O Clube do Escudo
Ao final da década de 90, a Armada Española tomou uma decisão transcendental sobre sua próxima geração de fragatas. É o que veremos a seguir. - Dr. José Manuel Sanjurjo Jul
A decisão era difícil, e foi preciso levar em conta aspectos operativos, econômicos, de risco e a participação da indústria nacional. No fim, foi decidido dotar as então futuras fragatas com o sistema de combate AEGIS, gerando uma das soluções mais inovadoras da construção naval nos últimos anos: a fragata classe “F100”.
A decisão significou que a Marinha espanhola estaria portanto entrando no “Clube do Escudo”, o reduzido grupo de marinhas capazes de operar o sistema AEGIS, e assim passando a dispor do mais eficaz sistema de defesa aérea naval, com a capacidade potencial de convertê-lo no componente naval de um escudo contra mísseis balísticos.
Capacidade operativa sem igual
Segundo a mitologia, AEGIS foi o mágico escudo protetor que Hefesto forjou para Atena — sendo, portanto, um nome bastante adequado para simbolizar a capacidade de um sistema de defesa aérea embarcado. O desempenho operativo do sistema é realmente excepcional.

A imagem mostra as quatro fragatas “F100” da Armada Española navegando juntas.
Em termos de cobertura, tempo de reação e número de alvos que podem ser enfrentados simultaneamente, o sistema não tem concorrente. E estamos falando não de parâmetros medidos em simulações teóricas, mas um sistema que um histórico de milhares de tiros reais contra alvos realistas em raias de tiro instrumentadas, o que permite a correta avaliação de sua eficácia. Para resumir os elementos essenciais do sistema que contribuem para essa capacidade operativa, seria lógico que se começasse pelo verdadeiro núcleo, o radar SPY.
Trata-se de um radar multifunção de antenas fixas, capaz de executar todas as funções necessárias à defesa antiaérea: busca aérea, varredura do horizonte, acompanhamento de alvos, enlace de comunicação com os mísseis em voo e gerenciamento dos iluminadores. Outras soluções disponíveis no mercado de radares multifunção separam a função de busca, o que obriga a instalação de um grande radar de busca adicional, com antena rotativa, o que não só penaliza a plataforma mas também aspecto que talvez seja mais importante ainda aumenta o tempo de reação do sistema.
É intuitivo que um radar com antena rotativa, por mais avançado que seja, prolonga o tempo decorrido entre o momento em que se determina que se trata de um alvo a ser batido e o instante do lançamento do míssil interceptador. Quando se enfrenta mísseis antinavio supersônicos, por exemplo, o tempo de reação é questão de vida ou morte.
O segundo elemento a destacar é o Sistema de Lançador Vertical Mk.41, de inquestionável confiabilidade, conseqüência da robustez do projeto e de suas características de segurança. Esse é o elo que dá a necessária flexibilidade ao sistema para se adaptar a diferentes tipos de armas e suas evoluções. O Mk.41 pode lançar a família completa de mísseis Standard SM-2, SM-6, as diferentes configurações do mísseis BMD (Ballistic Missile Defense, ou de Defesa contra Mísseis Balísticos) SM-3, o Evolved Sea Sparrow Missile (ESSM) e o Tomahawk.

