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Mensagem
por GustavoB » Dom Jun 06, 2010 12:30 pm
Apesar de alguns erros pontuais e conceituais, não deixa de ser curioso: apesar do mote do texto, a conclusão é que ainda acreditam - ou querem passar a ideia - que a Amazônia é uma selva deserta. Também chama a atenção quantas vezes ele fala em "fronteira".
Repórter gringo vibra: Amazônia segue modelo de consumo dos Estados Unidos
In Amazon, Rain Forests Make Room for Mall Rats
By JOHN LYONS, no The Wall Street Journal
Via Viomundo
RIO BRANCO, Brasil — Até agora, a marcha da civilização na floresta amazônica seguiu um padrão previsível. Madeireiros abriram espaço para pecuaristas que abriram espaço para o agronegócio. O próximo passo: shopping centers.
Apenas algumas décadas atrás, muitos cientistas acreditavam que a Amazônia não seria habitável. Hoje, pelo menos cinco cidades amazônicas do Brasil tem populações de mais de 300 mil pessoas, um número-chave para atrair os principais varejistas. No fim do ano que vem, quatro das cinco maiores cidades terão grandes shoppings no estilo americano. Outros três projetos estão sendo estudados.
O último projeto de shopping começou em março em Rio Branco, uma cidade antes isolada, próximo de onde o ativista Chico Mendes foi morto em 1988. Os construtores foram encorajados pelo sucesso de um pequeno mall em Porto Velho, que fica a 340 milhas de distância. Gente de Rio Branco fazia a viagem de seis horas até Porto Velho para fazer compras.
A proliferação de shoppings na Amazônia marca uma virada numa das últimas fronteiras do mundo. Uma economia moderna de consumo está deitando raízes em uma região que a maioria das pessoas imagina coberta por floresta densa e cortada por rios infestados por piranhas, com trechos de floresta destruída entre eles.
Na terça-feira o governo brasileiro informou que as vendas do varejo no estado de Rondônia, onde fica o mall de Porto Velho, aumentaram 31,7% no ano que terminou em março, o segundo maior aumento no país e o dobro da média nacional. No estado do Acre, onde o mall de Rio Branco está em construção, as vendas aumentaram 31,5% — o terceiro maior aumento do país.
A ascensão do consumidor da Amazônia demonstra a amplitude do boom doméstico do Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez chover dinheiro na região em uma tentativa de aumentar o poder de consumo dos pobres e das classes trabalhadoras. Famílias pobres ganham subsídios em dinheiro. Negócios recebem empréstimos subsidiados do Banco da Amazônia (federal). Projetos hidrelétricos resultam em empregos e investimentos. As populações da cidades cresceram com a mudança de pessoas que querem acesso a empregos e serviços do governo.
O desenvolvimento da Amazônia também altera o jogo para os ambientalistas. Os moradores de cidades da Amazônia agora tem maior poder para exigir que estradas, hidrelétricas e outros projetos sejam construídos na região. Isso explica porque a ministra ultraverde de meio ambiente foi trocada em 2008 por um ministro mais aberto ao desenvolvimento. Porque os malls tem sido construídos em terras que foram deflorestadas décadas atrás, os ambientalistas não se opuseram aos projetos. Ambientalistas locais dizem que seus objetivos são dirigir o crescimento econômico inevitável para atividades que não requeiram derrubar mais árvores.
“A chegada dos shopping centers é parte de uma tendência global”, diz Jorge Viana, um ex-governador e líder ambientalista em Rio Branco. “Nosso grande desafio é criar um modelo econômico sustentável que inclua as pessoas que vivem na floresta”.
O certo é que a maior parte da Amazônia ainda é floresta e que não vai ser tornar um shopping em breve. Desde 1991, a população no bioma da Amazônia brasileira aumentou 48% para 19,7 milhões, a maior parte em cidades e vilarejos, de acordo com a Conservation International, um grupo ambientalista sem fins lucrativos de Washington DC. Mas isso ainda é muito esparso considerando que os amazônidas ocupam um território do tamanho da Europa Ocidental.
Ainda assim, há poder de compra suficiente na Amazônia agora para atrair investidores globais. A empresa canadense Ivanhoe Cambridge, uma das maiores construtoras de shoppings do mundo, é parceira no shopping de Porto Velho. Fundos de pensão dos Estados Unidos investiram no projeto de Rio Branco. Em 2007, a BRmalls, um grupo imobiliário brasileiro parcialmente controlado pelo empresário americano Sam Zell, comprou uma fatia do shopping mais antigo da região, o Amazonas Shopping, na área urbana de Manaus.
Em Porto Velho, o novo shopping center mudou tudo, do cenário aos hábitos econômicos e sociais da cidade fronteiriça. Na capital de um estado fortemente deflorestado, a população cresceu muito depois que as novas rodovias trouxeram centenas de milhares de colonos para a região nos anos 80, atrás do gado e da soja. Agora, está vivendo um boom. Os empregados na construção civil e os engenheiros estão chegando para construir duas hidrelétricas por perto, que valem alguns bilhões de dólares.
