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Mensagem
por marcelo l. » Qua Dez 05, 2012 10:28 pm
1,19%, continuaria medíocre, mas é bom notar que mesmo medidas positivas para economia podem pela forma de calculo trazer resultados inesperados como ocorre com a queda dos juros.
A queda da Selic reduziu o PIB?
Autor(es): Francisco Lafaiete Lopes
Valor Econômico - 04/12/2012
O Produto Interno Bruto (PIB) é uma medida do volume de bens e serviços produzidos na economia em determinado período. No Brasil os serviços constituem cerca de 60% do PIB e os serviços de intermediação financeira constituem cerca de 10% dos serviços, ou seja, 6% do PIB.
Ao longo dos últimos quatro trimestres, o PIB a preços correntes (isto é, incluindo um componente de inflação) aumentou 4,93%, enquanto o PIB dos serviços a preços correntes aumentou 7,1%. Como o deflator implícito do PIB total, que é uma medida de inflação derivada do cálculo das contas nacionais, aumentou 4,03%, o aumento em termos reais foi de 0,87% para o PIB total. Já para o PIB dos serviços, o aumento em termos reais foi de 1,36%, o que significa que o deflator implícito para esse setor aumentou 5,7%. Ou seja, houve mais inflação nos serviços do que no PIB, o que faz todo sentido tendo em vista o aumento de 14% no salário mínimo.
O que não faz sentido, porém, é que, em virtude da redução da taxa Selic ao longo dos últimos quatro trimestres, a contribuição do setor financeiro ao PIB em termos reais tenha sido negativa, igual a menos 1,02%. Nesse mesmo período, segundo o IBGE, a contribuição a preços correntes dos serviços financeiros caiu 4,95%.
Os economistas que projetam uma reativação já em curso podem não estar afinal tão enganados
Como entender isso? Como é possível que a redução das taxas de juros na economia tenha produzido uma redução do volume de serviços financeiros à disposição da população? Como é possível explicar que a queda da Selic tenha tornado o país mais pobre?
Não há dúvida de que o IBGE procura sempre utilizar a melhor metodologia internacional para construir os números do PIB. No caso dos serviços financeiros usa os novos critérios sugeridos em 1993 pelo Sistema de Contas Nacionais da ONU. A ideia é medir de forma indireta o PIB gerado por uma grande parcela da produção de serviços financeiros em que não ocorre a cobrança direta de tarifas, ao contrário do que acontece, por exemplo, no caso do aluguel de cofres bancários. Para aquela maior parte dos serviços financeiros, a metodologia simplesmente multiplica o spread bancário, isto é, a diferença entre as taxas de juros nas pontas de empréstimo e captação, pelo volume total de crédito. Este conceito é denominado nos textos de língua inglesa de FISIM, isto é, "financial intermediation services indirectly measured".
No Brasil, o IBGE adota o mesmo conceito sob o nome SIFIM, apenas adicionando uma pequena "jabuticaba" quando inclui o spread auferido pelos bancos comerciais na captação de depósitos que são majoritariamente aplicados em títulos do governo rendendo a taxa Selic. É como se os bancos prestassem um serviço à sociedade que é remunerado por esse "spread de captação". Essa "jabuticaba" reflete uma característica especial da realidade brasileira, mas na realidade não significa problema maior para a metodologia.
O problema maior parece estar na aplicação automática, sem grande cuidado e reflexão mais profunda, da metodologia à realidade brasileira atual. O que temos aqui é uma economia que passa por importante processo de remonetização e de expansão do crédito como percentual do PIB, ao mesmo tempo em que ocorre uma queda importante nas taxas de juros e nos spreads bancários.
O problema está na definição do valor real do SIFIM, o que mesmo na literatura estrangeira é considerado problema não trivial. Veja por exemplo o que escreve Andrew Haldane, diretor executivo para estabilidade financeira do Banco da Inglaterra, no texto "The contribution of the financial sector: miracle or mirage?": "Estimar uma medida real do SIFIM é uma atividade repleta de dificuldades tanto conceituais como computacionais... Métodos para medir o valor dos SIFIM a preços constantes são [tipicamente] baseados em convenções. No Reino Unido, o valor real do SIFIM é calculado pela aplicação dos spreads de juros do ano-base sobre um indicador adequado do volume de empréstimos e depósitos. Esse último é estimado deflacionando os estoques correspondentes de empréstimos e depósitos usando o deflator do PIB. Este método implica em que qualquer volatilidade no valor dos SIFIM a preços correntes, causada por alterações dos spreads de juros, não irá contaminar a medida do valor real".
