NOTÍCIAS DO CERCO DE SÃO BORJA

[delmar]

O fim de ano aproxima-se e o FX2 não sairá até o dia 31. Assim vou contar a história do cerco de São Borja em vários capítulos. Parece coisa saída de algum roteiro de cinema mas os fatos são reais.

capitulo 1 - Os acontecimentos iniciais

Em fevereiro de 1815 os rebeldes uruguaios comandados pelo célebre caudilho oriental José Artigas ocupam novamente Montevidéu, que estava sob domínio do cabildo de Buenos Aires, e sonhando com a independência do Uruguai, incluindo partes do Rio Grande do Sul, cruzam a fronteira hostilizando o território gaúcho. Artigas sonhava com um país que, além do Uruguai, estendia-se pelos territórios do que são hoje, Paraguai, as províncias argentinas de Corrientes, Entre-Rios e Missiones e as Missões Brasileiras, desenhadas entre os rios Uruguai, Ibicuí , Vacacai e Santamaria. Os inimigos de Artigas eram, portanto, os portugueses e os argentinos unitaristas, da província de Buenos Aires. Ele queria um novo país, independente destes dois. A chamada Pátria Grande.
Em face desta situação D. João ordena então, nova invasão da Banda Oriental e envia a Divisão de Voluntários Reais, vinda de Portugal, formada por 4800 veteranos das guerras européias, chefiada pelo Tenente General Carlos Frederico Lecór. As tropas de Lecór chegam ao Rio de Janeiro em março de 1816 e se deslocam para Laguna, de onde prosseguem por terra para a Capitania de São Pedro, onde o Marquês de Alegrete, Governador e Comandante das Armas, já havia concentrado tropas na fronteira do Rio Pardo.
Em julho de 1816, iniciando a campanha militar, Artigas invade a Capitania do Rio Grande em três direções: São Borja - Rio Pardo, Uruguaiana - Alegrete e Santana - Alegrete. Para enfrentar a Artigas as tropas portuguesas foram divididas em duas frentes, uma comandada por Lecor que iria pelo litoral e outra por Xavier Curado, que iria pelo interior.
Antes de iniciar suas operações, o Tenente General Xavier Curado concentrou as suas tropas em Rio Pardo, entre elas o Regimento de Dragões, o Regimento de Cavalaria de Milícias, o Regimento de Infantaria de Santa Catarina e parte da Legião de Tropas Ligeiras de São Paulo, incluindo o 1º e 3º esquadrões. Entre os seus comandados estavam o Tenente General João de Deus Menna Barreto, o agora Brigadeiro graduado Joaquim de Oliveira Álvares, comandante da Legião, o Brigadeiro Francisco das Chagas Santos, comandante do Distrito das Missões e o Ten Cel José de Abreu, dos Dragões de Rio Pardo.

[delmar]

Capítulo 2 A Missão de ANDREZITO ARTIGAS

É nessa ofensiva oriental que em setembro de 1816 as tropas invasoras do cacique guarani Andrezito Artigas, um dos lugares tenente do caudilho José Artigas, tomam e incendeiam o primeiro povoado do Alegrete e a Capela de Nossa Senhora da Conceição Aparecida do Inhanduy, no local que ficou conhecido como “Capela Queimada”.
Andrezito Artigas ou André Tacuari, era um cacique dos índios guaranis, nascido no povo de São Borja. Adotou o nome de Artigas em homenagem ao líder uruguaio de quem foi um dos mais fieis aliados e considerava como um pai. Quando começou a guerra Andrezito foi incumbido de ocupar a região das missões orientais, expulsando dali os portugueses e abrindo um flanco nas operações militares. Para cumprir seu intento reuniu um exército de mais de dois mil índios guaranis sem que despertasse a suspeita dos portugueses. Então no inicio de setembro de 1816 Andrezito invade o território das missões pelo passo de Itaqui, ao sul de São Borja, liquida com a pequena guarnição local e derrota uma força de cavalaria mandada para auxiliar na defesa de Itaqui.

