29 de novembro de 2014 • 12h24 • atualizado às 15h11
Cameron, ousado e pragmático, faz críticas aos imigrantes
Declaração de Cameron ocorre após estatísticas revelarem que mais estrangeiros entraram no Reino Unido do que saíram
Pressionado por estatísticas oficiais e alianças políticas, o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, equilibrou-se entre a ousadia e o pragmatismo para subir o tom contra imigrantes no discurso mais duro já feito sobre o tema.
Na sexta-feira, o premiê fez uma ameaça real, ainda que genérica, de que "não descartaria nada" caso líderes de outros países da União Europeia não apoiassem suas propostas para cortar os benefícios recebidos pelos europeus que vivem no país.
A declaração de Cameron ocorre após estatísticas revelarem que mais estrangeiros entraram no Reino Unido do que saíram (cerca de 260 mil) e também por alianças políticas, especialmente com o Partido de Independência do Reino Unido (Ukip, na sliga em inglês).
"O desafio do discurso de Cameron era combinar dois tipos de postura: ser visto tanto como radical quanto realista", avaliou o correspondente de política da BBC, Chris Mason.
Segundo Mason, o premiê britânico precisou ser "ousado o suficiente para mostrar que defende o que muitos veem como um problema e confiante o bastante para assegurar que vai alcançar o que considera uma solução".
"Em outras palavras, Cameron mandou uma mensagem clara à Europa: faça um acordo conosco porque nós valemos a pena", concluiu o jornalista.
No discurso de sexta-feira, o premiê britânico afirmou que reduzir a imigração entre os países europeus deveria ser uma prioridade nas negociações futuras sobre a permanência do Reino Unido no bloco e que ele não "descartaria nada" se não conseguisse as mudanças que propõe.
Segundo os planos de Cameron, os imigrantes teriam de esperar quatro anos para poder solicitar benefícios sociais no país.
Bruxelas, sede do Parlamento europeu, afirmou que as ideias são "parte do debate" e que vão ser "calmamente consideradas".
Cameron afirmou estar confiante de que conseguirá mudar as regras da imigração da União Europeia para o Reino Unido e, assim, defender a permanência do país no bloco econômico europeu em um futuro referendo, previsto para acontecer em 2017.
O premiê britânico disse, no entanto, que se as reivindicações do Reino Unido não se concretizarem, não "descartaria" tomar "qualquer medida" - uma declaração que muitos interpretaram como uma eventual saída do país da União Europeia.
Freio emergencial
Segundo o editor de política da BBC, Nick Robinson, os cortes nos benefícios sociais recebidos por imigrantes no Reino Unido seriam "uma versão mais dura de uma abordagem já delineada pelos trabalhistas e pelos liberais democratas".
Entre as principais propostas – que vão depender da permanência de Cameron no poder após as eleições gerais de maio do ano que vem, destacam-se: proibir imigrantes europeus de ter acesso à habitação popular quatro anos após a chegada ao Reino Unido, extraditar quem não achar trabalho em um período de seis meses e limitar o direito dos europeus residentes de trazer familiares de fora da Europa para viver legalmente no país.
Cameron disse não ter "dúvidas" de que suas propostas exigiriam mudanças nos tratados que formam a União Europeia, necessitando do apoio de outros membros do bloco.
Discurso
Cameron começou seu discurso dizendo que a imigração beneficiou o Reino Unido e disse estar orgulhoso da natureza "multirracial" da Grã-Bretanha moderna.
O premiê, no entanto, afirmou que os níveis de imigração nos últimos anos – o maior em tempos de paz, destacou – puseram "pressão insustentável" nos serviços públicos. Na avaliação de Cameron, pedir mudanças não é "estranho ou pouco razoável".
"Os britânicos não vão entender – e, honestamente, eu não vou entender – se não acharmos um caminho sensato (para o problema da imigração), que ajudará a estabelecer o lugar do país (Reino Unido) na União Europeia de uma vez por todas", afirmou.
Cameron, que falou com a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker, antes de discursar, afirmou querer que o pacote seja adotado por toda a União Europeia. Caso contrário, ele buscaria uma saída unilateral.
Atualmente, os cidadãos da União Europeia são livres para morar no Reino Unido e concorrer a empregos no país sem se submeter a qualquer tipo de controle de imigração. O privilégio, no entanto, não é estendida a quem vem de fora da Europa.
Para justificar as mudanças, Cameron disse que um europeu que decida morar no Reino Unido com dois filhos recebe, em média, cerca de 700 libras (R$ 2,8 mil) como ajuda social do Estado, duas vezes o valor pago pela Alemanha e três vezes o da França.
"Não há dúvida sobre por que tantas pessoas queiram vir morar no Reino Unido", afirmou, acrescentando que as mudanças propostas por ele afetariam cerca de 400 mil pessoas.
Reações
O discurso inflamado de Cameron gerou reações de analistas e políticos.
As declarações do premiê agradaram parte dos conservadores. Para Jacob Rees-Mogg, do Partido Conservador, a fala de Cameron "indica uma vontade de deixar a União Europeia e acredito que fortaleça sua posição de negociação substancialmente".
No entanto, para o conservador Bill Cash, "as propostas não avançaram suficientemente".
O líder dos trabalhistas, Ed Miliband, por sua vez, disse que Cameron já havia prometido nas últimas eleições que reduziria os níveis de imigração e que não tinha "credibilidade" no assunto.
O líder dos independentes, Nigel Farage, disse que o premiê deveria se desculpar por não ter atingido a meta de imigração e acrescentou que Cameron estava tentando "recuperar o atraso" com o UKIP.
Na avaliação do líder do Partido Liberal Democrata, Nick Clegg, algumas das propostas lançadas por Cameron eram "sensatas e funcionais". Clegg afirmou, contudo, que tinha "ressalvas muito sérias" quanto a outras reivindicações do premiê, como a deportação após seis meses de quem não encontrar emprego.
O porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, disse que as propostas deveriam ser "examinadas sem drama".
"Cabe aos legisladores de cada país combater abusos do sistema e a lei da União Europeia definir o que é certo ou errado", afirmou.
Por meio de um comunicado, o governo alemão enfatizou a importância da livre circulação de pessoas mas afirmou que estava preparado para trabalhar em conjunto com o Reino Unido para encontrar "soluções mútuas aceitáveis".
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