Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

[gusmano]

Impressionante!

[legionario]

Como ja escrevi, a missao da ONU consistia em assegurar a transiçao para um regime democratico e estavel. Dentro deste quadro, a missao da nossa Companhia era diversa : as secçoes de sapadores desminavam as estradas e a secçao de trabalhos, reparava-as com as maquinas que tinhamos à nossa disposiçao. Para além disso, faziamos patrulhas nas aldeias em redor, assegurando uma presença armada com o objectivo de tranquilizar as populaçoes.
Muito de vez em quando podiamos sair à cidade, mas quando nao estavamos autorizados a isso, saiamos na mesma à sucapa . Estavam sempre uns rapazes com umas motos-taxi à espera do outro lado do arame farpado para nos levarem onde quizessemos …

Em patrulha, fazendo um alto numa aldeia









Reparavamos as estradas...desta vez tivemos pouca sorte !

[legionario]

Em fins de fevereiro o comando recebeu informaçoes dum ataque iminente dos Khmers vermelhos que se dispunham a atacar Siem Reap com um efectivo de 3 batalhoes. Recebemos ordem de ficar confinados no campo e de reforçar as defesas.
As maquinas abriram largos buracos no chao que rodeamos de sacos cheios de areia, improvisando desta maneira uns frageis bunkers, que logo nas primeiras chuvas ficaram completamente inundados de agua.

Fabricando "bunkers" na previsao do ataque que aconteceria pouco tempo depois

[legionario]

O ataque à cidade de Siem Reap, por parte dos ultimos Khmers vermelhos que se tinham recusado a depôr as armas e aceitar a presença da ONU, deu-se no mês de março (tenho cenas desse ataque filmadas).

Logo de madrugada, por volta das 4 da manha, fomos acordados por um intenso tiroteio e pelo rebentar das granadas de morteiro e de RPG7. As balas batiam no tecto de zinco e nas partes altas da barraca de madeira onde dormiamos, e obrigaram-nos a saltar das camas em catastrofe, pegando nas armas com que dormiamos constantemente e nas roupas, que iamos vestindo ao mesmo tempo que nos precipitavamos para nos pôr-mos em abrigo por traz dos sacos de areia.

O nosso campo estava em pleno centro da cidade e nos faziamos parte de um dispositivo que incluia outras companhias da ONU (Polonia , Australia …) que estavam posicionadas no aeroporto e nos limites da cidade. Estes é que levaram com o impacto maior, e nos so fomos atingidos por tiros relativamente altos que causaram alguns danos nas nossas barracas e em alguns dos nossos veiculos e maquinas.
Uma unidade polaca que estava entre nos e os atacantes conseguiu repeli-los e nao chegamos a aquecer as armas. Os « khmers vermelhos » acabaram por retirar horas depois, deixando alguns mortos, feridos e prisioneiro, no terreno. Nao nos foram comunicadas as baixas do lado das forças da ONU.

Durante este ataque, muitos populares procuraram refugiar-se dentro do nosso campo, sobretudo muitas mulheres com os seus filhos ao colo e pela mao. Eu e dois legionarios da minha equipa afastamos a cerca de arame farpado (que podem vêr nas fotos) para os deixar passar.
O meu chefe de secçao, muito enervado gritou :
«  De Sousa, que estas a fazer ? Essa gente toda la para fora, ninguem entra no campo ! ». 
Respondi a essa besta que era suposto a ONU estar ali para proteger as pessoas…
- Sao ordens superiores ! respondeu ele, ainda mais histérico .
E ninguem foi autorizado a entrar !

[legionario]

Passado o ataque continuamos confinados no campo sem podermos sair ainda durante umas semanas. Devido ao risco que havia, tambem nao ousavamos sair às escondidas como habitualmente faziamos. Entao, como nao iamos vêr as raparigas, vinham elas vêr-nos a nos ! Ao anoitecer algumas delas juntavam-se do lado exterior do arame farpado e nos faziamos-las entrar, às escondidas dos graduados, na nossa barraca ou dentro dum veiculo. Mais que uma vez elas tiveram que se esconder debaixo da cama, quando um dos sargentos se aproximava demasiado da « cena do crime ».

Durante esta missao morreu um dos meus melhores amigos na secçao, o cabo-chefe Curum Lutchemee, um rapaz de etnia indiana de 30 anos, originario das ilhas Mauricias. Ele estava noivo de uma portuguesa, com quem contava casar brevemente. Era disso que falavamos assim como da sua ilha, que ele dizia ser paradisiaca e onde ele contava radicar-se junto com a « sua » portuguesa, no final do seu contrato.
Morreu debaixo da maquina que conduzia, quando esta se virou. Ele encontrava-se relativamente longe do resto dos camaradas e nao pode ser socorrido a tempo. Quando la chegamos ja tinham roubado a sua arma e o seu equipamento.

