#149
Mensagem
por Marino » Seg Jan 11, 2010 11:41 am
FSP:
Governo pode reeditar plano sem referência a torturadores
Assim, texto que cria comissão de investigação não citaria militares nem guerrilha
Sugerida por Nelson Jobim, mudança de trecho do plano de direitos humanos pode ser aceita por Vannuchi, que ameaçou pedir demissão
ELIANE CANTANHÊDE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo articula uma solução de meio termo para a questão nevrálgica do terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos: em vez de acrescentar ao texto do programa a investigação da esquerda armada durante a ditadura militar (1964-1985), como querem as Forças Armadas, seria suprimida a referência à "repressão política" na diretriz 23, que cria a comissão da verdade.
Ou seja, a questão seria resolvida semanticamente, sem especificar a apuração de excessos de nenhum dos dois lados. O texto passaria a prever a apuração da violação aos direitos humanos durante a ditadura, genericamente, sem especificar de quem e de que lado.
Essa proposta está sendo colocada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e poderá ser aceita pelo ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, que aposta numa "solução de meio termo".
Jobim não aceita uma comissão unilateral, focada apenas na apuração das violações praticadas pelos militares. E Vannuchi não admite a investigação da esquerda armada. Sem referência aos dois lados, a questão poderá ser resolvida pelo Congresso Nacional.
O plano foi formalizado como decreto presidencial, prevendo a formação de um grupo de trabalho do Executivo para elaborar um projeto de lei ao Congresso, criando a comissão da verdade. Com o decreto revisado, se houver o acordo, o projeto ficaria mais flexível para o debate parlamentar.
O presidente Lula volta de férias e começa o ano de trabalho hoje entre esses dois fogos: o de um amplo setor da sociedade, liderado por Jobim, que quer a revisão do plano, e o de juristas e familiares de desaparecidos políticos, que respaldam Vannuchi e não aceitam alterações significativas.
No confronto, os dois lados ameaçam com pedidos de demissão justamente num ano de campanha eleitoral, em que Lula pretende somar apoios para a sua candidata ao Planalto, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Ex-militante da esquerda armada, torturada e presa durante a ditadura militar, ela é parte diretamente interessada no plano.
Vannuchi não abre mão de exigir "uma narrativa sincera, honesta e humilde do Estado brasileiro sobre as circunstâncias dos desaparecimentos e o local onde os corpos estão".
"O país não tem o direito de saber toda a história que envolve Rubens Paiva, Vladimir Herzog, Honestino Guimarães? Sem isso, como é possível virar a página? Eles, aliás, foram torturados, mortos e nem sequer eram da esquerda armada."
O ministro de Direitos Humanos tem respaldo, por exemplo, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e do "Manifesto Contra a Anistia aos Torturadores", reunindo mais de 10 mil assinaturas em diferentes setores da sociedade civil em todo o país.
O ponto central do manifesto, porém, é uma questão que, segundo tanto Jobim quanto Vannuchi, não está colocada no plano: a revisão da Lei da Anistia, de 1979, que valeu para os dois lados, tanto para os militares e civis responsáveis pela repressão quanto para os militantes de esquerda.
Na versão dos dois ministros, o item 2 da diretriz 23 já faz referência à lei (citada pelo número, não pelo nome), o que caracteriza o reconhecimento de sua legitimidade.
Além da polêmica com a área militar, o plano também provoca críticas de outros setores. A Igreja Católica reagiu contra a descriminalização do aborto. O setor ruralista, apoiado pelo ministro Reinhold Stephanes (Agricultura), considera o plano "preconceituoso contra o agronegócio". As entidades de imprensa acusam um ataque à liberdade de expressão.
Vannuchi lamentou a posição crítica do PSDB e do DEM, alegando que o atual plano segue e aprofunda os dois primeiros planos, ambos elaborados no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1999 e 1999-2003).
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PSDB cobra posição de Dilma sobre o programa
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra (PE), cobrou ontem uma manifestação da potencial candidata do PT à Presidência, ministra Dilma Rousseff, acerca do controverso plano de direitos humanos decretado pelo governo. A titular da Casa Civil estava em férias e retorna ao trabalho hoje.
Para Guerra, "é inimaginável que uma iniciativa dessa complexidade não tenha a participação da Casa Civil". "Por que a ministra Dilma, que fala sobre tudo, está calada?", alfinetou.
O governador de São Paulo e possível candidato do PSDB à Presidência, José Serra, avisou a interlocutores que não pretende falar sobre o assunto. Então presidente da UNE, Serra exilou-se após o golpe militar.
Serra tem sido aconselhado a evitar o debate, sob argumento de que importaria para o PSDB uma polêmica que consome a base governista. O ideal, recomendam os serristas, é assistir à crise. Os tucanos ainda temem que a apresentação do programa tenha nascido de uma tentativa de reconquista dos movimentos sociais. E, em caso de descuido, o PSDB poderia acabar caracterizado como conservador, acirrando o caráter plebiscitário que o PT pretende dar à eleição.