Um estrutura quadrada e bege que se ergue coberta por um estacionamento de telhado escuro, o Porto Velho Shopping contrasta com o resto da cidade, ainda caótica em seus edifícios lotados e pavimentação cheia de buracos.
O shopping é de longe a maior estrutura com ar condicionado na redondeza de centenas de quilômetros, transformando a construção em um oásis no meio do calor abafado. Isso é o suficiente para torná-lo o principal destino de entretenimento.
“O shopping é basicamente a única coisa que tem para fazer em todo o estado”, diz Aira Queiroz, uma estudante de 18 anos que fez a viagem de 125 milhas desde Ariquemes, a cidade onde ela vive, para experimentar um sorvete em um sábado de abril. “Não há nada para fazer em minha cidade”.
Em torno dela, cenas típicas dos subúrbios dos Estados Unidos acontecem. A praça de alimentação está viva com bate-papo. Um elevador de vidro sobe no átrio e deposita público para os cinco cinemas do Cineplex com telas de 3D. Há até mesmo os “mall rats”. Adolescentes, alguns deles com cabelo precocemente tingido caindo sobre um dos olhos, andam pelos corredores procurando o que fazer. Guardas de segurança uniformizados ficam de olho neles.
Apesar de todas as cenas de “americana”, há lembretes de que o mall fica em uma fronteira amazônica. O McDonald’s não tinha batatas naquele dia. O caminhão de entrega tinha se atrasado em algum lugar da viagem de 2.500 milhas desde São Paulo. O empregado do mês foi premiado por acumular responsabilidade depois que metade da equipe dela pegou dengue.
Um par de meninas indígenas em excursão pelo mall, guiada por missionários, ficou à distância avaliando com segurança a escada rolante. O shopping tem o primeiro grupo de escadas rolantes do estado e muitas pessoas faziam fila para andar nelas pela primeira vez. Depois de se aproximar com curiosidade, as meninas se deram as mãos e se aventuraram. Uma conseguiu. A outro foi pega com o passo continuamente se abrindo até que conseguiu embarcar.
As mudanças não são apenas sociais. O shopping colocou enorme pressão competitiva em varejistas locais para melhorar seus serviços e baixar os preços, alterando a forma com que fazem negócios.
Cerca de 50 redes nacionais, como a loja de departamentos Americanas, abriram sua primeira loja no estado no shopping. A competição provocou a falência de algumas lojas barateiras e forçou outras a melhorar para sobreviver.
Considerem o caso da Divas, uma boutique de roupas gerenciada por Vilmarque João, um ex-executivo de eletrônicos, e sua esposa. O negócio surgiu da frustração da sra. João com a falta de roupas da moda em Porto Velho. Ela e suas amigas começaram a juntar dinheiro alguns anos atrás para voar até São Paulo e trazer os últimos estilos.
A notícia se espalhou. Logo, os pedidos vieram de outras mulheres com as mesmas reclamações. Os Joões deixaram seus empregos e abriram uma loja no centro da cidade que cresceu por seis anos. Eles se mudaram para o shopping assim que ele abriu, acreditando que os negócios na loja do centro sumiriam.
De repente, no entanto, franquias nacionais com jeans de alta qualidade abriram a alguns passos da Diva no shopping. Para sobreviver, os Joões cortaram os preços de sua marca de jeans Carmim em 43%, para 389 reais. A competição para ficar na moda exigiu pagar por acessórios vindos de São Paulo por encomenda aérea noturna.
Para acompanhar as redes nacionais, David contratou mais vendedores e gastou mais com o treinamento deles. Os preços mais baixos e os custos mais altos diminuiram a margem de lucro para 12%, de 50% dos tempos da loja no centro da cidade. Mas os lucros como um todo subiram: milhares de pessoas, em vez de centenas, passam pela loja diariamente. O sr. João suspeita que o ambiente do shopping deu um impulso no consumismo local.
“O shopping é o único lugar de Porto Velho onde todas as classes sociais estão se misturando em um espaço aberto, de igual para igual”, o sr. João disse. “A classe média tem chance de ver o que os ricos estão vestindo e então quer comprar igual”.
A ideia de construir shopping centers na Amazônia não é nova. O governo militar brasileiro de 1964-1985 antevia uma rede de cidades importantes na Amazônia. Construiu estradas na floresta e subsidiou os pioneiros colonizadores.
Não saiu de acordo com o planejado. Grandes áreas da floresta foram devastadas, mas a terra da floresta não era tão fértil quanto o esperado. Cidades distantes como Porto Velho incharam com colonizadores fracassados e se tornaram terra-de-ninguém.
Mas a economia amazônida está mudando. Ao experimentar com fertilizantes, tipos de gramíneas e outras tecnologias, os fazendeiros e pecuaristas da Amazônia aprenderam a arrancar mais lucros da terra. Novas rodovias surgiram em torno de cidades antes isoladas entre si, criando mercados locais. Rodoviais agora chegam a países vizinhos como o Peru, aumentando o comércio.