O IBGE, na sua nota metodológica nº 13, anuncia uma solução equivalente: "O índice de volume do valor de produção do SIFIM foi obtido implicitamente a partir da razão entre a soma do valor de alguns ativos (empréstimos) e passivos (depósitos) a preços constantes no ano /trimestre em questão e a preços correntes no ano anterior. A soma do valor a preços constantes dos ativos e passivos foi calculada através da deflação do valor corrente pelo deflator do Produto Interno Bruto (PIB)".
Ou seja, a metodologia do IBGE segue o padrão internacional. Consiste em tomar a soma dos valores nominais de empréstimos e depósitos e deflacioná-los pelo deflator implícito do PIB. Com base nesse agregado pode-se calcular a medida da variação do SIFIM em termos reais pela simples variação desse agregado. Dessa forma consegue-se eliminar da medida do valor real do SIFIM qualquer elemento de volatilidade nos spreads de juros, como sugerido por Haldane.
Vejamos o que isso implica no caso brasileiro atual. Nos últimos quatro trimestres, o agregado representado pela soma do valor total dos empréstimos do sistema financeiro mais o M4 aumentou 17,57%. Nesse mesmo período, o deflator implícito do PIB aumentou 4,03%. Logo, a variação real do SIFIM deveria ser de 13,02%, algo muito diferente do 1,02% negativo apurado pelo IBGE.
Podemos examinar conceitos alternativos. Por exemplo, se somarmos o valor total apenas dos empréstimos do sistema financeiro privado ao valor do M2 (que adiciona ao M1 os depósitos de poupança e títulos privados), mas excluindo papel moeda em poder do público, chegamos a uma variação de 9,5%. Alternativamente, se somarmos o valor total dos empréstimos do sistema financeiro privado ao valor do M3 (que adiciona ao M2 quotas de fundos de renda fixa e operações compromissadas), novamente excluindo papel moeda, chegamos a uma variação de 16,3%.
O IBGE apurou uma variação nominal do valor dos SIFIM de menos 4,95%, que parece razoável levando-se em conta a redução dos spreads bancários. O que parece menos claro é como chegou à variação negativa de 1,02% para o valor real do SIFIM.
É instrutivo perguntar como seria possível compatibilizar uma variação nominal de menos 4,95% com, por exemplo, uma variação real de mais 13,02%. A resposta, obviamente, é que o deflator implícito correto para o SIFIM não é o deflator implícito do PIB, particularmente quando os spreads bancários estão mudando de forma significativa. No presente caso, a variação do deflator implícito dos SIFIM teria sido de menos 15,90% (calculado dividindo um menos 4,95 sobre 100 por um mais 13,02 sobre 100).
Essa conclusão faz todo sentido. Se o spread bancário está caindo fortemente, o valor nominal do SIFIM pode ter variação negativa, o que indica que uma renda nominal menor está sendo apropriada pelo setor financeiro. Ao mesmo tempo, porém, ocorre uma forte expansão da intermediação financeira, o que significa um aumento da "produção" real de serviços financeiros, medido através da elevação do volume de empréstimos e depósitos.
De certo modo, o que está acontecendo aqui é o inverso do que está acontecendo com a produção de serviços pessoais, para os quais o deflator implícito está associado ao salário mínimo. Nesse caso, o aumento do salário mínimo acima da inflação implica em que a variação do deflator implícito adequado para o setor é superior à variação do deflator implícito do PIB total. No caso dos SIFIM, a queda dos spreads bancários implica em que a variação do deflator implícito adequado para o setor é muito inferior à variação do deflator implícito do PIB total.
É uma distinção complexa e bastante sutil, mas da maior relevância prática. Se o IBGE estivesse medindo a variação real do PIB do setor financeiro em mais 13,02%, ao invés de menos 1,02%, e considerando que esse setor corresponde a aproximadamente 6% do PIB, a variação calculada para a variação percentual do PIB total nos últimos quatro trimestres mudaria dos 0,87% divulgados para 1,72%. Se fosse utilizada a variação dos empréstimos privados mais M2, que foi de 9,5% nos últimos quatro meses, a variação percentual do PIB total mudaria para 1,19%.
Essas discrepâncias podem ser consideradas pequenas, mas no momento atual, com toda essa conversa sobre o "pibinho" e a aparente dificuldade para retomar o crescimento, devem ser mais bem entendidas. Podem estar sugerindo que os economistas que projetam uma reativação já em andamento não estão afinal tão enganados e que quaisquer medidas adicionais de estímulo para reaquecer a economia são agora absolutamente desnecessárias.
Francisco Lafaiete Lopes é Ph.D.em Economia pela Universidade de Harvard e ex-presidente do Banco Central
"If the people who marched actually voted, we wouldn’t have to march in the first place".
"(Poor) countries are poor because those who have power make choices that create poverty".
ubi solitudinem faciunt pacem appellant