#1236
Mensagem
por Clermont » Ter Mar 18, 2014 6:59 pm
COISAS SIMPLES SOBRE A UCRÂNIA.
Philip Giraldi - Antiwar.com - 18.03.14.
Em 6 de março, o presidente Barack Obama assinou uma ordem executiva "Bloqueando Propriedade de Certas Pessoas Contribuindo para a Situação na Ucrânia" permitindo a Washington tomar os bens de quaisquer "pessoas nos Estados Unidos" que se oponham as atuais políticas americanas relativas àquele país. Essa ordem afirma, absurdamente, que o status quo na Ucrânia e o referendo crimeano constituem uma "emergência nacional" para os Estados Unidos. Qualquer um que, direta ou indiretamente, esteja envolvido em "ações ou políticas que ameaçem a paz, segurança, estabilidade, soberania ou integridade territorial da Ucrânia" poderá ter seus bens tomados. Isso significa que se você pensar que o referendo pelos crimeanos, que poderá resultar na união com a Rússia, não é, necessariamente, uma coisa ruim, e você escrever uma carta para o jornal local dizendo isso, então, você poderá dar adeus a sua conta bancária. Não há nenhum mecanismo de apelo na ordem executiva.
A transição de Obama à turma belicista é violentamente similar a uma ordem assinada por George W. Bush, em 2007, para "Bloquear Propriedade de Certas Pessoas Que Ameaçem os Esforços de Estabilização no Iraque." Juntando as duas ordens, temos uma clara indicação do quão baixo nós afundamos para penalizar qualquer dissensão a respeito de políticas que nunca foram abertamente debatidas ou votadas pelo público americano, mas eu suponho que Bush explicaria, orgulhosamente, que ele "levou a democracia" ao Iraque, enquanto Obama mudaria de assunto, observando que ele matou Osama bin-Laden. Seja como for, a criminalização de americanos exercendo seus direitos da Primeira Emenda acaba por tornar o resto dos acontecimentos relativamente desimportante, nada mais do que aquilo que nossos mestres se referem como dano colateral.
Eu não sou nenhum especialista sobre o que se passa na Ucrânia, além de falar um pouco de russo, uma capacidade que muitos cidadãos ucranianos, reportadamente, tem. Mas está claro que alguns infelizes padrões relativos aos passados vinte anos ou tanto, parecem estar voltando à superfície apesar do fato que a maioria dos observadores concordariam que Washington fez uma completa bagunça do mundo pós-bipolar que prevalecia desde 1991. Já vemos o presidente da Rússia, Vladimir Putin, sendo demonizado há anos na grande mídia, comparado à Hitler por ninguém menos do que Hillary Clinton e um coro de apoio de neocons. Estamos de volta aos bunkers e a 1938, em Munique. De novo, estamos sendo convocados para nos opor ao mal, o mesmo toque de clarim soado em cada crise no ultramar, durante os últimos vinte anos.
Mas o mal somos nós. Nós começamos o problema na Ucrânia com a nossa intromissão com um governo ucraniano legalmente eleito que era admitidamente corrupto e autocrático, mas ainda assim legal. Nós, abertamente, fornecemos o tipo de apoio que permitiu a um grupo diversificado de manifestantes derrubar o presidente Viktor Yanukovich e a diplomatas dos EUA conversarem ao telefone sobre quem poderia encabeçar um governo alternativo que fosse do gosto de Washington.
E as sementes do conflito, um de uma série que tem assolado a Europa Oriental pelos últimos vinte anos, foram, realmente, plantadas antes, quando os Estados Unidos violaram um entendimento com Moscou para não tirarem vantagem da queda do império soviético, fazendo avançar sua zona de influência. Quase todos os estados da Europa Oriental agora tem um relacionamento com a União Européia, alguns como membros plenos, e a maioria também está na OTAN, uma aliança defensiva visando a Rússia. Se Moscou está alarmada, tem razão para tanto.
A Ucrânia, antigamente chamada a "pequena Rússia" devido a sua similaridade cultural com sua vizinha maior, é o local de nascimento da fé ortodoxa russa, e localiza-se totalmente na fronteira da Rússia. Putin, um nacionalista russo, não podia ignorar a ameaça à segurança nacional de Moscou, justamente do mesmo modo que os Estados Unidos nunca olhariam para o outro lado no evento de uma tomada do México por uma turba alinhada seja com a Rússia ou a China, portanto, a forma como esta crise está se desenrolando não deveria surpreender ninguém.