O primeiro shopping center da Amazônia brasileira abriu em 1991 em Manaus, uma cidade de 1,7 milhão de habitantes que cresceu como centro manufatureiro por causa de seu status especial de zona franca. Em abril de 2009, o shopping Manauara de 227 lojas abriu com árvores da floresta no meio da praça de alimentação. O projeto foi parcialmente financiado pelo Developers Diversified Realty Corp., um fundo de investimento imobiliário dos Estados Unidos, de capital aberto. Pelo menos dois outros grupos estão considerando projetos de shoppings na cidade.
Mais significativamente, os shoppings estão se espalhando por cidades secundárias da Amazônia como Porto Velho e Rio Branco, onde investimentos do gênero eram impensáveis uma década atrás. Um projeto em construção fica em Macapá, uma capital na margem norte do rio Amazonas onde não se chega por rodovia. Um segundo grupo está avaliando um projeto competidor. Construtores de shopping já compraram terra na cidade ribeirinha de Santarém, de população de 277 mil pessoas, e em Marabá, um centro de mineração.
O mercado consumidor do Amazonas atingiu massa crítica tão rápida que surpreendeu mesmo os especialistas. Cinco anos atrás, quando Dorival Regini, executivo-chefe do grupo LGR, do Rio de Janeiro, começou a fazer buscas em Rio Branco, ele tinha dúvidas.
Em sua visão, Rio Branco era sinônimo de uma Dodge City — um posto fronteiriço sem lei. O estado era notório por ser o lugar onde o filho de um fazendeiro matou o seringueiro e ambientalista Chico Mendes. Até o fim dos anos 90, Hildebrando Pascoal, um chefe de polícia tornado deputado, mandava no estado. Ele ganhou seu apelido “motossera” pela forma como seus inimigos pereciam.
Mas dados mostrando o crescimento da população e da renda levaram a uma segunda avaliação. O sr. Regini despachou um analista, que inicialmente estava cético. “Depois que chegou lá, ele ligou e disse ‘devo ficar mais alguns dias; acho que pode dar certo’”, lembra o sr. Regini.
Rio Branco estava sob controle. O “motossera” estava na cadeia. Um grupo de tecnocratas verdes, a maioria discípulos de Chico Mendes, tinha sido eleito em 1998. Eles aprovaram leis barrando a devastação no que restava da floresta tropical. Numa tentativa de atrair negócios como alternativa econômica à pecuária, eles construiram parques, ruas bem iluminadas e uma ponte para pedestres sobre o rio. Leis de zoneamento foram criadas e a corrupção endêmica foi controlada.
Outro sinal encorajador: uma rodovia planejada entre Rio Branco atravessando a fronteira do Peru e sobre os Andes até a costa do Pacífico. A rodovia, agora aberta, pode em breve se tornar um importante ponto de trânsito para exportações para a China, esperam os locais.
A LGR comprou um pedaço de terra na intersecção da nova rodovia para o Peru com a rodovia que conecta Rio Branco ao resto do Brasil. O Via Verde Shopping, de 161 lojas, vai abrir na metade de 2011.
A companhia está confiante de que o projeto vai dar certo em uma cidade na qual os congestionamentos de trânsito agora entopem ruas onde não havia luz uma década atrás. Os executivos da LGR que vão até lá para acompanhar o projeto têm dificuldade para encontrar apartamentos nos hotéis locais. A companhia agora também pensa em construir um hotel.
O shopping é o maior investimento privado no estado. Mas outras firmas estão de olho em Rio Branco. A loja holandesa Makro abriu recentemente uma loja perto do lugar do shopping e a rival francesa, Carrefour, está planejando a sua.
Construir um shopping em uma cidade da Amazônia como Rio Branco apresenta desafios únicos. Fortes chuvas tropicais caem durante metade do ano. Durante a estação seca, os trabalhadores devem correr para construir a estrutura e o teto para trabalhar na parte interior durante as chuvas. A perda de prazos pode significar a perda de um ano inteiro.
Tudo, de cimento a vigas de ferro, vidros e esquadrias custam mais porque o material viaja de caminhão centenas, em alguns casos milhares de quilômetros. O solo de barro amazônico não tem pedras. Isso significa que o pedregulho para fazer cimento tem de viajar de caminhão — junto com todo o material de construção.
Também há confusões inesperadas. Quando os engenheiros da LGR procuraram lugar para um parque de bicicletas que a companhia está construindo para atender à legislação municipal, eles foram surpreendidos ao encontrar uma família indígena que tinha vindo da floresta acampar no terreno. Os indígenas disseram que os engenheiros tinham de ir embora. Mais tarde, autoridades federais chegaram e arranjaram acomodação para os indígenas.
Um aspecto foi fácil: encontrar lojistas. O espaço no mall de Rio Branco estava quase todo alugado antes mesmo do início da construção.