‘Desafio de Dilma é maior na política que na economia’
Para presidente da Vale, indústria de SP deve investir mais em tecnologia
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KENNEDY ALENCAR
SÃO PAULO
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O presidente da Vale, Murilo Ferreira, afirma que o desafio da presidente Dilma Rousseff no segundo mandato será maior na política do que na economia: “As crises brasileiras são sempre oriundas de situações políticas”.
Indagado sobre um conselho e um pedido para a presidente Dilma no segundo mandato, Murilo responde: “Bem, eu diria que ela vai ter de ter uma equipe de coordenação política muito eficiente, porque o cenário será sempre muito mais desafiador. Posso também expressar um desejo meu: quero ver as crianças em tempo integral nas escolas”.
Murilo avalia que o “Fla-Flu” entre PT e PSDB é “muito ruim” para o Brasil. “Infelizmente, está se espalhando pelo país como um todo”, diz. ”Não gosto dessa polarização exercida pelo PSDB e pelo PT em São Paulo.” Ele afirma preferir suas “origens mineiras” e esperar que “o Brasil siga o exemplo de Minas Gerais de uma convivência muito mais amigável”.
Em entrevista ao SBT, o presidente da Vale diz que tem a percepção de que a corrupção é mais combatida hoje do que foi no passado, com maior transparência. “Acho que é mais combatida. Há muito mais transparência. Nós jamais teríamos essa discussão em um regime fechado”.
A respeito da Operação Lava Jato, Murilo afirma que, “se esse processo trouxer da transparência e respeito ao dinheiro público para o futuro, será um resultado extraordinário”.
Cauteloso, ele pondera: “É complicado fazer qualquer julgamento baseado em manchetes de jornal. Nós temos que esperar, verificar com calma quem são os culpados. Quando eu era menino em Uberaba, já ouvia dizer de casos [de corrupção] da construção de Brasília. Depois, eu ouvi dizer de casos de Itaipu, de Tucuruí, da ponte Rio-Niterói, inúmeros casos.”
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Economia global preocupa
A Vale concentra investimentos no Brasil, mas atua em 31 países. Atualmente, faz o maior investimento da sua história no Pará. Também tem um empreendimento de destaque na África.
Murilo afirma que tem havido “retração de investimentos na África”, especialmente dos europeus e chineses. Instado a dar um conselho a um empresário brasileiro que queira investir na África, ele diz: “Existem muitas áfricas. Para entrar na África, você precisa averiguar culturalmente o país que tem o melhor aderência à empresa, seus negócios, seu posicionamento ético. Não devemos confundir, como os europeus fizeram no século 19, achando que era uma África só. Isso foi um grande equívoco”.
O presidente da Vale afirma que a companhia baterá recorde em 2014 de venda de minério-de-ferro para a China, mas a queda no preço do produto resultará numa menor receita. A tonelada era vendida a 135 dólares em 2014. Caiu para cerca de 70 dólares hoje. Esse cenário deverá levar a um déficit da balança comercial brasileira neste ano.
“O minério-de-ferro é um produto importantíssimo para a balança comercial brasileira _capaz de levar aos generosos superávits que propiciaram essas reservas brasileiras de 380 bilhões de dólares. Mas, quando o preço recua, você percebe claramente na balança comercial os efeitos”, diz.
Na opinião de Murilo, o Brasil não deve ter preocupação com as demandas da China, mas da Europa: “A economia global é que nos preocupa. Nós temos uma Europa anêmica, inclusive a Alemanha não está apresentando o mesmo número que ela apresentava. Nos EUA, o setor privado vai bem, mas o setor público não tão bem. Nos dois últimos anos governo Obama, vamos ter uma separação entre o Poder Legislativo e o Executivo, entre os republicanos e os democratas. O endividamento, o déficit público, está crescendo. Temos alguns países da própria Ásia que não estão com o mesmo vigor dos anos anteriores”.
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China, Índia e Mercosul
“O mundo está vivendo uma abundância de aço. Só neste ano, a China já exportou quase 75 milhões de toneladas de aço. Acredito que seria uma imprudência fazer algum outro investimento em aço nesse momento”, avalia.
Murilo diz que “o Mercosul não pode ser um problema” para o Brasil. No entanto, destaca a China e a Índia como mercados nos quais o país deve estar presente. Também recomenda a Nigéria e uma caminhada rumo ao oceano Pacífico.
“O grande contingente populacional mundial está na China ou na índia. Só aí tem um grande percentual da população mundial. Temos que estar com os nosso negócios tanto na China como na Índia. Temos que estar com os nossos negócios na Indonésia (260 milhões de pessoas), na Nigéria. Portanto, se nós ficarmos confinados no Mercosul, é um grande equívoco. Temos de abrir nosso horizonte para o Pacífico. É, realmente, o futuro da humanidade”, analisa.
