essa altura eu estava já de saco cheio, estava treinando novatos a usar os procedimentos corretos e aquele QRM todo, que josta! Recusei de novo. Aí pronto, o cara vem pra intimidação, quer saber por escrito meu nome completo, cargo, matrícula, o escambau. Até o Advogado pareceu chocado (o lado dele eu entendia, seu cliente era um tipo relativamente comum aqui no Litoral, um sujeito parrudo, meio feiote e todo esmulambado mas vai ver quantas propriedades ele tem e o tamanho da conta bancária). E o MP dê-le me pagar de valente. Me estendeu um papel e caneta, ordenando que eu escrevesse ali todos os dados que exigia, sob pena de prisão. Continuei como estava, parado e com a mão direita repousando sobre a caixa da culatra da MT-40 (a única que tinha na PMO, não durou nem dois meses e levaram embora), sem dizer uma palavra, apenas olhando para ele. O cara estava verde, daí me perguntou se eu não iria cumprir sua ordem. "Não", respondi, e acrescentei "não sou obrigado a cumprir ordem de ninguém a quem eu não esteja subordinado" ou algo assim. Pensei que o cara ia pular em mim, daí me virou as costas e se enfiou na Sala do Juiz.
Devo, a bem da verdade, dizer que, embora me esforçando ao máximo para parecer imperturbável, eu estava é bufando de raiva. POWS, eu ali, nas buenas, querendo fazer bem meu trabalho e treinar direito os novatos, daí todo mundo vinha se encarnar em mim? PQP! Mas, se tem como ficar pior, então fica, já dizia o véio Murphy...
Da Sala do Juiz sai o belicoso Promotor e outro cara que eu também não conhecia. Que maldito momento para todos os titulares DA 1ª Vara Criminal/VEC tirarem férias! Mas esperava que fizessem o normal, ocuparem seus assentos, o Juiz chamar o réu para o banco onde ninguém quer estar, depois me dizer para tirar as algemas, eu ia fazer isso e todo mundo ficar feliz.
Só que não. O FÉLADAP*** movido a pilha veio direto em mim, com o Promotor a tiracolo, e começou a me passar descompostura. Eu vermelho como um pimentão, a julgar pelo calor do rosto. Os Colegas sem saber onde enfiar a cara. No fim da xixada, me mandou tirar o grampo do cara e, elevando a voz, acrescentou um
JÁ! Lembro como se fosse agora, respirei fundo, voltei a cabeça para os Colegas e comandei "Equipe, pra fora da sala, acelerado". Um deles foi em direção ao preso e falei "não, ele fica, é do Juiz". Só então completei, a voz tremendo de raiva "Excelência, é meu direito lhe pedir isso por escrito. Me dê o papel e vou soltar as algemas e ficar fora da sala. A responsabilidade pelo que acontecer passa a ser sua, não minha".
Cara, parece um filme. O Juiz (substituto e novato) olhou pro tamanho do preso, a má aparência (como expliquei, só aparência, gente buena e endinheirada ainda por cima) e...amarelou na hora. Ficar na mesma sala, à mercê de um brutamontes mal-encarado daqueles, respondendo por porte ilegal ainda por cima?
NUNQUINHA, FIO!
Daí é que ficou estranho mesmo. O Promotor comentou venenosamente que o Juiz podia escolher entre me prender ali mesmo ou me tacar na Corregedoria. Até ambos. A essa altura eu já estava literalmente
amotinado e respondi em cima "o Judiciário também tem Corregedoria, testemunha não me falta e duvido que alguém lá aprove o que está acontecendo aqui". Então se completou a ópera-bufa:
O JUIZ CANCELOU A AUDIÊNCIA!
PS: um dia depois eu já estava sendo ouvido pela Corregedoria (me chamaram em casa, nem era obrigado a ir mas fui). Citei tudo o que escrevi acima e dei os nomes de todas as testemunhas. Pelo menos
UMA vez a CGSP não me desapontou, tendo me absolvido e enviado queixa contra a VEC com cópia do processo todo ao Judiciário, em Porto Alegre. Lembro que, pelo resto daquele mês, não me mandaram fazer audiência na VEC. Daí em diante nunca mais vi nenhum dos dois.
PS2: na audiência seguinte, feita por outros Colegas, o réu foi autorizado a responder em liberdade. O Advogado era mesmo dos buenos (como disse, me representou no divórcio), tacou um processo contra o Estado, baseado no fato de que bastaria ter sido ouvido naquele dia para ter saído (ou algo assim). Fui uma de suas testemunhas, mais adiante. Não sei no que deu o processo, menos de um ano após começar ele morreu num acidente de carro (bebia e dirigia, isso às vezes acaba mal), sodas...