Opinião
A quem serve?
São José Almeida
26/07/2014 - 00:27
Em Portugal, a quem serve a entrada da Guiné Equatorial na CPLP?
O que é que Cavaco Silva foi fazer a Díli? O que é que Portugal faz ainda na CPLP? Estas duas perguntas continuam actuais três dias depois de o Estado português, através da figura do seu Presidente da República, ter passado pela vergonha de ser conivente e de formalmente concordar com a decisão, aprovada por unanimidade, da entrada da Guiné-Equatorial na organização que se chama ainda Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa.
A aceitação pelos Governos da CPLP da adesão da Guiné Equatorial é um escândalo. A Guiné-Equatorial é há 35 anos dirigida por um tirano chamado Teodoro Obiang, que conduz o país ao arrepio de todas as regras do que se entende hoje em dia por Estado de direito democrático. A gestão cleptocrática dos recursos nacionais, entre eles o petróleo, por parte de Teodoro Obiang e do seu filho e vice-presidente Teodorin Obiang, já levou à instauração de processos nos Estados Unidos e em França. E quando alguém se opõe ao esbulho, acaba por ser preso. Como é o caso do empresário italiano Roberto Berardi, que foi sócio de Teodorin Obiang. Berardi denunciou que a empresa de ambos servia para desviar dinheiro do país e disponibilizou-se para testemunhar num processo internacional. Foi preso, torturado e está em risco de vida. (PÚBLICO 3/7/2014)
Esta trágica tirania tem como língua oficial o castelhano. Adoptou como segunda língua o francês, quando Obiang decidiu entrar no espaço francófono. E agora, mesmo que ninguém o fale, tem como terceira língua oficial o português. Como esse princípio é central para integrar uma comunidade dita de países com língua oficial portuguesa, a regra foi decretada por Obiang pai, com a mesma facilidade com que ofereceu de prenda de anos uma parte substancial da floresta do país ao seu filho Teodorin (Observador 20/7/2014).
A passagem do português a terceira língua oficial na Guiné Equatorial é uma decisão que tem a mesma profundidade e a mesma convicção das outras exigências que Obiang cumpriu para conseguir aderir à CPLP. Isto é: nenhuma. Vejamos a cronologia dos factos. Em 2006, a Guiné Equatorial ganhou estatuto de observador na CPLP. A adesão era a etapa seguinte e foi apadrinhada pelo Brasil e por Angola, cujos Presidentes faltaram agora à Cimeira de Díli, quem sabe se por vergonha de ficar na fotografia.
Em 2010, na cimeira de Luanda, foi aprovado um guião para a adesão. Deste constavam princípios óbvios: abolição da pena de morte, respeito pelos Direitos Humanos e democratização. Os dois primeiros parecem ser conceitos desconhecidos por Obiang. Em relação ao primeiro, a resposta foi uma não-solução. A pena de morte está suspensa por uma moratória. Ou seja, toda esta negociação é uma farsa desde o início: a Guiné Equatorial não fala português, não é uma democracia – é, sim, uma trágica tirania – e a pena de morte subsiste.
É sabido que o Presidente da República se opôs desde o primeiro momento. Assim como é conhecida a discordância de Paulo Portas e Rui Machete. Já a veemência da oposição do Governo de José Sócrates é menos conhecida. Mas o facto de se ter oposto desde o primeiro momento mais reforça a ideia de que o Presidente não deveria ter participado na encenação de Díli. Não basta estar na sala sem bater palmas e criticar depois.
Mais: como várias pessoas já referiram, a entrada da Guiné-Equatorial na CPLP reforça o carácter marginal que Portugal acabou por ter nesta organização. É certo que Portugal não tem direito a um estatuto privilegiado e qualquer tentativa de obter uma valorização especial nesta organização seria sempre vista como uma arrogância por parte da antiga potência colonizadora.
