Grifon escreveu:
Brasil pesquisa propulsão líquida para foguetes
O Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) pretende dominar o ciclo completo do desenvolvimento dos motores impulsionados por propelente líquido, uma tecnologia que ainda não está disponível no mercado espacial brasileiro. Os trabalhos foram iniciados na década de 90, com a finalidade de dar autonomia e independência ao país nessa área tecnológica...
Não há dúvidas de que o domínio da tecnologia de sistemas propulsivos na área espacial foi e sempre será um dos requisitos para o domínio da tecnologia de foguetes. A meta a ser seguida é a transferência gradual dos conhecimentos para a indústria até a completa independência para a consolidação de uma nova realidade, a do desenvolvimento de uma nova geração de foguetes no país.
Fonte: IAE
http://www.aer.mil.br/portal/capa/index.php?mostra=4822
É preciso tomar um pouco de cuidado ao se analisar as notícias sobre o desenvolvimento de motores foguete de combustível líquido, seja no Brasil, seja em qualquer outro país, para manter as coisas na perspective correta.
De fato, se um país desejar alcançar a total autonomia no lançamento de cargas espaciais, o que pode ser importante dado o caráter estratégico de muitas destas cargas, a capacidade de construir seus próprios foguetes é fundamental. Os motores-foguete de combustível líquido (MFPL) são o componente mais importante dos foguetes lançadores de satélites de porte médio e grande, e o domínio da sua produção é o ponto-chave na capacidade de construção autônoma destes foguetes.
No entanto, ao contrário do que se possa imaginar, a capacidade de projetar e desenvolver MPFL (e não apenas de construí-los) talvez já não seja tão importante assim. Senão vejamos:
- A tecnologia básica dos MPFL foi estabelecida entre as décadas de 30 e 70 do século passado, principalmente na Alemanha, nos EUA e na Rússia. Os detalhes técnicos, materiais, técnicas de construção, combustíveis, etc..., estavam na época entre os mais avançados disponíveis no ramo da engenharia, e muitos deles consistiam de tecnologias especificamente desenvolvidas para as aplicações espaciais. O esforço em desenvolver MFPL era um dos maiores incentivadores do próprio desenvolvimento tecnológico, e os avanços obtidos neste campo eram sem dúvida estratégicos para a atualização da capacidade industrial dos países que se propunham a fazê-lo.
- Outro ponto importante é que naquela época a construção de motores foguete de combustível sólido de maior porte não era uma tecnologia dominada, e para a construção de uma força estratégica de mísseis nucleares mais eficientes a única solução viável eram os MFPL. Isto os tornava uma prioridade do ponto de vista da segurança nacional, e eram portanto feitos esforços muito grandes para se manter a tecnologia envolvida na construção destes motores sob o máximo de sigilo.
- E mais, naquele período os MFPL estavam em plena evolução, e um grande número de técnicas e detalhes estavam ainda sendo pesquisados no sentido de alcançar a máxima eficiência dos motores reais quando comparados à eficiência teórica calculada a partir dos parâmetros termodinâmicos das misturas propelentes escolhidas. Qualquer sacrifício em termos de custo e esforço para atingir melhores desempenhos era considerado válido, e os grandes investimentos necessários para isso podiam assim ser justificados.
Por tudo isso, o acesso aos projetos ou mesmo à tecnologia básica dos MFPL era negado a todos os países que não fossem aliados próximos das nações capazes de desenvolvê-los. Neste ambiente, se países como o Brasil quisessem construir seus próprios foguetes lançadores de médio e grande porte sem se submeter ao patrulhamento político/ideológico de outras nações, teriam obrigatoriamente que desenvolver sua tecnologia sozinhos. Mas este cenário foi sendo mudado gradualmente desde o final da década de setenta, e hoje a situação é bastante diferente:
- A tecnologia dos MFPL já está totalmente desenvolvida, e os limites máximos de eficiência que podem ser alcançados de forma razoável já foram atingidos. Tanto que nos EUA, por exemplo, apenas três novos MFPL`s de médio/grande porte foram desenvolvidos a ponto de serem realmente utilizados em foguetes nos últimos 40 anos, sendo que dois deles o foram por uma pequena empresa privada com baixo acesso a tecnologia. O desenvolvimento dos motores de controle de atitude para espaçonaves e satélites também não apresentou mais avanços significativos pelo menos nos últimos 20 anos. A grande maioria das empresas que atuavam na área de MPFL`s simplesmente fechou os departamentos relacionados a este tipo de produto.
- Para as aplicações militares o uso de MFPL foi ou está sendo abandonado mesmo em países periféricos como o Irã, sendo todos os desenvolvimentos nesta área agora focados nos foguetes de combustível sólido, mesmo para os mísseis de maior porte. Sem aplicação militar, os MFPL`s não são mais considerados uma tecnologia estratégica sensível, a ponto dos americanos por exemplo não se importarem em utilizar MFPL`s adquiridos à Rússia, que também não se importa de vendê-los aos EUA.
- Os picos de eficiência deste tipo de motor foram obtidos ainda durante a década de 60/70 (com motores como o NK-33 e RD-170 russos e o SSME americano). Nos últimos desenvolvimentos os projetistas mudaram sua orientação, e ao invés de buscar a máxima eficiência possível os projetos mais modernos a sacrificam em prol da redução de custos. Isto é obtido através da utilização de tecnologias comerciais ou seja, no lugar de dirigir o próprio desenvolvimento tecnológico da nação os novos projetos de MFPL são dirigidos por ele. Não se justifica mais gastar dinheiro e tempo desenvolvendo tecnologias cujo máximo desempenho teórico já foi alcançado, e está disponível para venda no mercado internacional.
Um outro ponto a destacar é o resultado que se espera obter com todos os esforços na pesquisa em engenharia de MFPL no Brasil. No caso do VLS-1B, apenas um motor , o L-75, deverá ser empregado no foguete (só o último estágio), para obter uma melhoria marginal da capacidade de carga e maior precisão na inserção de satélites em órbita. E o único outro programa já mencionado até hoje referente a foguetes lançadores no Brasil é o Cruzeiro do Sul, que segundo foi divulgado iria envolver o desenvolvimento de um grande motor de combustível sólido (o P-36), o aproveitamento do L-75 em outras configurações e apenas mais um MFPL, o L-1500, a ser desenvolvido no futuro. Ou seja, todas as ambições espaciais do Brasil no espaço poderiam ser atingidas com apenas DOIS modelos de MFPL.
A questão que fica então é: Quanto vale a pena investir hoje em tecnologia e infra-estrutura básica de projeto e desenvolvimento de MFPL, se no horizonte imaginável apenas estes dois modelos de motores serão realmente desenvolvidos (sendo que, pelas informações divulgadas até agora, o primeiro será apenas uma nacionalização de um motor russo da década de 60)? Não seria mais rápido e barato simplesmente adquirir projetos prontos nos países onde eles já existem (e que agora tem poucas restrições quanto a isso), ou mesmo encomendar lá projetos adequados às nossas necessidades? O tempo e dinheiro assim economizados não seriam melhor aplicados no desenvolvimento dos foguetes em si e das cargas-úteis?
Leandro G. Card