O inicio da invasão é assim descrito por dois historiadores diferentes do século XIX:

“Em 1816 o general Dom André Artigas, de quem já falamos, querendo fazer uma diversão á seu pai adoptivo o general Dom José Artigas que se via perseguido pelos portuguezes na Banda Oriental e pelo exercito de Buenos-Ayres, correu ás Missões entre Paraná e Uruguay e reuniu um exercito de dois mil e tantos homens, e quando se julgou bastante forte formou o projecto de reconquistar as Missões Orientaes. Com este fim em princípios de Setembro com seu exercito e duas peças de artilheria se apresenta repentinamente no Passo de Itaqui no Uruguay, que era defendido pelo furriel Athauazio José Lopes com doze milicianos. Estes acommettidos de improviso por uma força tão superior se aquarteláram em S. João Velho, estancia do mesmo furriel Athanazio, onde foram sitiados por Andrezito que caminhava sobre S. Borja. Depois de alguns dias, depois de uma porfiada resistência, succumbiram, morrendo todos á 12 de Setembro (1816). A mulher de Athanazio morreu também, e sua família muito maltratada foi conduzida prisioneira ao outro lado do Uruguay, sendo sua casa rica em prataria inteiramente saqueada (68). 0 general Chagas que se achava no commando de Missões, sabendo deste successo desastroso em S. Borja, onde tinha seu quartel general, mandou o capitão Joaquim Ferreira Braga com duzentos ou trezentos homens de cavallaria, explorar o campo do inimigo, afim de reconhecer a sua força. Braga apesar da sua reconhecida valentia, foi atacado e destroçado no rincão da Cruz no dia 16 de Setembro, morrendo dezeseis portuguezes, e o seu próprio filho que era porta-estandarte. Não encontrando obstáculo André Artigas caminhou para S. Borja.” (1)
Cônego João Pedro Gay- in História da República Jesuítica do Paraguay, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, volume 26

“ Tâo profundo segredo guardou André Artigas na formação de sua tropa, que foi geral a sorpresa quando em 12 de Setembro, atravessava o Uruguay em Itaquy, á frente de 2000 homens, passava a fio de espada a pequena guarda que defendeu heroicamente o passo, dispersava uma força de 200 cavalleiros que explorava as circum vizinhanças, e na madrugada seguinte apresentava-se diante de S. Borja, ao som de musicas e gritos enthusiasticos de seus Índios, fanatisados pelo feroz Frade Acevedo, que garantia a immediata ressurreição de todos aquelles que morressem em combate.” (2)
Major Augusto Fausto de Souza – in O Marechal do Exército Francisco das Chagas Santos, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

[delmar]

Capítulo 3 - Organizando a Defesa

Assim ao amanhecer o dia 21 de Setembro, as tropas de Andrezito estavam a distancia de um tiro de canhão da vila de São Borja. Ao som de tambores e cornetas cercaram o povoado, incentivados pelo tal frade Acevedo que nos seus sermões persuadira os índios que morrendo em combate eles iriam renascer entre suas famílias. Este frade, descrito como apóstata em alguns documentos, deveria ser um personagem pitoresco.
O Brigadeiro Chagas, comandante militar das Missões, não dispunha de muitos recursos para defender a povoação de São Borja. Tinha dez peças de pequeno calibre com abundância de munição, porém sem artilheiros, e cerca de 120 soldados da cavalaria miliciana portuguesa e guarani. Certamente teria perecido se alguns dias antes não tivessem recebido um reforço de 85 granadeiros do regimento de Santa Catarina, os Barrigas Verdes, armados com fuzis e baionetas. Assim passou a contar com pouco mais de 200 soldados. O socorro mais perto estava na capital, a 800 km ou com o general Curado, a uns 450 km. Deve-se acrescentar, ainda, que a cavalaria guarani não inspirava muita confiança, pois alguns dias antes o capitão Vicente Tirapaié havia desertado com grande parte dos soldados índios sob seu comando para unir-se a Andrezito. Apavorados com a chegada dos guaranis a população dos arredores refugiou-se dentro do povoado, homens mulheres e crianças, ficando cerca de duas mil pessoas abrigadas ali.
Com tão parcos recursos Chagas, um militar astuto, tratou de aproveitá-los da melhor maneira possível. Assentou um canhão em cada boca de rua disfarçando-os com trincheiras de couros empilhados. Instruiu alguns dos granadeiros no serviço de artilharia para operarem as peças. Como “major da praça” nomeou o capitão José Maria da Gama, oficial que possuía “os predicados necessários para um posto tão importante em ocasião de perigo”. Colocou piquetes de cavalaria para defender as partes mais expostas e designou 30 granadeiros para formarem uma reserva, sob as ordens do alferes Antonio Agostinho Capistrano, que deveria acudir aos pontos que viessem a sofrer ataques mais intenso.

