Bourne escreveu:Primeiro que não é bolsista por bondade do governo. É um funcionário que recebe subsidio para que a universidade funcione e não se torne o que as caça niqueis privadas são. Apesar da bolsar ser um micharia e ter opções extras bem melhores que precisa ser feito para se manter. Impactando na qualidade negativamente do ensino como um todo.
Óbvio que não é bondade, governo não é instituição de caridade, toda iniciativa que toma tem (ou deveria ter, mas aí já é outra discussão) como objetivo obter algum benefício mais à frente para a sociedade e o país. A questão não é esta, e sim que tomar a iniciativa de bancar bolsistas no país e no exterior e ao mesmo tempo estrangular as empresas nacionais com os problemas que todos conhecemos não vai resolver nada, e isso os fatos estão mostrando, não preciso ser eu a dizer.
Segundo tem um artigo de Jorge Katz que mostra você está errado. Argumenta e ostra com dados que a industria brasileira até os anos 1970 caminhava para a internacionalização, transformando a importação de equipamentos e tecnologias em produtos de crescente valor e tecnologia agregada. Porém foi desmontado na crise dos anos 1980, completada com a abertura dos anos 1990s. Antes estava na frente ou mesmo patamar dos países do sudeste asiático.
Na verdade a história é até bem mais rica do que isso. Houve mais de um momento na história brasileira onde diferentes iniciativas voltadas ao desenvolvimento, movidas por diferentes agentes, deslancharam por certo tempo e até pareciam que iam resultar em alguma coisa permanente, mas no final por uma razão ou outra nunca duraram muito tempo. As iniciativas do Barão de Mauá (que por exemplo permitiram a construção no Brasil na década de 1850 de uma das mais poderosas marinhas do mundo), as indústrias fundadas por imigrantes europeus e seus descendentes da década de 1930 até o final da SGM (quando por exemplo várias empresas privadas brasileiras projetaram e construiram diversos modelos de aviões, que foram produzidos em séries de até várias centenas de exemplares muito antes que sequer se sonhasse com a Embraer), e é claro a tentativa do governo militar de novamente criar uma indústria nacional nas décadas de 1960 e 70, entre outras coisas com o programa de substituição de importações (que levou por exemplo ao boom da indústria bélica nacional com a Avibrás, a Engesa e a própria Embraer), todos estes ciclos existiram de fato. E acabaram.
Nenhum destes ensaios de desenvolvimento industrial teve continuidade, e hoje estamos novamente tendo que recomeçar, desta vez em um ambiente mundial mais competitivo do que nunca e com governantes que não tem a mínima idéia de como o setor industrial (e outros focados na inovação) realmente funciona. E o resultado está aí, a produção industrial caindo em plena época de praticamente pleno emprego e crescimento (ainda que modesto) da economia. Negar isso é querer discutir com a realidade.
O impulso fundamental da industrialização britânica foi a alteração social e necessidade de ganhar dinheiro com alguma coisa. Na Europa continental poder politico e militar. Na Alemanha foi brutal a intervenção do estado e elites para modernização do país e criação de uma estrutura industrial. Falar da possibilidade de ganho é fácil para o CEO, mas na mudança estrutural não manda nada.
Sempre acontecem alterações estruturais no início do processo de desenvolvimento industrial de qualquer país que se torna desenvolvido, pelos mais variados motivos, e aí ele passa de possuidor de uma ou outra empresa do setor a um pólo de criação de várias empresas dos mais diversos campos, crescendo rapidamente de forma sinérgica umas com as outras. É isso que falta no Brasil, as alterações estruturais que todos sabem quais são e o quanto são necessárias. Sem isso programas de formação de mão de obra ou de fomento à inovação são apenas iniciativas bonitinhas, nada mais do que isso.
As alterações estruturais no Brasil poderiam vir de várias formas. Por exemplo, os protestos do meio deste ano podem retornar mais fortes e se transformar em uma verdadeira guerra civil de cujos escombros emerja uma nova ordem institucional. Ou, como sonham alguns, os militares ultrajados pela comissão da verdade (e com coisas como a acusação do assassinato de JK) podem dar um novo golpe, e reiniciar o ciclo desenvolvimentista das décadas de 1960 e 70, agora em novas bases e com mais experiência. Ou poderia simplesmente ser eleito um governo competente. Mas estou perdendo as esperanças de que eu venha a ver esta última alternativa no meu tempo de vida.
Terceiro que a matriz contrata mestre e doutores brasileiros. Preferencialmente pelo estrangeiro ou seleciona internamente para ser mandado par outros unidades e incorporados a projetos. O pessoal que mexe com desenvolvimento jogos é assim. Veio a proposta, bem remunerada e foram embora. Inclusive tem uma legião trabalhando nos desenvolvedores canadenses.