Um pouco de história não engorda e faz crescer. A Criméia, parte da Ucrânia, somente a partir de 1954, era um khanato tártaro sob proteção do Império Otomano até ser anexada por Catarina, a Grande, em 1783. Ela tornou-se parte da Rússia, sua capital, Sebastopol, a única base naval russa livre do gelo, operando sobre o Mar Negro. A maioria dos crimeanos identifica-se, etnicamente, como russos, antes do que ucranianos, e a Rússia continua a operar sua base naval, completa com uma grande guarnição. A Rúissia encara sua capacidade de utilizar a Criméia como um interesse de segurança nacional vital e é difícil negar que Moscou tenha interesses legítimos sobre o que ocorre na Ucrânia.
Na Europa pós-soviética, na verdade, haviam boas razões práticas para encorajar a transição para o governo popular de alguma espécie para nações que tinham sofrido debaixo do totalitarismo por quarenta e cinco anos, mas o processo saiu do controle e focou demais em introduzir normas democráticas ocidentais sem qualquer consideração pela capacidade local para absorver um tal desenvolvimento. Isso significou que aspirantes a políticos que eram bons em falar sobre democracia (e, com freqüência, falando inglês) geralmente obtinham apoio de Washington em suas revoluções pastéis e então mostravam-se líderes ou completamente corruptos, ou inapelavelmente incompetentes. Esse processo está se repetindo na Ucrânia, como foi repetido antes em lugares como a Geórgia. Como no caso desta última, que foi a agressora numa guerra com a Rússia, nós, os americanos, estamos sendo informados que devemos ficar ao lado da Ucrânia, com apoio militar, um jeito maneiroso de sugerir que os Estados Unidos precisam deter a Rússia agora, mesmo se isso signifique dar início à Terceira Guerra Mundial. O senador John McCain, como normal, está liderando a carga, proclamando que a Rússia é um "posto de gasolina mascarado de país." Se eu fosse Putin, poderia muito bem responder que McCain é um psicopata se fazendo passar por estadista.
Tudo isso poderia indicar que Washington seria sábia em fazer uma pausa e considerar seus reais interesses na Ucrânia. Eu sugeriria que não há nenhum real interesse americano, nem mesmo a velha e boa desculpa universal para intervenção de Obama, a batida "Responsabilidade Para Proteger" ou R2P (Responsability To Protect), já que não há nenhum massacre tendo lugar.
Portanto, eis aqui a verdade simples sobre a Ucrânia - nós não temos nenhum interesse nacional genuíno lá e estamos, desnecessariamente, provocando a Rússia que tem interesses legítimos. Putin pode não ser Adlai Stevenson, mas ele é um ator confiável no palco mundial que fará o que achar melhor para o seu país, e fará isso independente do que os europeus ou americanos possam pensar. Ele também, o que não é irrelevante, tem armas nucleares e sistemas de lançamento, o suficiente para destruir tanto os Estados Unidos como o resto do mundo. Washington, enquanto isso, tem pouco poder de influenciar o que está acontecendo, de qualquer forma, sendo um completo mistério por quê há tanta paixão por "fazer alguma coisa", em particular quando fazer alguma coisa, sem dúvida, fará a maior parte das coisas ficar pior, justamente como tem feito, por toda a parte, desde 1991. Apostar em sanções e despejar bilhões de dólares, que nós não temos, num poço sem fundo, não é racional. Arriscar a trazer de volta a Guerra Fria, em apoio de um grupo de novos "líderes" ucranianos, que compreendemos tão pobremente como os líderes na insurgência síria, é tolice.
Uma política externa moldada em Washington, deveria ser desenhada para melhorar a sorte do povo americano, não para refazer o mapa do resto do mundo, à grande custo tanto em vidas como em dólares. Já passou a hora de Barack Obama e John Kerry perceberem que provocar a Rússia e financiar uma ralé de supostos "democratas" enquanto intervimos na política interna da Ucrânia não é uma boa idéia. Isso não acabará melhor do que na Geórgia, Líbia, Egito, Afeganistão ou Iraque. Isso é, de fato, uma idéia muito ruim.
__________________________________
Philip Giraldi, um ex-oficial da CIA, é um editor contribuinte para o The American Conservative e diretor-executivo do Conselho para o Interesse Nacional.