Murilo defende que seja revista a regra do Mercosul que obriga o Brasil a fazer negociações comerciais levando em conta a Tarifa Externa Comum do bloco. “Tudo que amarra, que pode inibir, exatamente no momento em que estamos precisando de crescimento, deve ser revisto.”
O presidente da Vale acredita que o Brasil aproveitou bem o “superciclo” mundial propiciado pelo crescimento da China. “Esse período, que chamo ‘das frutas saborosas e deliciosas’, foi muito bem aproveitado aqui no Brasil em termos de divisas, em termos de emprego, em termos de prosperidade.”
No entanto, como a economia mundial deixou de crescer 4% ao ano e caiu para cerca de 3%, “é natural que chegassem as frutas mais amargas”. A economia paga “um preço por isso”. Mas ele diz que essa situação não torna “ajustes internos” desnecessários. Defende que o ajuste fiscal deve ser o primeiro deles, mas cita também as reformas política, tributária e previdenciária.
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Nova equipe econômica e crescimento do Brasil
O presidente da Vale diz que sua “bola de cristal está quebrada”, quando indagado a prever o crescimento do Brasil em 2015 e nos anos seguintes. “Se o mundo estiver melhor, o Brasil vai melhor. (…) Precisamos fazer nosso exercício de casa, mas só o Brasil fazendo o exercício de casa não vai dar um crescimento em alta escala como precisamos.”
“Estou muito desanimado com a Europa. Bastante desanimado. Eu acho que a Europa continua protelando as suas reformas”, ressalta.
“O Joaquim Levy conhece profundamente a Secretaria do Tesouro Nacional e as contas públicas. Ele esteve lá por muitos anos. É uma pessoas experimentada, passou alguns anos no setor privado. O Nelson Barbosa é um talento. Eu o conheço, sei da competência do Nelson. É uma das pessoas mais brilhantes da nova geração brasileira. Tenho certeza de que ele no Planejamento vai fazer uma ótima dupla com o Joaquim Levy”, diz. Também acha que Alexandre Tombini, mantido na presidência do Banco Central, tem reconhecimento do mercado “como uma figura muito sólida”.
Segundo Murilo, a maior dificuldade no cotidiano na Vale é a “complexidade”.”O número de providências em lugares diferentes que você precisa fazer pra desenvolver qualquer tarefa.” Ele diz qual seria seu sonho para o Brasil. “Meu sonho é só um: um guichê único neste país, onde você depositaria sua solicitação e teria uma resposta de um único veículo.”
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‘Indústria paulista deveria investir em tecnologia’
A respeito de queixas da indústria paulista sobre dificuldades para investir, Murilo aconselha investimento em tecnologia
“O agronegócio não recebe tantos favores do governo. Você conversa com o agricultor do Mato Grosso, vê a telemetria com a qual ele trabalha, ligado a Chicago, sabendo das cotações. Tem três bancos aqui no Brasil, Itaú, Bradesco e Banco do Brasil, que qualquer banco estrangeiro que venha não consegue suplantar. Qual é a razão? Investiram fortemente em tecnologia, assim como o agronegócio. A minha mensagem é: sem investir fortemente em tecnologia, e o mundo do jeito como está, todo mundo brigando pelo seu espaço e pelo mercado, sua chance é muito pequena”.
Murilo discorda da reclamação de setores do empresariado de que os salários cresceram muito no Brasil e dificultam a competitividade com empresas estrangeiras. “‘É uma ótima coisa [salários melhores]. Esse não é o problema. O problema é a gente ter uma tecnologia melhor. É investir diferenciadamente para, usando essas pessoas mais qualificadas, até pagar melhor pra elas”.
Murilo defende a política de financiar empreendimentos brasileiros em países da América Latina e da África. “Isso faz parte hoje da competividade global. Na hora em que você vai com suas empresas, prestadoras de serviço, fornecedores, vai com as linhas de crédito acopladas às suas propostas.”
“Hoje, tem um beneficio extraordinário o cerrado brasileiro. Foi financiado com recursos japoneses. Por que o Brasil não pode, por exemplo, financiar Moçambique, que é um país que precisa de recurso, e levar tecnologia pra lá o nosso agronegócio?”
PINGUE-PONGUE
Maior desafio do Brasil: “Infraestrutura”.
Maior desafio do planeta: “Sem dúvida alguma, redução da desigualdade. Com a redução da desigualdade, você resolve o problema do meio ambiente”.
Marina Silva: “Uma pessoa que tem uma crença muito forte. Espero que ela consiga ajustar sua crença às expectativas do Brasil”.
Aécio Neves: “Um homem talentoso, vindo de uma família de políticos, que poderá contribuir fortemente nos próximos tempos brasileiros”.
Dilma Rousseff: “Uma predestinada, uma pessoa focada. Eu acredito que ela quer o melhor para o Brasil sempre”.