Agora, factos são factos e história é história. Há uma história comum, há laços comuns, há uma língua comum entre Portugal, Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor-Leste. É isso é o que constitui uma comunidade e é isso que está na base da constituição da CPLP. E a ligação da Guiné Equatorial à colonização portuguesa é a mesma de vastíssimos territórios que um dia constituíram o Império.
Hoje em dia, o facto de Portugal integrar a União Europeia potencia na CPLP as relações entre a Europa, a África e a América do Sul. Com a entrada da Guiné Equatorial e quando pedem estatuto de observador países como a Turquia, o Japão, a Geórgia e a Namíbia, começa a desenhar-se um perfil geostratégico totalmente diverso para a CPLP. (PÚBLICO 23/7/2014) E precisamente porque os factos são os factos é que ao longo dos anos se foi revelando a preponderância do Brasil e de Angola na CPLP e o enfraquecimento gradual do peso de Portugal. Agora, Portugal tornou-se redundante.
A ausência de uma explicação oficial clara e plausível para a decisão de acolher a Guiné Equatorial na CPLP autoriza todas as suspeições que possam ocorrer à imaginação de cada um. E há uma pergunta que resta fazer: em Portugal, a quem serve a entrada da Guiné Equatorial na CPLP?
http://www.publico.pt/mundo/noticia/a-q ... ve-1664315
CPLP
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Re: CPLP
Um parceiro incômodo – o dilema fáustico da CPLP.
Carlos Fino - Blog do Noblat - 28.07.14.
Sob um coro de protestos e de forma envergonhada (sem votação expressa, por mero “consenso” e escassos aplausos), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP, reunida a semana passada em Dili/Timor Leste, na sua X Cimeira, decidiu admitir como membro de pleno direito a República da Guiné-Equatorial.
O processo de adesão, a que inicialmente Portugal se opôs e foi o último a aceitar, prolongou-se por alguns anos, mas tornou-se praticamente inevitável quando os maiores países africanos da CPLP – Angola e Moçambique – o defenderam e passaram depois a ter o parecer favorável do Brasil.
Considerado um dos países mais corruptos do mundo, a Guiné-Equatorial constitui, a mais do que um título – é o mínimo que se pode dizer - um parceiro incômodo.
Governada desde a independência, em 1968, por uma feroz e sanguinária ditadura, a mais antiga do continente, nela reina há dezenas de anos (desde 1979) como senhor absoluto, Teodoro Obiang, que assim procura romper com o ostracismo e a condenação internacionais.
Embora, ao que parece, menos cruel que o presidente que o antecedeu e que ele derrubou e mandou executar num golpe de Estado, Obiang, apesar de algumas mudanças de fachada, concentra nas suas mãos a totalidade do poder e a maior parte da riqueza, tendo-se tornado, segundo a Forbes, o oitavo governante mais rico do mundo, enquanto a grande maioria da população vive na miséria.
Tudo realidades em contradição com os ideais que presidiram à criação da CPLP, em 1996, por iniciativa do embaixador brasileiro José Aparecido de Oliveira, em cujos Estatutos se consagra o primado da paz, da democracia, do Estado de Direito, dos direitos humanos e da justiça social.
Do ponto de vista histórico, a afinidade da Guiné Equatorial com a Luso fonia também é ténue.
Começou, é certo, por ser território de Portugal, mas foi permutada, no final do século XVIII (tratados de Santo Ildefonso e El Pardo), com a Espanha, em troca da ilha de Santa Catarina, hoje parte integrante do Brasil. Desde então e até à sua independência, a Guiné-Equatorial foi portanto uma colônia espanhola, onde a língua oficial é o espanhol e não o português.
Há, porém, duas exceções importantes - na ilha de Ano Bom, uma das províncias da Guiné-Equatorial, fala-se ainda hoje um crioulo de origem portuguesa. E em Bioko, antiga Fernão Pó, onde está a capital (Malabo), a presença dos portugueses também não acabou com a passagem para a Espanha.
Até antes da independência, houve sempre nessas ilhas muitos portugueses, principalmente à frente das quintas que produziam cacau e café. Daí que, ainda hoje, perdurem aí apelidos de origem lusa como Pintassilgo, Teixeira, Gonçalves, Antunes...
