Fonte: http://historia.abril.com.br/guerra/bat ... 3684.shtml
Cai um gigante, nasce outro. A França de Napoleão III cede espaço para o nascimento do Império Alemão. O combate que decidiu a Guerra Franco-Prussiana, no século 19, mudou a história da Europa para sempre
por Roberto Navarro
Encurralados na cidade fortificada de Sedan, na França, perto da fronteira com a Bélgica, entre cadáveres destroçados pela artilharia prussiana, os soldados franceses tinham ânimo sombrio naquele ensolarado 1o de setembro de 1870. Pouco mais de um mês antes, seu entusiasmo beirava a euforia. Como a maioria das pessoas na França, esperavam vencer sem dificuldades a Guerra Franco-Prussiana, confiantes no poderio financeiro e industrial de seu país. Embora inquietos com os recentes problemas políticos no governo do imperador Napoleão III, não tinham dúvida quanto à sua capacidade em esmagar o inimigo. Mas, apesar de subestimada pelos franceses, a Prússia, estado germânico na costa do Mar Báltico, tendo Berlim como capital, também atravessava um período de crescimento econômico. Havia superado a França na fabricação de aço e instalação de ramais ferroviários. Mais importante: a Prússia contava com notável máquina de guerra, apoiada num programa de convocação obrigatória.
Impulsionadas pelo militarismo, suas aspirações políticas eram enormes. Depois de ocupar a região norte do que hoje é a Alemanha e o leste da Polônia desde o século anterior, a Prússia lançou-se em guerras expansionaistas contra a Dinamarca e a Áustria. Seu principal líder, Otto von Bismarck, nomeado primeiro-ministro, em 1862, pelo kaiser Guilherme I, dedicava-se ao projeto de unificar sob sua liderança os outros estados germânicos. O imperialismo prussiano alarmava a França, ameaçada em sua posição de potência dominante na Europa.
Em meados de 1870, o príncipe Leopold de Hohenzollern-Sigmaringen, aparentado à família real prussiana, declarou-se pretendente ao trono da Espanha, batendo de frente com interesses franceses. Depois de muita ameaça, a candidatura foi retirada, mas Bismarck manipulou o incidente para jogar um país contra o outro. “Ele queria ver a unificação nacional alemã consumada e achava que uma luta patriótica contra uma agressão estrangeira viria bem a calhar”, afirma o historiador americano Theodore Hamerow, da Universidade de Wisconsin.
Do lado francês, Napoleão III estava convencido de que a França poderia derrotar a Prússia e que a vitória faria bem à sua declinante popularidade e declarou guerra em 19 de julho. Em 1º agosto, otimista com a lendária bravura do soldado francês, ordenou o avanço sobre território inimigo. Foi o primeiro erro numa série de operações mal concebidas. Apenas após alguns dias de invasão, os franceses foram obrigados a recuar. Dois de seus principais exércitos lutaram e perderam quatro batalhas seguidas. Após o último desses reveses, em Gravelotte, em 18 de agosto, as tropas francesas viram-se envolvidas pela movimentação prussiana e, duas semanas mais tarde, estavam isoladas na cidade fortificada de Sedan. A posição era estratégica, pois dominava a área do Rio Meuse, última barreira natural entre a fronteira prussiana e Paris, a capital da França. Ali, concentrava-se o destino da guerra. Todos sabiam disso e mesmo Napoleão III, doente, acometido por fortes cólicas renais, dirigiu-se para Sedan.
Guerra sem heróis
As colinas em torno da cidade haviam sido tomadas pelos prussianos, reforçados por tropas de outros estados germânicos e suas poderosas peças de artilharia. O 1º de setembro amanheceu quente, com tempo bom e ampla visibilidade, facilitando a ação dos canhões. Em meio ao bombardeio preliminar, escaramuças iniciadas na véspera intensificaram-se nas primeiras horas da manhã nos campos próximos, e numa delas o marechal Mac-Mahon, líder do exército francês, foi ferido. O comando passou então para o general Ducrot, que tentou organizar uma retirada para posições defensivas antes do avanço prussiano conseguir fechar o cerco. Ao saber disso, o general francês Wimpffen anunciou ter ordens do Ministério da Guerra autorizando-o a assumir o exército caso algo acontecesse com Mac-Mahon. As forças francesas na área eram transferidas assim ao controle de seu terceiro oficial comandante num período de quatro horas. Diante da chuva de granadas disparadas pelos canhões prussianos, Wimpffen cancelou a retirada.
