03/09/2011
Esta é a ilha do futuro
O maior centro de P&D do Brasil começa a ser erguido na cidade universitária, na zona norte do rio. A área, conhecida pela pobreza, vai atrair R$ 2 bi em investimentos
Por Carlos Rydlewski
ESTÁ ASSIM
O campus da UFRJ, à beira da Baía da Guanabara, vai abrigar 11 laboratórios de empresas privadas. A conclusão da maior parte das obras está prevista para o fim de 2012
A Ilha do Fundão, na Zona Norte carioca, é marcada por desolamento, distância, aridez e pobreza. Cercada por favelas que se unem no Complexo da Maré, é uma área contaminada pelo mau cheiro. O odor é provocado por um aterro que tampou seus canais naturais, nos anos 50, para a construção do campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pois é nesse cenário que está nascendo um dos principais polos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do mundo. Aqui, ocorre um processo oposto ao que caracterizou a explosão demográfica fluminense. Em vez do surgimento e crescimento de favelas em torno das áreas onde mora a elite econômica, o que se vê é uma invasão de doutores em um espaço tradicionalmente favelizado dos manguezais da Baía da Guanabara.
E põe doutor nisso. Espera-se que o complexo de laboratórios de empresas de ponta leve à criação de 5 mil empregos qualificados nos próximos cinco anos. Desses, cerca de 2,5 mil serão pesquisadores – o dobro do que tem um dos maiores centros de conhecimento do mundo, o Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. Os lotes para a construção dos laboratórios estão esgotados, mas existe demanda por novas áreas. No último processo de licitação, concluído em junho, havia quatro candidatos para três vagas. “Nunca pensei que as empresas disputariam nosso espaço a tapas”, diz Maurício Guedes, diretor do parque tecnológico da UFRJ, inaugurado em 2003. “Agora, queremos expandir nossas instalações e estamos negociando a incorporação de outros terrenos.” Na mira de Guedes estão 200 mil metros quadrados contíguos ao polo, que pertencem ao Exército.
A grande inspiração para o nascimento desse complexo é o fundão. Não a ilha, mas o fundão das bacias de Santos, Campos e Espírito Santo, onde a Petrobras descobriu reservas imensas de petróleo, enterradas a 7 mil metros abaixo do nível do mar – uma região além da camada de sal, cuja espessura pode atingir dois quilômetros. O desafio para a exploração do produto nesse terreno é tamanho que exige uma espécie de reinvenção da indústria. (Esqueça a imagem das tradicionais plataformas flutuantes. Elas serão substituídas por imensas fábricas submersas, instaladas no fundo do oceano.) É isso o que leva 11 empresas nacionais e estrangeiras e a própria UFRJ a investir mais de R$ 2 bilhões no polo que ocupa 350 mil metros quadrados, a área de 42 campos de futebol. São grupos como Petrobras, GE, Usiminas e Siemens.
O objetivo primordial de todos é dobrar a produção de óleo e gás do Brasil até 2020. Por isso a Petrobras investiu R$ 1,2 bilhão na ampliação de seu laboratório na Ilha do Fundão. Mas um conglomerado desse tipo provoca impactos muito mais abrangentes na economia, e até na cultura da região. Na Coppe, o centro de pós-graduação de engenharia da UFRJ, formam-se 200 doutores por ano. No Brasil, foram titulados 1.284 nessa mesma área em 2009, o dado mais atual. O volume não vai ser suficiente para suprir a demanda – principalmente porque os demais setores da economia nacional já sentem falta de mão de obra qualificada.
Mais do que um paraíso para quem investe nos estudos, um polo de P&D tende a irradiar inovação, germinando novos negócios. Um exemplo é a Aquamet, já instalada no parque tecnológico da UFRJ. A empresa foi criada em 2008 pelos engenheiros civis Fábio Hochleitner, 39 anos, e Ricardo da Silva, 37. Ambos fizeram o doutorado na Coppe na área de meteorologia, e desenvolveram modelos matemáticos para simular o comportamento da natureza e seguir o avanço de manchas de petróleo no mar. A ideia é diminuir os danos de acidentes. Além de mapear a trajetória do óleo, o programa envia dados para dispositivos móveis, como celulares e tablets. “Esse recurso é útil para que as equipes de emergência tenham acesso a informações em qualquer lugar. Elas vão saber o que ocorre naquele momento com a mancha e qual a previsão do que acontecerá”, diz Hochleitner. “Esse tipo de solução seria útil, por exemplo, no acidente do Golfo do México, em abril do ano passado.”