[delmar]

Capítulo 4 - Os indios guaranis atacam São Borja

Sabedor André Artigas da fragilidade e dos poucos recursos que dispunha a guarnição, assim que estabeleceu o sitio da povoação, dirigiu vários ataques contra os lugares que julgava estarem menos defendidos. Para sua surpresa eles foram sempre repelidos com perda considerável de guaranis. Assim passaram-se duas semanas de sítio. Como não podia perder mais tempo, pois era necessário dar seguimento ao plano de guerra pré estabelecido, resolveu tomar a praça de assalto, empenhando nisto todas as suas forças.

Ao amanhecer do dia 28 Andrezito dispôs suas tropas em colunas e a seguir atacou com tal ímpeto a vila de São Borja, sobre vários pontos diferentes, que os sitiados, não obstante sua heróica bravura foram obrigados a recuar em alguns deles. Os muros eram escalados a um tempo por muitas centenas de assaltantes. Neste momento delicado, repelida a cavalaria portuguesa, os portões exteriores prestes a serem arrombados a machado, Chagas ordenou uma descarga geral de metralha. Então um tiro da artilharia portuguesa acertou um canhão do inimigo fazendo explodir a munição e causando muitas baixas aos guaranis. Isto fez esfriar sua coragem e abandonaram o ataque, retirando-se para suas posições. Andrezito resolveu então apertar o cerco, enquanto esperava mais reforços.

[FOXTROT]

Muito bom delmar, aguardamos os próximos capítulos.

Saudações

[cabeça de martelo]

Estou a adorar (especialmente porque desconhecia por completo esta guerra).

[delmar]

Estou a adorar (especialmente porque desconhecia por completo esta guerra).

Trata-se de um episódio real e todos os fatos descritos estão documentados. De outro lado poderia ter sido escrita por um roteirista de cinema, especialmente o surpreendente final.

[delmar]

Capítulo 5 - São Borja resite ao cerco

Entretanto começava a faltar comida na praça sitiada e tornava-se mais crítica ainda a falta d'água. Então um cadete, José Joaquim de Almeida da companhia de granadeiros, sem que ninguém lhe ordenasse, resolveu arriscar a vida para diminuir o sofrimento dos sitiados. Junto com mais oito granadeiros, com as armas suspensas pelas bandoleiras e uma pequena peça de artilharia puxada à mão, saiu do povoado e colocou-se frente aos sitiantes. Começou então a desafiar os guaranis, fazendo disparos e palhaçadas para distraí-los. Ao abrigo desses granadeiros muitas pessoas da praça, homens, mulheres e crianças apressaram-se a encher potes e barris d'água numa lagoa que ficava perto da vila, no meio do campo, a cento e cinqüenta braças de distancia da povoação. Quando os índios perceberam o engodo atacaram os granadeiros procurando cercá-los. Avisado do que ocorria, o brigadeiro Chagas ordenou que uma tropa de cavalaria fosse a socorro deles, retornando todos sãos e salvos até a povoação.

