Resultado apertado deve provocar distensão com opositores
Por Raymundo Costa e Andrea Jubé
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A presidente Dilma Rousseff ganhou a eleição, mas a estreita margem pela qual foi reconduzida para mais quatro anos no Palácio do Planalto diminuiu o alcance da vitória política que o PT esperava ter sobre o PSDB, pelo menos até a última sexta-feira, quando as pesquisas indicavam de seis a oito pontos de vantagem para a presidente.
O resultado mantém o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no centro do novo mandato de Dilma, o que deve representar algum grau de distensão em relação à oposição, que demonstrou uma força inesperada, e mudanças no PT e no governo. "A pior coisa pra gente é ganhar e não mudar - é continuar como está", disse o ex-presidente, antes de ser conhecido o resultado, segundo apurou o Valor.
Até a sexta-feira, a presidente e os seus principais conselheiros de campanha consideravam que teriam não só uma vitória eleitoral, mas também uma categórica vitória política sobre o PSDB. No entendimento de Dilma e seus principais conselheiros, nunca antes as diferenças entre os dois projetos que polarizam a política brasileira foram colocados com tanta nitidez no debate presidencial, desde a eleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1994.
No embate, a presidente manteve o PSDB o tempo inteiro na defensiva, muito embora a economia fosse a peça de resistência dos tucanos. O candidato Aécio Neves chegou até a anunciar o economista Armínio Fraga como ministro da Fazenda, caso fosse eleito.
Dilma se colocou contra a independência do Banco Central, contra trazer a inflação para o centro da meta no prazo curto - o que, segundo ela, causaria recessão e desemprego - e contra elevar o superávit primário acima de 2% do Produto Interno Bruto (PIB). O contrário do que defendeu Aécio.
Ainda no calor da disputa, os assessores da presidente diziam ontem que ela ganhou das urnas o aval para manter o modelo econômico em curso. Segundo as fontes do comitê da reeleição, Dilma e Lula não têm diferenças de fundo em relação ao modelo econômico. Mas divergem quanto à maneira de a presidente se relacionar com os empresários e o Congresso.
No governo não há a expectativa de uma crise econômica, segundo apurou o Valor. Mas há a perspectiva de uma iminente crise política, devido sobretudo às denúncias de corrupção na Petrobras. O escândalo deve ultrapassar o atual mandato de Dilma e tem potencial para provocar um realinhamento nas relações do governo com a base aliada no Congresso.
Em meio à campanha, auxiliares da presidente informaram que ela deveria reeditar a Dilma faxineira de 2011. Inclusive quanto à Petrobras. Nos últimos dias, o discurso mudou: Dilma teria de tratar com cuidado de eventuais mudanças na Petrobras, pois a estatal estaria "infestada de tucanos".
"A pior coisa pra gente é ganhar e não mudar - é continuar como está", avalia o ex-presidente Lula
Entre suas primeiras medidas, a presidente deve liderar uma nova tentativa de aprovar a reforma política no Congresso. Ao contrário do que aconteceu no primeiro mandato, Dilma terminou a campanha inclinada a dar curso ao projeto de "democratização da mídia". A questão da regulação da mídia avançou dentro do PT, inclusive em setores do partido que eram contrários ao projeto.
A vitória por reduzida margem de votos pode mudar o plano de voo da presidente. Já há setores do PT recomendando cautela a Dilma: em vez de aprofundar o confronto, ela deveria buscar a reconciliação nacional. Em 2002, quando ganhou de José Serra (PSDB), Lula conversou com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor e até atendeu a pedidos do tucano. Lula também fez um ministério plural, com representantes de vários setores da sociedade. Na eleição, Dilma mostrou ser capaz de vencer, mas ficou evidente o aumento do número de brasileiros que desaprovam seu desempenho - ela teve a menor votação de um candidato do PT a presidente, nas disputas de segundo turno, desde a eleição de 1989.
A julgar pelo que informam os auxiliares mais próximos de Dilma, ela pensa em retomar o quanto antes suas atividades no terceiro andar do Palácio do Planalto, que deixou em segundo plano para se dedicar integralmente à campanha. Apesar do cansaço, um interlocutor da presidente diz que ela está ansiosa para retomar o comando do governo. Nas suas palavras, uma das primeiras providências será "lamber as feridas" de aliados que saem estremecidos com o PT das disputas estaduais.
Dois exemplos notórios são o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, e o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB), que enfrentaram campanhas turbulentas e agressivas contra o PT nas disputas pelos governos do Ceará, no caso de Eunício, e do Rio Grande do Norte, no caso de Alves. Os dois são aliados do primeiro time de Dilma no Congresso e podem rever essa postura depois das eleições.
É nesse cenário que emissários da presidente vão deflagrar as primeiras conversas para aparar as arestas com os derrotados ou aliados que saem das urnas estremecidos com o PT, e costurar os acordos políticos. "Vai ser uma negociação difícil", disse ao Valor um auxiliar da presidente. A fonte disse que Aloizio Mercadante (Casa Civil), Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) e o governador da Bahia, Jaques Wagner, devem formar a linha de frente das primeiras articulações de conciliação e reaproximação da base aliada do governo.
