Afeganistão realiza eleições legislativas; para analista, pleito deve ser fraudulento e restrito à capital
Elisa Estronioli - Do UOL Notícias - Em São Paulo

Sob suspeitas de fraudes e ameaças de ataques pelo Taleban, o Afeganistão terá neste sábado (18) eleições legislativas para preencher as 249 cadeiras da Wolesi Jirga, a câmara baixa do Parlamento.
De acordo com o professor Luiz Dario Teixeira Ribeiro, coordenador do Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o pleito deve ser fraudulento e restrito à capital, Cabul, já que forças do Taleban dominam o interior do país. Veja entrevista a seguir:
UOL Notícias: O que podemos esperar das eleições afegãs?
Ribeiro: Pela experiência que a gente teve da eleição anterior, essa vai ser uma eleição fraudulenta, que não vai trazer nada de novidade. Por um lado, temos que levar em consideração que dificilmente essas eleições ocorrerão fora de Cabul [a capital], porque o Taleban domina o resto do país. Essa autoridade do Taleban cresce à medida que as forças da Otan erram, por exemplo, quando bombardeiam festas de casamento, quando atacam determinadas aldeias onde há acusação de haver membros do Taleban e matam muitas pessoas.
UOL Notícias: O resultado das eleições pode contribuir para a estabilidade do país?
Ribeiro: As eleições não vão estabilizar nada, porque a principal preocupação da população é a saída dos invasores [as tropas de ocupação da Otan]. Este governo atual [do presidente Hamid Karzai] existe no Afeganistão como uma imposição estrangeira, ele não diz respeito ao povo afegão. O atual governo de Cabul teria de ser substituído por um governo nacional que partisse de uma concertação entre os grupos étnicos e a resistência ao Taleban, diferente deste, que é alinhado aos invasores. Outro problema é a produção de heroína, que domina a economia do país. É uma fonte de renda gigante, que só é possível na ausência de um Estado que efetivamente tenha poder.
UOL Notícias: Durante essa semana aconteceram várias denúncias de compra de voto e falsificação de títulos eleitorais. As últimas eleições tiveram milhares de cédulas anuladas por fraude. O que pode acontecer se essas eleições forem fraudadas?
Ribeiro: Se ficar comprovado de novo um elevado índice de fraude, vai haver um esperneio inicial, mas não vejo o que vai mudar. Podem fazer uma outra eleição, mas que vai apresentar o mesmo resultado. Não acredito que seja possível fazer eleições livres de fraude no momento, pois ela interessa a todos os grupos que têm interesse em participar do Estado.
UOL Notícias: Os talebans são contra as eleições e já anunciaram que podem fazer ataques durante elas. Qual será o papel do Taleban nesse pleito?
Ribeiro: O Taleban disputa com o Estado, e esses ataques são demonstrações de força. Mas por um lado, eles são partes integrantes da própria população, e a atuação deles tende muito mais às aspirações afegãs que a do governo. Os talebans estão interessados em mostrar que têm poder de impedir essas eleições e vão ser bem-sucedidos nisso. Até porque o Estado não tem instrumentos para garantir que as eleições aconteçam no país.
UOL Notícias: O senhor acredita que as eleições neste momento podem contribuir para o aumento da violência no país?
Ribeiro: Não acredito que vai haver uma escalada da violência porque o nível atual já é bastante elevado. O Estado é muito fraco, os “senhores da guerra” [líderes regionais] não possuem unidade, a maior unidade está nas mãos do Taleban.
UOL Notícias: A última meta do governo americano é retirar as tropas do Afeganistão até julho do ano que vem. Será possível cumpri-la?
Ribeiro: Acho que não; se retirarem, vai ser como fizeram no Iraque, deixando metade da tropa, até porque tem outro aspecto: Iraque e Afeganistão são as duas fatias q cercam o presunto e o queijo fino que é o Irã, o alvo principal no momento, por causa do petróleo e de seu governo.
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