Embora nos diversos ataques e sortidas sofridos pela povoação, a perda de soldados tenha sido pequena, apenas 6 mortos e alguns feridos, a troco de cerca de 200 inimigos mortos, a posição dos defensores tornava-se mais critica a cada momento Sabia-se que Andrezito esperava reforços para lançar um novo ataque geral. A situação estava assim, quando começou a raiar o dia 3 de Outubro. Uma manhã tão nublada que não se podia divisar objeto algum ao longe. Naquele amanhecer escutou-se na praça um grande alarido vindo da linha inimiga e, de pronto, a guarnição se preparou para um novo dia de combates. Logo o tenente do regimento da cavalaria miliciana guarani, que ficara com os portugueses, Antonio Tripé, do alto do zimbório da igreja, aonde subira para observar melhor o rumor e movimentos do inimigo, avisa que um corpo volumoso de cavalaria atravessava o extenso banhado ao Sul de S. Borja, demandando o campo do inimigo. De imediato a preocupação domina os defensores, receosos que os reforços esperados por Andrezito tenham chegado afinal.

[delmar]

Capítulo 6 - A derrota dos indios guaranis.

A extrema preocupação e ansiedade inicial dos sitiados transforma-se em delirante jubilo, quando o observador da torre da igreja reconhece que as tropas são portuguesas, do regimento de Dragões do Rio Pardo, força enviada pelo General Curado para se opor à passagem da divisão Sotello, e que sob as ordens do valente Tenente-Coronel José de Abreu desbaratara 6 dias antes, perto de Itaqui, o reforço que esse caudilho enviara a Andrezito. Assim ao invés dos esperados reforços o cacique recebia uma coluna de ferozes inimigos.

Contava com apenas 653 homens a coluna de José de Abreu, porém sem dar importância à superioridade numérica do inimigo, nem ao cansaço da viagem, formou logo em ordem de combate e atacou o inimigo com toda a força. Andrezito, surpreendido pela chegada dos portugueses partiu para enfrentá-los, não sem antes separar uma parte considerável de suas forças para continuarem a vigiar o brigadeiro Chagas, temendo que ele saísse da praça sitiada em auxilio a José de Abreu. Esta divisão de suas tropas pode ter sido fatal. Em pouco tempo seus soldados fugiam em debandada geral, para todas as direções, completamente derrotados, A vitória de Abreu foi total, realçada pela posse de 2 canhões, muito armamento e munição, 1400 cavalos além de 400 inimigos mortos no campo de batalha.

Tão logo percebeu a derrota dos guaranis, o brigadeiro Chagas, que durante a batalha só pudera observar, pois continuara sitiado, divide a guarnição da vila em dois destacamentos e manda-os em perseguição aos fugitivos que se dirigiam ao rio Uruguai. Neste rio é metida a pique uma barca artilhada e ao retornarem as duas forças a S. Borja, tinham mortos vários inimigos e aprisionado 42 além de capturarem cerca de 600 cavalos.
Terminava assim o cerco de São Borja e a ameaça dos brasileiros perderem novamente o território das Missões Orientais. Na época São Borja era a chave de toda aquela região. Além disto, a derrota de Andrezito obrigou José Artigas a reformular todos seus planos de batalha. A resistência tenaz da pequena vila e seus valentes defensores não era a esperada, assim como a rápida ação do coronel José de Abreu, depois promovido a General e barão de Cerro Largo. Andrezito Artigas, derrotado, retornou para margem direita do Uruguai. Voltaria alguns anos depois, com novo exército de índios guaranis, mas já é outra história.

[Hader]

Parabéns pela bela iniciativa delmar.

[]'s

[FOXTROT]

Obrigado delmar por nos presentear com essa bela história, bravo povo sulista, eu desconhecia por completo .

Saudações

[Matheus]

Se não me engano, visitei um antigo cemitério em São Borja dos mortos desta época. Ele se situa antes de chegar em SB pra quem vem do centeo do estado, um pouco afastado da rodovia.

[Bender]

Muito Legal!

SDS!