"Existe uma relação antiga com Portugal, que não era de colonização, mas econômica e de respeito da população local", confirmou em declarações à agência Lusa Weja Chicampo, dirigente dos bubis, a etnia dominante da ilha de Bioko, que se queixa de ser perseguida pela maioria fang (com base no continente).
Mais, porém, do que esta ligação a Portugal, o que parece ter sido decisivo na decisão de acolher Malabo no seio da CPLP foi a tentação fáustica de sacrificar os princípios estatutários de democracia e direitos humanos às perspectivas de riqueza que a integração possa trazer, tendo em conta que a Guiné Equatorial se tornou, desde os anos 1990, o terceiro maior produtor de petróleo do continente africano.
Uma das primeiras decisões logo a seguir à admissão da Guiné Equatorial foi justamente criar um Grupo Técnico de Estudo (GTE) para a exploração e produção conjuntas de hidrocarbonetos no espaço comunitário. Com a integração de Malabo, a CPLP estima que as reservas comprovadas no seu espaço deverão corresponder, em conjunto, ao sétimo maior produtor do mundo de hidrocarbonetos, em 2015, e ao quarto em 2025.
Os defensores da integração justificam o acolhimento do parceiro incômodo afirmando que, dentro da CPLP, Obiango fica mais exposto a escrutínio e o seu regime poderá, de algum modo, evoluir num sentido mais democrático.
Um argumento que a oposição local e as organizações de direitos humanos não aceitam. "Não é possível negociar com um regime como este. Não é possível confiar e esperar que ele mude", afirmou o líder dos bubis, que se opõem a Obiango.
Até que ponto é que, ao admitir este parceiro incômodo, a CPLP perderá em respeitabilidade internacional, o que poderá, a curto prazo, ganhar em mais recursos?
Este era o dilema fáustico com que a Lusofonia se defrontava até meados da passada semana. Mas agora a escolha está, o pacto com o Diabo estabelecido.
Resta esperar, que, tal como no Fausto, de Goethe, no final, Deus se compadeça e acabe por salvar o que de bom restar da alma da CPLP.
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Carlos Fino é um jornalista internacional português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP - televisão pública portuguesa - em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, tendo coberto diversos conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. Costuma ser lembrado como "aquele repórter do furo mundial", por ter sido o primeiro a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na última Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012), onde atualmente reside.
Carlos Fino - Blog do Noblat - 28.07.14.
Sob um coro de protestos e de forma envergonhada (sem votação expressa, por mero “consenso” e escassos aplausos), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP, reunida a semana passada em Dili/Timor Leste, na sua X Cimeira, decidiu admitir como membro de pleno direito a República da Guiné-Equatorial.
O processo de adesão, a que inicialmente Portugal se opôs e foi o último a aceitar, prolongou-se por alguns anos, mas tornou-se praticamente inevitável quando os maiores países africanos da CPLP – Angola e Moçambique – o defenderam e passaram depois a ter o parecer favorável do Brasil.
Considerado um dos países mais corruptos do mundo, a Guiné-Equatorial constitui, a mais do que um título – é o mínimo que se pode dizer - um parceiro incômodo.
Governada desde a independência, em 1968, por uma feroz e sanguinária ditadura, a mais antiga do continente, nela reina há dezenas de anos (desde 1979) como senhor absoluto, Teodoro Obiang, que assim procura romper com o ostracismo e a condenação internacionais.
Embora, ao que parece, menos cruel que o presidente que o antecedeu e que ele derrubou e mandou executar num golpe de Estado, Obiang, apesar de algumas mudanças de fachada, concentra nas suas mãos a totalidade do poder e a maior parte da riqueza, tendo-se tornado, segundo a Forbes, o oitavo governante mais rico do mundo, enquanto a grande maioria da população vive na miséria.