Embora a clientela à vista seja a indústria petrolífera, o programa da Aquamet prevê variações meteorológicas para auxiliar empresas de energia a gerir recursos hídricos. Essa era, aliás, uma das ideias originais da empresa. “Nós fazíamos consultorias desde 2002 e percebemos que muitas empresas viviam em um buraco de informações”, diz Hochleitner. “Uma companhia do setor energético precisa saber qual a previsão de chuva em determinado período e quanto dessa precipitação será convertida em energia.” A Aquamet faturou R$ 400 mil em 2010. A previsão é que esse valor chegue a R$ 1 milhão este ano.
A Pam Membranas, outra pequena empresa do polo do Fundão, desenvolveu um sistema de filtros por membranas com bilhões de poros minúsculos, capazes de reter até microrganismos. A tecnologia nasceu de uma tese de doutorado de 1992. “Só conseguimos abrir espaço no mercado nos últimos cinco anos”, afirma Ronaldo Nobrega, sócio da empresa. “Hoje, testamos novas aplicações do produto tanto em máquinas de hemodiálise como em fábricas de cerveja.” Ele negocia a instalação de seus filtros para efluentes em todo o polo de pesquisas.
Nobrega, um ex-professor de engenharia química de 65 anos, é o típico empreendedor persistente. Há três décadas tenta criar sua empresa. Nos anos 80, quis vender um projeto de dessalinização de água no Nordeste, com filtros similares. No início dos anos 90, tentou vender sua tecnologia para aplicações hospitalares, também sem sucesso. Anos depois, um fabricante de filtros de água o procurou para desenvolver um produto nos mesmos moldes do que ele já havia feito anos antes. “Em vez de procurar um empresário para bancar o projeto, resolvi abrir o negócio”, afirma. “O mercado havia despertado para o problema da água.” Em 2004, ele se aposentou na UFRJ. O faturamento da Pam Membranas tem dobrado todos os anos desde 2006. A receita anual é de R$ 2 milhões.
OLHO NO ÓLEO
O polo dá oportunidade a empresários cientistas como Ronaldo Nobrega, com seus filtros feitos de membranas, e Marcus Gandier (abaixo), que faz softwares de realidade virtual
CHIPS COM FÔLEGO
Manlio Mano e Carlos Beisl, da OilFinder, no supercomputador da UFRJ: “Precisamos de máquinas potentes para saber onde perfurar novos poços”, diz Mano
A torre dos inovadores
Também estão no polo empresas como a Seahorse, cujo principal produto é um conversor para geração de energia por meio de ondas, marés e correntes. Ou a ForeBrain, uma das primeiras empresas nacionais a atuar no ramo de neuromarketing. Ela usa recursos como a ressonância magnética e o eletroencefalograma para identificar variações da atividade cerebral. Com isso, tenta entender as reações do consumidor diante de uma propaganda, um produto ou uma embalagem – é a aplicação da neurociência em pesquisas de comportamento do consumidor.
Esses exemplos estão alinhados com um dos pilares do parque tecnológico fluminense: o estímulo ao empreendedorismo. Existe um projeto para a construção de um prédio de 20 andares na região, batizado de Torre da Inovação. Ele abrigará pelo menos uma centena de novas pequenas e médias empresas nacionais e internacionais. A obra deve ser concluída em 2014. Hoje, a universidade abriga 16 jovens companhias em uma incubadora para novos negócios (incluindo as quatro citadas acima). A maioria é comandada por doutores formados na Coppe. O novo edifício deve multiplicar os casos de ligação direta entre a ciência e o mercado.