Exatamente o que eu estou dizendo. Formar especialistas excelentes não quer dizer absolutamente nada se não houver condições para as empresas daqui ganharem alguma coisa com as inovações que eles podem desenvolver, o que está hoje muito longe de acontecer (e fica cada vez mais distante). O máximo que se consegue é gastar o nosso dinheiro para formar mão de obra que irá ser muito útil para ajudar no desenvolvimento de OUTROS países
(muito bom para quem pega a bolsa, mas e para nós que a pagamos com nossos impostos?). Muito mais eficiente seria por exemplo que NOSSAS empresas tivessem condições de ganhar dinheiro investindo em novos produtos e processos (hoje quase impossível pelos motivos que vivo mencionando) e depois FOSSEM LÁ FORA CONTRATAR OS ESTRANGEIROS BEM FORMADOS PARA DESENVOLVER INOVAÇÕES AQUI, que venderíamos no mundo inteiro. E isso não é nenhum sonho ou receita heterodoxa, leia sobre o início da era Meiji no Japão se quiser mais detalhes.
Quarto se programas de inovação não servem para nada, a não ser beneficiar espertinhos. Mostre os erros e cite o nome dos espertinhos. Se é tudo lixo constitui uma tarefa muito fácil. Pode fechar os programas.
Cara, conheço vários casos pessoalmente, mas não vou citá-los nominalmente porque dá até processo. Basta dizer que na empresa da qual fui sócio alguns tentaram fazer exatamente isso, e só não conseguiram porque o avaliador da FINEP não soube interpretar os termos técnicos da proposta apresentada junto ao órgão financiador, que negou o dinheiro (acabou fazendo o certo pelo motivo errado). Não é só no setor da educação que existe um monte de picaretas.
Mas este não é o ponto. O ponto é que criar programas de inovação e ao mesmo tempo manter a economia estrangulada como acontece hoje no Brasil é a mesma coisa que construir um excelente chassis de fórmula um, mas instalar nele um motor de fusca, pneus recauchutados, colocar gasolina batizada e depois querer ir para a pista disputar com a Ferrari, a McLaren e a Red Bull. Precisa ser algum gênio para adivinhar o resultado? E se sabemos o resultado, vamos investir no desenvolvimento do tal chassis pra quê?
Aliás, se tem uma coisa que funciona na politica industrial, federação das industrias são a área de apoio a inovação de pequenos e médios negócios, conjunto com a área intencional. O resto é uma piada e defendem interesses não muito nobres dos barões da grande industria.
Funcionariam, se houvesse a possibilidade das inovações realmente serem aproveitadas comercialmente pelas empresas. E a prova de que não podem é justamente o estado atual do nosso setor industrial, ou você discorda que ele esteja em crise sendo as mais penalizadas justamente as pequenas e médias empresas? É evidente que em um país com 200 milhões de habitantes e uma economia entre as dez maiores do planeta sempre se poderão apontar exceções, empresas que deram certo apesar de todos os problemas e conseguiram se firmar e crescer. Mas isso está muito longe de ser a regra, o mais comum é que elas simplesmente fechem após poucos anos de mercado, sejam compradas por multinacionais bem maiores ou simplesmente sobrevivam marginalmente, sem possibilidade de crescimento ao longo do tempo. Um ou outro contra-exemplo não vão nos transformar em um país desenvolvido.
O quinto e maior erro é achar acreditar que esse "ambiente de negócio" favoreceu a industrialização de algum. Os EUA, Alemanha, França, União Soviética, Coreia e China eram (ou ainda são) um inferno da burocracia. Esse definição é coisa de 20 anos ou menos, propagado pela imprensa que não sabe nada.
Eles podem até ter uma burocracia infernal, mas não tanto como a nossa. Você já ouviu falar de escritórios de contabilidade por lá rejeitarem clientes de porte do setor industrial por excesso de complicação da legislação? Pois aqui eu já vi até isso. E na empresa onde trabalho agora (que tem escritórios pelo mundo inteiro) o responsável pela área financeira já disse que se soubesse das complicações existentes no Brasil não teria montado um escritório aqui, teria continuado a trabalhar através de revendas mesmo ganhando menos dinheiro com isso.
E a burocracia é apenas UM dos inúmeros entraves às nossas atividades econômicas, mas nem de longe o único. Muitos e muitos outros fatores influenciam o ambiente de negócios, indo da própria tradição empresarial até o valor da moeda, passando por infra-estrutura, disponibilidade de insumos a custos competitivos, financiamento, garantia de acesso a mercados e etc... . Você sabe que os países que citou tomam muito cuidado com todas estas coisas e vão até a guerra por causa disso, e quando algum governo descuida de algum destes pontos a economia logo se ressente e eles tomam alguma atitude para devolver a competitividade às suas economias. A manutenção desta competitividade ao longo do tempo é que garante a possibilidade do desenvolvimento de uma cultura inovadora. E é isso que não temos por aqui.
Leandro G. Card
P.S.- Não faça a mínima idéia de quem seja este tal de Ha-Joon Chang. Quem é ele afinal?