Tudo realidades em contradição com os ideais que presidiram à criação da CPLP, em 1996, por iniciativa do embaixador brasileiro José Aparecido de Oliveira, em cujos Estatutos se consagra o primado da paz, da democracia, do Estado de Direito, dos direitos humanos e da justiça social.
Do ponto de vista histórico, a afinidade da Guiné Equatorial com a Luso fonia também é ténue.
Começou, é certo, por ser território de Portugal, mas foi permutada, no final do século XVIII (tratados de Santo Ildefonso e El Pardo), com a Espanha, em troca da ilha de Santa Catarina, hoje parte integrante do Brasil. Desde então e até à sua independência, a Guiné-Equatorial foi portanto uma colônia espanhola, onde a língua oficial é o espanhol e não o português.
Há, porém, duas exceções importantes - na ilha de Ano Bom, uma das províncias da Guiné-Equatorial, fala-se ainda hoje um crioulo de origem portuguesa. E em Bioko, antiga Fernão Pó, onde está a capital (Malabo), a presença dos portugueses também não acabou com a passagem para a Espanha.
Até antes da independência, houve sempre nessas ilhas muitos portugueses, principalmente à frente das quintas que produziam cacau e café. Daí que, ainda hoje, perdurem aí apelidos de origem lusa como Pintassilgo, Teixeira, Gonçalves, Antunes...
"Existe uma relação antiga com Portugal, que não era de colonização, mas econômica e de respeito da população local", confirmou em declarações à agência Lusa Weja Chicampo, dirigente dos bubis, a etnia dominante da ilha de Bioko, que se queixa de ser perseguida pela maioria fang (com base no continente).
Mais, porém, do que esta ligação a Portugal, o que parece ter sido decisivo na decisão de acolher Malabo no seio da CPLP foi a tentação fáustica de sacrificar os princípios estatutários de democracia e direitos humanos às perspectivas de riqueza que a integração possa trazer, tendo em conta que a Guiné Equatorial se tornou, desde os anos 1990, o terceiro maior produtor de petróleo do continente africano.
Uma das primeiras decisões logo a seguir à admissão da Guiné Equatorial foi justamente criar um Grupo Técnico de Estudo (GTE) para a exploração e produção conjuntas de hidrocarbonetos no espaço comunitário. Com a integração de Malabo, a CPLP estima que as reservas comprovadas no seu espaço deverão corresponder, em conjunto, ao sétimo maior produtor do mundo de hidrocarbonetos, em 2015, e ao quarto em 2025.
Os defensores da integração justificam o acolhimento do parceiro incômodo afirmando que, dentro da CPLP, Obiango fica mais exposto a escrutínio e o seu regime poderá, de algum modo, evoluir num sentido mais democrático.
Um argumento que a oposição local e as organizações de direitos humanos não aceitam. "Não é possível negociar com um regime como este. Não é possível confiar e esperar que ele mude", afirmou o líder dos bubis, que se opõem a Obiango.
Até que ponto é que, ao admitir este parceiro incômodo, a CPLP perderá em respeitabilidade internacional, o que poderá, a curto prazo, ganhar em mais recursos?
Este era o dilema fáustico com que a Lusofonia se defrontava até meados da passada semana. Mas agora a escolha está, o pacto com o Diabo estabelecido.
Resta esperar, que, tal como no Fausto, de Goethe, no final, Deus se compadeça e acabe por salvar o que de bom restar da alma da CPLP.
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Carlos Fino é um jornalista internacional português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP - televisão pública portuguesa - em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, tendo coberto diversos conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. Costuma ser lembrado como "aquele repórter do furo mundial", por ter sido o primeiro a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na última Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012), onde atualmente reside.
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Re: CPLP
Na prática? Ao nível militar faz-se um exercicio anual, a nível diplomático também funciona um pouco quando há vontade de todas as partes, ao nível do dia-a-dia dos cidadãos de cada país, vê-se pouco ou nada de relevante.Boss escreveu:A CPLP serve pra que ?
Além de forçar uma lembrança de que esses países tem algo em comum ?