Na avaliação de um auxiliar da presidente, não se deve esperar nada emocionante nos próximos dias. O anúncio de nomes de novos ministros, por exemplo, não deve sair antes de dezembro, porque não é do estilo da presidente, que prefere a cautela nessa movimentação. A fonte contou também que Dilma pretende rever a distribuição de espaços entre os aliados na Esplanada. A presidente avalia que algumas siglas estão "há muito tempo" no comando de determinados ministérios. Dois exemplos são citados: o PP no Ministério das Cidades e o PMDB em Minas e Energia. Curiosamente, dois partidos no olho do furacão da Petrobras.
Para o lugar do PP em Cidades é cotado o nome do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, presidente do PSD e primeiro partido a empenhar apoio à reeleição da presidente, depois de PT e PMDB, mesmo com grande parte da nova sigla comprometida com a candidatura Aécio. O atual ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, teve seu nome relacionado no escândalo da Petrobras, assim como a governadora Roseana Sarney, do Maranhão, dois integrantes do clã que sofreu a sua pior derrota política em mais de 30 anos.
Dilma ainda não definiu o titular do Ministério da Fazenda, mas um auxiliar e interlocutor assíduo da presidente afirma que o sucessor de Guido Mantega será um "duro negociador", e deverá estar à disposição para trabalhar "20 horas por dia". Por ter sido escalado para debater com o economista Armínio Fraga na campanha, Mercadante é apontado como uma possibilidade para a Fazenda, mas fontes palacianas asseguram que ele não está nos planos da presidente para a pasta. O economista Alexandre Tombini pode ficar na presidência do Banco Central. O governador Tarso Genro é uma opção para o Ministério da Justiça.
Ao falar em recomposição da base aliada, Dilma sinaliza com a manutenção de uma relação que parte do PT quer mudar. Depois de enfrentar grandes dificuldades nas eleições, petistas dizem acha que a presidente não deve aceitar ser "refém do PMDB". O primeiro passo seria enfrentar a eleição do deputado Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, em fevereiro de 2015. "A luta para não eleger Eduardo Cunha é fundamental", diz um parlamentar do PT. "Dá para fazer mobilização popular". Na mesma linha de Lula, esse congressista afirma que o PT se "reconectou" com a militância quase por milagre, ao final da campanha. "É como se o eleitor desse uma última chance ao PT".
Em São Gonçalo e na Cinelândia, havia jovens "adesivados", o que não se via numa eleição desde pelo menos 2002. "Um reencontro com a juventude perdida". A sugestão de parte do PT a Dilma é a adoção de um discurso de esquerda e de outros padrões de conduta no governo.
Apesar da vitória, governo tem expectativa de crise política iminente, devido à Petrobras
O governo deveria enfrentar a reforma política nem que seja para perder, assim como a regulação dos meios de comunicação - "agora há um consenso entre nós" - e a discussão sobre a criminalização da homofobia, a qual Dilma aderiu nos últimos dias de campanha, mas tese da qual o PT sempre manteve distância por medo de perder o apoio dos evangélicos.
Há consenso entre as tendências que o PT é um partido envelhecido e burocratizado, mais interessado em cargos e distante das ruas. Não épor acaso foi surpreendido nas manifestações de junho de 2013.
A tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), que sucedeu o antigo campo majoritário, deixou de dirigir e formular políticas para o partido. Dilma tem condições de construir uma nova maioria no partido. Além de Jaques Wagner e Miguel Rossetto, ganham protagonismo nessa nova aliança o governador eleito de Minas Gerais, Fernando Pimentel, e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, se ele recuperar a popularidade. Ao lado de Aloizio Mercadante, o prefeito é um nome potencial para 2018, se Lula não for candidato.
Desde antes da abertura das urnas, no domingo, havia uma avaliação preliminar do PT do resultado das eleições e do que fazer para recuperar a confiança dos eleitores que, em 2014, engrossaram o caldo do antipetismo. Uma ideia é reforçar a formação política dos quadros partidários.
Paralelamente, o PT planeja investir mais numa organização permanente que não seja voltada apenas para a questão eleitoral. Nos últimos anos, o PT se transformou numa máquina de fazer votos, mas nem sempre foi ouvido, por exemplo, em questões de governo.
Há também sobre a mesa a proposta de fazer a atividade parlamentar mais coletiva, diferentemente de um conjunto de projetos pessoais. Cita-se o exemplo do governador da Bahia, Jaques Wagner, que abriu mão de uma cadeira certa no Senado por uma composição com Oto Alencar (PSD), que foi eleito.
Em São Paulo, ao contrário, o senador Eduardo Suplicy poderia ter saído candidato a deputado federal e ajudado o partido a eleger uma bancada maior para a Câmara. Suplicy preferiu a reeleição e o PT perdeu cinco vagas na Câmara dos Deputados. A escolha de Suplicy como bode expiatório num Estado, São Paulo, onde o PT sofreu sua pior derrota eleitoral deixa claro que o partido já iniciou um ajuste de contas interno.
A exemplo de Dilma, o PT vai tomar a frente na discussão da reforma política e na "ampliação da liberdade de expressão", a nova formulação para o marco regulatório dos meios de comunicação. No Congresso, o tema prioritário para Dilma é a reforma política. Mas a presidente terá de negociar temas que possam unir os aliados, cujas divergências impedem o avanço do projeto. Apenas PT e PCdoB apoiam o financiamento público de campanha. A reeleição de Dilma também fragiliza a bandeira do fim da reeleição.