Porém, o fogo da artilharia continuava causando estragos entre os franceses. Em debandada, as tropas posicionadas em campo aberto fugiram ao encontro dos homens reunidos em Sedan, permitindo que os prussianos completassem o cerco por volta das 11 horas. No começo da tarde, Napoleão III já pensava em rendição, mas sua cavalaria não e ainda lutava para romper as linhas adversárias em Floing, a cerca de 2 quilômetros de Sedan. Enquanto isso, no alto de uma colina da região, ordenanças do general prussiano Helmuth von Moltke serviam canapês e vinho branco ao rei Guilherme I da Prússia, que assistia a tudo como se estivesse na ópera ou numa corrida de cavalos. Ao lado dele no camarote improvisado, os convidados incluíam Bismarck, um repórter do jornal inglês The Times, representantes dos exércitos da Grã-Bretanha, da Rússia e dos Estados Unidos e um verdadeiro quem-é-quem da nobreza alemã, que assistia à cena bem de perto, conforme registrou mais tarde o diário de um dos convivas: “O espetáculo de carnificina era horrível, e os gritos aterrorizados das vítimas de nossas granadas subiam até onde estávamos”.
Lá embaixo, a cavalaria francesa lançou três cargas naquela tarde. Todas foram contidas pelos fuzis prussianos e pelo terreno desfavorável. Perguntado por Ducrot se poderia atacar de novo, o general Gallifet, chefe da cavalaria, respondeu: “Quantas vezes o senhor desejar, mon général, enquanto ainda sobrarem alguns de nós para lutar”. Por volta das 3 horas da tarde, os franceses fizeram uma última e desesperada tentativa. Reuniram todos os esquadrões dispersos da cavalaria e avançaram colina abaixo com o que restava da infantaria. Foram quase todos mortos.
Já não havia esperanças e Napoleão III aceitou a derrota, ordenando a rendição. As baixas francesas somaram 3 mil mortos, 14 mil feridos e 21 mil desaparecidos ou capturados, contra menos de 9 mil prussianos feridos ou mortos. Bismarck e Guilherme I receberam o imperador da França. Foi um encontro embaraçoso. Cabisbaixo, Napoleão III limitou-se a elogiar as forças prussianas e fez apenas um pedido: seguir para o cativeiro pela Bélgica. Queria evitar a humilhação de atravessar derrotado o território francês. Bismarck aceitou e, em 3 de setembro, o imperador partiu para um palácio na Prússia onde ficaria preso. Os 83 mil franceses sobreviventes não tiveram o mesmo privilégio. Debaixo de chuva, marcharam para um campo de prisioneiros, que ficaria conhecido como le camp de la misère (o campo da miséria), pelos tormentos provocados pela fome e por doenças.
A guerra estava decidida, mas não acabou de imediato. Sua segunda fase consistiu numa sustentada por guerrilheiros franceses, os franc tireurs. Mesmo tendo conseguido resultados melhores que o exército convencional, pouco podiam contra a poderosa Prússia. Cercada e bombardeada, Paris rendeu-se em 18 de janeiro de 1871 (a guerra acabou, oficialmente, em 1º de março, com a assinatura do Tratado de Frankfurt). Terminava também uma era na história das táticas militares. Formações compactas de soldados e cargas de cavalaria, de tanta importância em séculos anteriores, seriam a começar dali abandonadas pelos estrategistas europeus, substituídas pelo poder de fogo das novas armas de infantaria, pelas linhas de barragens de artilharia e pela mobilidade das tropas, principais lições dos quase dez meses de guerra entre a França e a Prússia.