O sistema AEGIS (duas das antenas fixas dos quais são claramente visíveis) combina todas as funções necessárias à defesa antiaérea.
Essa enorme adaptabilidade permite configurar um sistema de combate com capacidades completamente diferentes para missões e cenários cada vez mais cambiantes e imprevisíveis.
O terceiro elemento fundamental é a família de mísseis Standard. Durante muitos anos, o radar SPY e esses mísseis evoluíram em paralelo, formando um casamento perfeito tanto do ponto de vista operativo como do ponto de vista técnico.
A estratégia do guiagem do AEGIS permite ter simultaneamente em voo vários mísseis dirigidos a um elevado número de alvos, no caso de um ataque de saturação, e a todos estando assegurada uma elevada probabilidade de acerto. Uma vantagem muitas vezes esquecida dos mísseis Standard mas que tem grande importância tática é a não utilização de um motor de impulsão (booster) que se destaca durante a primeira fase do voo.
O motor é um só, com duas camadas internas: uma para a fase de aceleração e outra para manter a trajetória de cruzeiro. Quando se proporciona defesa antiaérea a uma formação naval, esta é uma grande vantagem em relação aos mísseis com booster destacável, pois a queda de um booster esgotado sobre o convés de um navio-aeródromo ou anfíbio que faça partpp da formação a ser protegida pode ter conseqüências catastróficas.
“F100”: a solução inovadora
Vale a pena esclarecer que o sistema de armas AEGIS instalado nas fragatas “F100” é exatamente o mesmo que mobília os contratorpedeiros americanos da classe “DDG-51/Arleigh Burke”: esses últimos possuem dois conjuntos de lançadores.
Até o projeto da “F100”, era quase que aceito como dogma o fato de que o sistema SPY necessitava plataformas de cerca de 9.000t de deslocamento. O elemento inovador do projeto espanhol foi conseguir um navio que, em pouco mais de 6.000t, fosse dotado do mesmo desempenho operativo antiaéreo (com a ressalva acima), e logicamente obedecendo a todos os padrões de estabilidade. Mas as “F100” foram inovadoras em outros aspectos.
Não se deve esquecer que, pela primeira vez, foi completamente integrado o sistema de armas AEGIS com um sistema de combate de desenvolvimento local, sendo a fonte dos sinais absolutamente desconhecida para os operadores, não se sabendo se provém de um sistema ou de outro.
Essa inovação sem precedentes abriu caminho para sistemas como o das fragatas “F310/Fridtjof Nansen” da Marinha norueguesa e o que futuramente dotará os novos contratorpedeiros da Royal Australian Navy (classe “Hobart”). O assunto tem grande importância para futuros clientes que desejem integrar o AEGIS a seus próprios sistemas nacionais, pois agora sabe-se como fazê-lo e como gerenciar o risco.
Sistema aberto
Outro dogma que provou ser falso foi a crença de que o sistema AEGIS era fechado, baseado numa arquitetura rígida,e que não admitir qualquer mudança. Nada mais distante da realidade, pois o sistema tem demonstrado enorme flexibilidade para ir adaptando sua arquitetura ao processo evolutivo da tecnologia. A arquitetura do sistema adotado na “F100” está totalmente baseado em hardware COTS (Commercial Off-The-Shelf, ou Comercialmente Disponível) e em linguagens comerciais, e demonstrou grande flexibilidade em integrar novas capacidades.
Adaptabilidade a novos cenários
Se o autor tivesse que definir a era na qual entramos, diria que é de mudanças e incertezas. O cenário de segurança e defesa está rapidamente evoluindo, e cada vez é mais difícil prever qual será o próximo conflito. Mas uma coisa parece certa: se extrapolarmos algumas tendências que já são atualmente visíveis, previsivelmente vai aparecer a ameaça de mísseis antinavio de próxima geração: por um lado, mísseis de cruzeiro, de perfil de voo rasante e de baixa seção radar, e de outro mísseis antinavio de trajetória balística e de longo alcance.

O míssil Standard, lançado a partir do Sistema de Lançamento Vertical Mk.41, é elemento importantíssimo da capacidade antiaérea das fragatas “F100”.
Qualquer profissional da área de defesa sabe das dificuldades que um sistema antiaéreo naval tem para se contrapor a esses mísseis. A defesa antiaérea “convencional” está novamente ganhando importância. Por outro lado, a proliferação da tecnologia de mísseis balísticos de curto e médio alcances representa uma séria ameaça. Por isso, é imprescindível um sistema com capacidade de interceptar mísseis balísticos, e esse é por enquanto o único sistema naval com capacidade BMD.
Conclusão
Além da U. S. Navy, atualmente pertencem ao “Clube do Escudo” quatro outras Marinhas com significativa capacidade tecnológica: as do Japão, Coréia do Sul, Austrália e Noruega. Na faixa de 6.000t, a classe “F100” continuará sendo uma plataforma com excepcionais características operativas e com excelente capacidade de crescimento, para adaptar-se a novas missões, como a defesa contra mísseis balísticos. Uma opção perfeita em termos de risco e custo, que permitirá a outras marinhas incorporar-se a esse Clube.
http://www.segurancaedefesa.com/F100_AEGIS.html