Túlio escreveu:Cheguei atrasado ao debate, li até o fim mas, por interessante que ficou, e por instigante que são as questões que colocaste, Leandro véio, começo daqui deste teu post:
Bueno, a arma fez sim diferença em diversas ocasiões. Para não recuar muito no tempo, lembremos das vantagens auferidas pelos Prussianos com seus fuzis Dreyse de ferrolho. Ou dos atiradores independentistas dos EUA, com seus mosquetes raiados contra os de alma lisa dos Ingleses. Ou dos Bôeres que, com seus Mausers, resistiram por anos a fio contra o poderoso Império Britânico, este com armamento inferior.
Túllio, se você ler os meus posts seguintes verá que não me refiro a mudanças de geração das armas, como nestes casos mencionados, mas a armas dentro da mesma geração. Por isso meu exemplo mais recuado é a Guerra da Secessão americana (embora pelo que sei os ingleses tenham vencido várias batalhas contra os revoltosos americanos mesmo com seus fuzis de alma lisa, pois o mosquete inglês garantia maior cadência de fogo e a disciplina de seus soldados permitia que se aproximassem das unidades revolucionárias para compensar o menor alcance, um caso interessante e bastante estudado de inesperada inacurácia dos atiradores - e não foi o long rifle americano que virou a maré naquela guerra). Já no caso da Guerra dos Bôeres também não foram as armas leves que fizeram o sucesso dos sul-africanos, mas as táticas de atacar e sumir no interior (guerrilha). Quando eles davam batalha campal aos ingleses perdiam, mesmo com armamento superior.
Podemos extrair lições das campanhas insulares dos EUA na 2GM contra o Japão. Este era defendido por veteranos em guerra na selva mas cujo equipamento era em sua esmagadora maioria composto por longos fuzis de ação manual de ferrolho, além de umas poucas metralhadoras e ainda menos SMGs. Já os ianques operavam em sua esmagadora maioria com armas de alimentação automática, como os M1 Garand e as M1 Carbine e tinham ainda abundância de armas de disparo automático, como as SMGs Thompson e "Grease Gun" - estas últimas são (tipo de arma, SMG), a meu critério pessoal, o que de melhor há para combates em ambientes fechados, como selva e urbanos (tipo "house clearing"), junto com as espingardas.
Os Japoneses tinham soldados, repito, veteranos em campanhas na selva e ainda por cima verdadeiros fanáticos, já os ianques eram praticamente novatos. Mas venceram, mesmo quando o apoio aéreo, naval e de artilharia era sofrível. A excelência dos soldados Japoneses era limitada pela inadequação de seu armamento leve ao TO em que operavam.
Pelo que sei no início da guerra, quando os japoneses invadiram as Filipinas, Bornéu, a Indochina e outros lugares também enfrentaram americanos, britânicos, australianos e holandeses na mesma situação no que se refere às armas, e venceram facilmente usando a superioridade momentânea de sua marinha e força aérea. A maré virou quando as forças aeronavais japonesas foram derrotadas e as guarnições nas ilhas ficaram isoladas, sem receber suprimentos, munições ou reforços, e tiveram que enfrentar os americanos que trouxeram a maior e mais poderosa força aeronaval que o mundo já viu para dar apoio aos seus infantes.
Não foram as armas leves superiores dos americanos que derrotaram o Japão.
Mas foi a idéia central - ou que imagino ser - do teu post é que me chama mesmo a atenção. Ou entendi errado ou poderíamos muito bem ficar de FAL para sempre ou até retroceder ao FO que não haveria maior diferença, afinal, mísseis, artilharia e veículos é que fariam o grosso do serviço.
Na verdade em termos de eficiência em combate acho que se perderia mesmo muito pouco se continuássemos de FAL, é o que temos hoje e nem por isso ouço falarem que a infantaria do EB seria inútil em combate contra outras forças equipadas com fuzis top de linha. O que vejo comentarem é que não teríamos como resistir à superioridade aérea, a tanques realmente modernos, à profusão de mísseis que os exércitos mais avançados empregam, à guerra eletrônica e etc... .
Mas isso nem de longe quer dizer que acho que devemos abandonar quaisquer desenvolvimentos nesta área, leia minhas réplicas ao Rodrigo e verá que é exatamente o oposto. Podemos ganhar bastante como nação se tivermos a capacidade reconhecida de desenvolver e produzir armas leves eficientes e atrativas (o impacto geopolítico disso pode ser desproporcionalmente grande), isso sim vale o esforço de manter uma Imbel da vida. E se pudermos fazer isso então não custa nada ir substituindo o FAl aos poucos, conforme forem ficando velhos. Mas se for só para produzir aqui qualquer coisa desenhada lá fora, por mais modernosa que seja, então melhor ir simplesmente pegar na prateleira como qualquer país atrasado, não vale à pena o esforço de manter uma fábrica só para dar emprego a peões semi-alfabetizados e ex-generais reformados.
E aí volto aos Japoneses x EUA na selva, que aliás recobre cerca de metade do nosso território: as capacidades de uso eficaz de artilharia, veículos, mísseis, etc, no TOA, por exemplo, são, creio eu, um bocado limitadas. Não se costuma levar um Oto 105 mm numa patrulha, ou um MSS 1.2, ou um Guarani na maior parte da selva. Ali o que conta mesmo é o cara com a arma portátil(*), granadas e a baioneta e/ou pistola.
Ao menos é o que penso.
(*) Considero, para enfrentamentos em mata fechada, uma SMG muito superior a um fuzil e não entendo porque o pessoal dos BIS entra no mato de PARAFAL quando poderia usar uma arma muito mais adequada.
Lembro muito bem de uma conversa que acompanhei entre meu pai e o coronel Gélio Fregapani, onde este último dizia que a melhor arma para a guerra na selva amazônica seria uma escopeta anabolizada. Simplesmente não dá nem tempo de fazer pontaria e espalhar chumbo é a forma mais eficiente de tentar atingir alguém que corre ou se esconde entre as árvores. E o alcance dos fuzis é praticamente inútil quando o "horizonte" entre os troncos está há poucos metros. Mas parece que existem restrições ao uso deste tipo de arma, coisas tipo a Convenção de Genebra ou sei lá.
Mas acho que de fato nestes cenários o que manda é a granada, lançada manualmente ou com aqueles lançadores acopláveis aos fuzis, que teriam como utilidade principal justamente servir de base para eles. E complementada pelas sub-metralhadoras mesmo.
De qualquer forma, temos que manter em mente que este é um terreno considerado um atoleiro em termos militares, que torna praticamente inviável qualquer avanço organizado de forças realmente importantes em distâncias realmente úteis. É um cenário para uma eterna luta de atrito, não para se decidir uma guerra. Um inimigo que quisesse montar um ataque realmente importante evitaria se embrenhar na mata e se manteria nas estradas e trechos de vegetação mais aberta. Lutar no meio das árvores não é tarefa para grandes exércitos, e sim para pequenas unidades especiais, e estas precisam sim de equipamento dedicado e adequado.
Leandro G. Card