[R.A.Barros]

Leio os relatos do amigo legionario desde o início do topico. Nota 10 !
Você tem muita história pra contar, este é o primeiro topico que eu visito no DB para ler os novos relatos, que são literalmente uma aventura.

Estou esperando você postar o resto da história
Abraços.

[legionario]

Muito obrigado

Tambem gostaria de continuar mas o site "Post images" onde coloquei as fotos foi "sabotado" , algumas fotos desapareceram...
Como os originais das fotos estao em Portugal e eu estou neste momento em França, nao tenho meio de resolver o problema. So quando regressar a Portugal é que poderei colocar as fotos num outro site de fotos.
Entretanto vou escrevendo o resto da historia e quando tiver as fotos disponiveis para o acompanhar voltarei aqui para completar o relato.

Se entretanto alguem quizer comentar ou fazer alguma pergunta sobre a Legiao, disponha !

[Naval]

Prezado Legionário.

Qual o limite de idade para ingressar nas fileiras da Legião?

Abraços.

[legionario]

Em teoria o limite de idade era (é?) de 40 anos. Na pratica, a partir dos 35 anos, so aceitam pessoal com competências muito especificas que interessam particularmente à Legiao (bons musicos por exemplo, para integrar a orquestra da legiao).
Vi alguns candidatos com 35/36 anos ser aceites, mas nunca vi nenhum com mais desta idade...nao quer dizer que nao haja.

Nota. Para se ser aceite na legiao, nao conta para nada o volume dos musculos ou a experiencia militar anterior, mas sim ter uma excelente saude geral...a dentiçao é muito especialmente levada em conta. Quando trabalhei no centro de seleçao vi serem recusados ex-marines americanos e ex membros do Batalhao de élite "Bufalo" da Africa do Sul, ...e ao mesmo tempo eram aceites magricelas de 1m60 de altura sem nenhuma experiencia militar.
Cumprimentos

[Petrovski]

Estou gostando muito de ler sua história, parabéns pela trajetória de vida.

[Frederico Vitor]

Legionário...

Na época de legião você chegou a conhecer muitos ex-militares norte-maricanos, tipo Marines? Há muitos norte-americanos na Legião? Dá para traçar um perfil dos legionários de origem norte-maricana?

[legionario]

Nao ha muitos norte-americanos na Legiao. Quando estive no centro de seleçao no 1°RE passaram alguns candidatos por la, dos quais me recordo de 2 ex-marines que foram recusados, ja nao me recordo o motivo exactamente. Durante a minha instruçao, na minha companhia mas numa outra secçao, havia um so americano, um antigo marine ja com mais de trinta anos de idade...nao da evidentemente para estabelecer um perfil a partir de um so elemento. Finalmente, no ultimo regimento onde servi, o 6°REG, tinha um americano na minha secçao, mas este era um caso "especial" : durante uma comissao que fez na Guyana francesa, no 3°REI, parece que pirou da cabeça completamente e foi classificado P4 (psico 4), inapto para o serviço militar. Quando a legiao o quiz mandar embora, o pai dele que era coronel da USAF apanhou o aviao para França e disse ao comandante do regimento : "vocês é que o puseram maluco, agora aturem-no até à idade da reforma..." e ameaçou com um processo nos tribunais contra a Legiao. Tambem nao da para construir um perfil com este Este americano, chegou a integrar o meu grupo, e quando estavamos de serviço eu nunca lhe dava as muniçoes para a sua arma com receio que ele fizesse algum disparate

Em relaçao aos norte-americanos, à parte estes episodios, nao posso adiantar mais nada ...

[legionario]

Estou gostando muito de ler sua história, parabéns pela trajetória de vida.

muito obrigado

[eligioep]

Legionário,
muito boa a sua história da Legião, e também, na Legião.
Aguardo ansiosamente a continuação....

[legionario]

Isto de escrever exige "inspiraçao" e a verdade é que ultimamente esta tem faltado, talvez porque tenho tido muito trabalho...
Eu ja tenho algumas coisas escritas mas esta longe de ser completo e corrigido...além disso faltam-me as fotos da missao que fiz em 1996 em Sarajevo, (ex-Jugoslavia) que estao em Portugal.
Dentro de pouco tempo recomeço a publicar, fica prometido !
Obrigado pelo incentivo