As oportunidades para empreendedores no Fundão são tão amplas como é grande o desafio de extrair petróleo nas profundezas do oceano, a mais de 300 quilômetros de distância da costa. A tarefa exige, por exemplo, uma investigação minuciosa do comportamento de camadas geológicas situadas a sete quilômetros da superfície. Grande parte da parafernália tecnológica empregada nessa ação terá de ajudar os pesquisadores a imergir no oceano. Essas ferramentas, como o telescópio de Galileu, vão funcionar como extensões dos sentidos, aumentando a capacidade da percepção humana. “Nessa frente de trabalho, empregaremos recursos como a realidade virtual, novos sensores, sistemas de transmissão de dados, nanotecnologia e robôs para conhecer, reproduzir e atuar em um ambiente novo”, diz Carlos Tadeu Fraga, gerente executivo do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes).
O desenvolvimento dessas novas tecnologias também desemboca na criação de novos negócios. A Virtualy, instalada na incubadora do parque da UFRJ desde 2007, atua em um desses ramos. Usa a realidade virtual para criar simuladores de guindastes portuários, pequenos aviões e helicópteros. A Ambidados, outro subproduto da Coppe, produz desde 2006 boias de fibra de vidro equipadas com sensores. No mar, elas captam e processam dados como a altura das ondas, além da intensidade dos ventos e das correntes. As informações são transmitidas por satélite para os navios, facilitando a movimentação de embarcações em portos. As soluções empregadas por essas companhias estão no topo da cadeia tecnológica do parque.
A nova infraestrutura do centro de P&D é mais uma ferramenta à disposição dos cientistas empreendedores. A OilFinder, criada em 2010 pelo oceanógrafo Manlio Mano, de 36 anos, e pelo geólogo Carlos Beisl, 41 anos, vive essa expectativa. A dupla desenvolveu um sistema que funciona como um detetive em alto-mar. Ele usa imagens de satélite para identificar vazamentos de petróleo provocados por causas naturais, como abalos sísmicos. As fotos são analisadas por um programa de computador. “O modelo faz uma viagem no tempo”, afirma Mano. “Ele reconstrói o caminho percorrido pelas manchas até encontrar sua origem.” Nesse ponto, os poços devem ser perfurados.
O sistema da OilFinder processa um grande volume de dados. Nos próximos meses, vai rodar no novo supercomputador instalado na UFRJ. A máquina foi adquirida pela Petrobras no ano passado e é a segunda mais potente do Brasil. Custou R$ 9,5 milhões. “Também estamos conversando com representantes das gigantes de P&D instaladas na universidade em busca de novos negócios”, afirma Mano. Criada com R$ 20 mil, a empresa previa faturar R$ 2 milhões entre 2011 e 2012. Esse valor, contudo, está sendo revisto. Para cima.
O polo de empresas de P&D também trará benefícios financeiros ao campus. Cada laboratório privado instalado no perímetro do parque tecnológico assumiu o compromisso de aplicar R$ 3 milhões por ano na UFRJ. Há planos ainda para fomentar a cooperação científico-tecnológica entre a iniciativa privada e a academia. “Vamos acompanhar os problemas enfrentados pelos técnicos das companhias”, diz Segen Estefen, diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe. “E indicaremos pessoas e equipes capazes de ajudá-las a resolver essas dificuldades.”
O uso compartilhado dos laboratórios de testes da universidade, entre os mais modernos do mundo em suas áreas, abre mais uma frente para a simbiose entre os mundos acadêmico e empresarial. Em maio, uma das futuras integrantes do complexo de P&D, a Tenaris Confab, fabricante de tubos de aço, assinou um convênio de R$ 890 mil com a Coppe. A companhia vai utilizar as instalações da UFRJ para avaliar a resistência de soldas, quando submetidas a baixas temperaturas no pré-sal. Elas podem atingir 150° C negativos.
O potencial é enorme, mas a maior parte do polo está no papel. Duas instalações foram concluídas. Faltam nove. A mais imponente é a extensão do centro de pesquisas da Pebrobras. Ela fica no campus, mas fora do parque tecnológico. Todo branco e com linhas arredondadas, o prédio parece uma nave espacial, pousada à beira da Baía da Guanabara. A Schlumberger, a maior empresa do mundo em serviços para a indústria do petróleo, inaugurou sua unidade em novembro. Maurício Guedes, o diretor do parque, estima que as demais unidades de pesquisa fiquem prontas até o fim de 2012. Embora incipiente, já se percebe com clareza que o complexo tem tudo para banir do Fundão termos como desolamento, aridez e pobreza. É uma chance de reescrever a história nessa ilha do futuro.
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