Países assumem controle operacional de serviços elementares à população do Haiti
Publicada em 15/01/2010 às 23h51m
Gilberto Scofield Jr.
PORTO PRÍNCIPE, BRASÍLIA e RIO - Com o governo haitiano ainda atônito diante da catástrofe causada pelo terremoto da última terça-feira - e quase incapaz de operar, já que a maior parte de suas instalações oficiais ruiu - o controle operacional de serviços elementares à população tem cabido a países estrangeiros e a entidades de ajuda internacional. Nesse cenário de calamidade,
os Estados Unidos tomaram para si a responsabilidade de organizar do resgate de sobreviventes à gestão de tráfego aéreo, passando pelo reforço na manutenção da segurança pública. Até segunda-feira, as Forças Armadas americanas farão chegar a Porto Príncipe um contingente de 10 mil homens. E o Brasil, que desempenha importante papel estratégico no esforço de restabelecer alguma ordem em meio ao caos haitiano, tenta lidar diplomaticamente com a preponderante ação dos EUA.
Insatisfeito com a dificuldade no acesso de aviões brasileiros ao espaço aéreo do Haiti, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, telefonou para a secretária de Estado americana, Hillary Clinton - que deve chegar no sábado a Porto Príncipe - a fim de pedir prioridade no desembarque. Como os EUA estão gerenciando o tráfego aéreo local (o premier do Haiti, Jean-Max Bellerive, emitiu memorando dando o controle temporário do aeroporto às autoridades americanas), Amorim fez o contato, disse, para "desfazer eventuais mal-entendidos":
- Mencionei o problema de acesso da própria Minustah (a Missão da ONU para Estabilização do Haiti) ao aeroporto, além de voos brasileiros que levam ajuda, mas têm dificuldade para chegar. Sabemos que há muitos voos e muitos países, mas é importante ter clareza de que estamos sendo tratados com prioridade adequada.
Na conversa, segundo o chanceler, Hillary teria dito que tomaria providências. A secretária, acrescentou Amorim, também esclareceu que as forças americanas enviadas ao Haiti estão lá para fins humanitários e não pretendem interferir na manutenção da ordem, tarefa da Minustah. O mesmo defendeu ontem o secretário de Defesa americano, Robert Gates, consciente do temor de que os EUA façam uma intervenção militar. Segundo ele, o papel dos soldados enviados é complementar, e não suplantar as tropas da ONU na prevenção de distúrbios. A prioridade, disse, é distribuir ajuda:
- A chave é levar comida e água o mais rápido possível a fim de que, em seu desespero, as pessoas não se voltem para a violência ou levem à deterioração da situação de segurança.
O reforço no envio de soldados foi anunciado por Obama após uma conversa de meia hora com o dirigente haitiano, René Préval. Na sexta-feira, chegou a Porto Príncipe o porta-aviões Carl Vinson, com 19 helicópteros, três salas de operações e dezenas de camas hospitalares, além de capacidade de produzir 35 mil litros diários de água potável. Hoje, Obama se reúne ainda com os ex-presidentes George W. Bush e Bill Clinton a fim de organizar os esforços de ajuda. Préval agradeceu ao povo americano "do fundo do coração".
De volta de Porto Príncipe, o ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, disse ontem no Rio que algumas graves preocupações do governo haitiano dizem respeito à restauração das telecomunicações, à reabertura de estradas e à recuperação do aeroporto:
- A impressão que se tem é de que as autoridades ainda estão impactadas pelo o que aconteceu.
Segundo o ministro, os esforços brasileiros no Haiti serão liderados pelo coronel João Batista Carvalho Bernardes, comandante do Batalhão Brasileiro no país; o comandante da missão, general de brigada Floriano Peixoto Vieira Neto, e o embaixador Igor Kippman - mas o trabalho deverá ser coordenado pelas autoridades haitianas para evitar sobreposição.
- Auxílio humanitário unilateral não funciona. Deve ser coordenado no país. Disse ao presidente Préval que indicávamos essas três autoridades. Mas quem tem de coordenar é a Minustah, e o governo determina um coordenador governamental - disse Jobim, que voltou a falar da importância de manter a segurança. - O Brasil está levando instrumentos não letais, como balas de borrachas. Segundo o presidente, com a falta de água, combustível e alimento, as pessoas começam a ficar revoltadas, embora o povo haitiano seja curtido pela desgraça.
A ONU também tratou de lançar um apelo para arrecadar US$ 550 milhões a fim de ajudar sobreviventes da catástrofe. E anunciou ontem ainda planos de converter o estádio nacional de futebol num hospital de campanha e de instalar cozinhas coletivas para os desabrigados. E, se nos últimos dias o resgate de sobreviventes vem carecendo de especialistas, o mesmo acontece com a identificação de vítimas da catástrofe, e o auxílio externo se faz necessário. A Interpol enviará na segunda uma equipe, e se ofereceu para centralizar avisos de desaparecidos.
Fonte: http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2010/ ... 540971.asp