Considerações sobre a Carga Tributária Brasileira
Publicado em 25/09/2010 por justicafiscal
Marcus Yassuyuki Del Mastro *
27 de julho de 2010
Dentro da mesma matéria do G1, da qual falei no artigo anterior, são citados alguns países que possuem carga tributária maior que a nossa e de imediato aparece o seguinte parágrafo:
…”é importante comparar, quando se fala em carga tributária, os serviços públicos ofertados pelos países em análise. “Há uma percepção que, no Brasil, a carga é alta para os serviços prestados. Na Inglaterra e França, por exemplo, a carga é maior, mas o serviço de saúde é razoável, o que não acontece no Brasil. Aqui se paga mais por um serviço que deveria ser ofertado pelo Estado, como Educação, Saúde e segurança pública“…
Paga-se mais? Como se conclui isso? Comparando-se Cargas Tributárias? Como comparar custos por meio de porcentagens?
Para comparar a eficiência de serviços públicos não basta comparar cargas tributárias. Dois países, mesmo possuindo a mesma carga tributária (CT), poderão encontrar-se em situações muito distintas quanto aos recursos disponíveis, se:
- um deles tiver um PIB muito superior ao outro, terá também muito mais recursos para aplicar nos serviços públicos; ou
- um deles tiver uma população muito menor que o outro, terá uma pressão por serviços públicos muito inferior.
A Alemanha, por exemplo, possui uma CT de 36,2%, um pouco maior que o do Brasil. Ao mesmo tempo ela tem um PIB que é mais do que o dobro do brasileiro e uma população que é menos que a metade. Resultado: seus governantes têm em caixa 5 vezes mais recursos para aplicar em cada cidadão, o que possibilita um serviço público de qualidade muito superior. Essa diferença ocorre ano a ano, durante décadas, agravando cada vez mais as diferenças.
Na tabela a seguir, faço uma comparação entre os países desenvolvidos e o Brasil, demonstrando o quanto cada governo (em todas as esferas) têm para investir em cada cidadão anualmente.
Recursos Arrecadados/Disponíveis por Habitante em US$
Fonte: FMI, OCDE, RFB e Wikipedia
A partir desta comparação* observa-se o erro poderíamos estar cometendo ao comparar serviços públicos utilizando o conceito de carga tributária.
Nos EUA, apesar de ter uma carga tributária 19% menor que a do Brasil, os governantes têm 4,5 vezes mais recursos para investir em cada cidadão (educação, saúde, segurança…), todos os anos.
Enquanto o governo brasileiro (União+E+DF+M) tem quase de US$ 3 mil para gastar com cada cidadão, Luxemburgo tem a disposição US$ 38 mil, Noruega US$ 34 mil, Dinamarca U$ 27 mil, Suécia US$ 20 mil, Bélgica e Áustria US$ 19 mil, França US$ 18 mil, Itália US$ 15 mil, …
as diferenças são chegam a ser maiores que 1200%.
Os países que aparecem no título da matéria que utilizamos como exemplo, todos têm uma arrecadação per capita (ou recursos disponíveis para investir por habitante) muito maior que a nossa (Suíça US$ 19 mil, EUA US$ 13 mil, Japão US$ 11 mil), exceto o México (US$ 1,6 mil). Ou seja, apesar de deterem CT menores que a brasileira, arrecadam muito mais recursos para garantir bons serviços públicos.
Na comparação com os 30 países do OCDE, o Brasil ficaria em antepenúltimo lugar, só na frente de Turquia e México. Ou seja, o Brasil tem menos recursos disponíveis que Polônia, Coréia, Eslováquia, Hungria, República Tcheca, Grécia… isso mesmo, Grécia aquela que acabou de quebrar! Ela tinha 3,5 vezes mais recursos para investir em cada cidadão que o Brasil.
Além disso, devemos lembrar que os países desenvolvidos têm toda a infra-estrutura já construída (ferrovias, rodovias, portos, aeroportos, hospitais, escolas, telefonia, saneamento básico, etc) e se dedicam prioritariamente à manutenção do sistema. Enquanto no Brasil muito do dinheiro tem que ser utilizado na construção da infra-estrutura básica (casas, escolas, hospitais, saneamento básico, estradas, portos,…),
além de que boa parte dos recursos devem ser utilizados para honrar os juros de dívidas.
Esses dados não são conclusivos, mas deixa claro que não dá para aceitar o ponto de vista simplista da mídia em geral:
“Carga Tributária Brasileira é elevada e insuportável”. O primeiro indício de que a CT é suportável é que o país vive nos últimos anos um bom ritmo de crescimento.
Nossa mídia não apresenta dados minimamente suficientes e certamente não apresentam o problema de forma isenta. Muitas vezes esquecemos que as empresas de jornalismo são… empresas! E, sendo parte da iniciativa privada é normal que prevaleça o interesse privado sobre o interesse público.
Precisamos de uma reforma tributária? Claro, que torne a tributação mais justa (progressiva), mais simples e mais eficiente. A CPMF que tinha duas dessas qualidades caiu por terra. Foi uma perda lastimável, provavelmente era o tributo com o menor custo arrecadatório. Porém, houve um batalha diária para que se derrubasse a CPMF, diziam que com ela, os preços cairiam. A CPMF caiu, o tempo passou e os preços nunca caíram.
Não vejo com bons olhos essa pressão diária de se reduzir a carga tributária, pois vemos que os países onde encontramos maior igualdade social são os que possuem maior carga tributária.
Devemos observar que atualmente os investimentos do governo na economia tem tido grande relevância para o crescimento econômico. Sobre isso há dois aspectos que devemos grifar:
O Estado investe mesmo que não haja retorno financeiro, mesmo que não haja lucro. O investimento do Estado está ligado em geral a uma necessidade social, econômica e não ao lucro. Ex: educação pública, saúde pública; investimento em infraestrutura em locais pouco habitados etc;
O Estado consegue se programar para grandes investimentos que, em geral, é tipo como grande risco para as empresas. Ex: construção de grandes hidrelétricas, siderúrgicas, ferrovias etc.
Provavelmente uma montadora de veículos ache mais importante investir milhares de reais para mudar o formato de um pára-choque que investir em saneamento básico para milhares de pessoas de baixa renda.
Fico triste em ver que há muitas pessoas que foram seduzidas por essa visão de mundo que a grande mídia nos “vende” diariamente como a melhor saída possível. Que seria importante reduzir a tributação numa TV de 60 polegadas, num Home Theather, num automóvel e em muitas outras coisas por um raciocínio primário: “nossa, como seriam mais baratas as coisas”, como se o tributo fosse uma imposição inútil para a vida em sociedade e que pudesse ser descartado. Esquecem que é a tributação, de forma geral, que nos permite viver em sociedade, pois ela que mantém as instituições de Estado, que custeia toda a infra-estrutura que utilizamos (ruas, avenidas, estradas, portos, aeroportos, hospitais, água encanada, esgoto, escolas, justiça, serviços públicos, etc.), sem ela estaríamos muito próximos da barbárie.
* A comparação apresentada apresenta um problema de metodologia que porém não afeta as proporções dos valores que os países arrecadam por habitante. Os dados do PIB são de 2008, as cargas tributárias são de 2007 e a população dos países são de 2010.