No PSDB, há quem duvide que Serra consiga driblar o assunto. Nesse caso, a orientação é concentrar críticas à forma de concepção do programa, contornando o mérito de temas mais delicados. "O método não é adequado. Como se constrói democracia em cima de representação de conferências estaduais e nacional? É distorção da representatividade", disse o vice-governador Alberto Goldman. "O Congresso não discutiu", diz o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal.
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Entidades de direitos humanos rechaçam mudanças no plano
Grupos dizem que durante a ditadura guerrilheiros já foram julgados e punidos, ao contrário de militares torturadores
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Entidades de defesa dos direitos humanos, contra a tortura e de familiares de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar (1964-1985) manifestaram-se contrariamente à modificação proposta no texto da diretriz 23 do Programa Nacional de Direitos Humanos. Pelo novo texto, seria suprimida referência à "repressão política" no quesito que prevê a apuração das violações dos direitos humanos.
Os militares não se manifestaram após a divulgação das polêmicas envolvendo o plano.
"O novo texto deixa tudo em aberto. Violações de direitos humanos seriam apuradas tanto as cometidas por organizações da esquerda armada quanto pela repressão política. Como se fosse igual. E não é", diz Maria Amélia de Almeida Teles, integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
"Quem é o agente da repressão política que já foi punido por seus atos? Nenhum torturador ou estuprador que agiu nos porões da repressão respondeu pelos crimes de lesa-humanidade que cometeu", acusa o jornalista Alípio Freire, da extinta organização Ala Vermelha, preso durante "5 anos, um mês, um dia e 18 horas", entre 1969 e 1974.
"Nós, sim, os militantes, fomos punidos. Muitas vezes. Fomos sequestrados, levados para cárceres clandestinos [dos quais muitos desapareceram], mantidos incomunicáveis, presos, torturados, mortos, condenados, forçados ao exílio", diz Alípio Freire.
A acusação contra Freire era a de "tentativa de tomada do poder", de "guerra subversiva, psicológica e adversa", de "ação armada", conforme tipificado pela Lei de Segurança Nacional, a temida LSN. Condenado a dez anos na Auditoria Militar de São Paulo, posteriormente, o próprio Superior Tribunal Militar revisou a sentença, reduzindo-a para seis anos. "Fiquei preso dois anos a mais do que eles mesmos -e suas leis de exceção- julgaram que eu devia. Com três anos, teria direito a sair", lembra.
"Os militantes contra a ditadura já foram punidos, inclusive à luz da legislação do regime ditatorial existente na época no Brasil. O que é preciso fazer, até porque nunca foi feito antes, é apurar as responsabilidades daqueles que, de dentro do Estado, torturaram e mataram", afirma Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.
"Esta é a segunda tentativa do ministro Nelson Jobim de ganhar no tapetão", afirma Zelic. "Na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, em 2008, os membros da pasta da Defesa já tinham tentado mudar o caráter da comissão nacional de verdade e justiça, propondo que ela se chamasse comissão da verdade e reconciliação. Perderam. Agora, de novo, tentam esvaziar o plano."
APOIO:
OAB diz que militares devem ser punidos legalmente
O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, disse que os militares que cometeram crimes de lesa-humanidade no período da ditadura devem ser punidos legalmente. Britto defendeu o ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e afirmou que ele tem razão ao defender a criação de uma comissão da verdade. O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, disse que o ministro Nelson Jobim (Defesa) e os comandantes das Forças Armadas devem cumprir a ameaça de entregar os cargos a Lula.
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Painel
SILVIO NAVARRO (interino) -
Redução de danos
Ao sentar à mesa para sua primeira reunião de coordenação do ano, hoje, o presidente Lula ouvirá de seus auxiliares a avaliação de que as novas frentes de discórdia abertas pelo terceiro Programa Nacional dos Direitos Humanos podem inviabilizar o único ponto que de fato interessava ao governo: a criação da comissão da verdade para investigar crimes de tortura durante a ditadura militar. A ideia é tentar enterrar logo a polêmica para evitar que ela seja vinculada pela oposição à futura campanha de Dilma Rousseff.
Governistas que defendem o total distanciamento de Dilma do caso admitem que o desgaste pode chegar à ministra-candidata por dois caminhos: o passado de guerrilheira e/ou o papel de "gerente" do governo.
Fagulhas
Na base aliada, o discurso é desde já tentar desassociar pontos polêmicos do texto do que serão as diretrizes da plataforma eleitoral de Dilma. Do contrário, avalia-se, seriam queimadas pontes com diversos segmentos que o Planalto tenta atrair ou, no mínimo, não contrariar.
Bombeiro
Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula, ficou encarregado de dialogar com setores da Igreja que reclamaram do Programa de Direitos Humanos. A principal tarefa é "relativizar" a defesa aberta que o texto faz da descriminalização do aborto.
Lados
No PT, um dos alvos favoritos é Reinhold Stephanes (Agricultura), que veio a público para afirmar que o documento revela "preconceito com a agricultura comercial". Críticos dizem que o ministro do PMDB fala em deixar o cargo desde novembro porque sua base eleitoral, encorpada por ruralistas, tem simpatia mesmo é pela oposição.
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco