Os grifos na materia abaixo são de minha autoria.
Nem mosquitos, nem serpentes: principal inimigo do Exército para proteger a Amazônia é a falta de dinheiro
Chefe do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia diz na 61ª Reunião Anual da SBPC que investir na preservação dos recursos naturais é indispensável
Daniela Amorim escreve de Manaus para o “JC e-mail”:
Mata fechada, calor intenso, nuvens de mosquitos e serpentes venenosas são alguns dos desafios enfrentados pelo Exército brasileiro para fazer o patrulhamento da Amazônia, sobretudo na área de fronteira.
O general-de-brigada Alberto Martins Bringel, chefe do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia, expôs a realidade das tropas que atuam na região amazônica durante uma conferência na 61ª Reunião Anual da SBPC, em Manaus.
Mas a biodiversidade está longe de ser um inimigo. Oficiais e soldados são treinados na selva para entender que a natureza é o patrimônio a ser preservado.
“Em nenhum lugar do país essa integração com a natureza é tão intensa e completa. Os homens que servem sabem que a natureza precisa ser protegida”, afirmou o general Bringel.
Os números da região impressionam pela magnitude. São 3,6 milhões de km2, cerca de 42% do território brasileiro, sob a responsabilidade do Comando Militar da Amazônia. Estão incluídos seis estados (Roraima, Rondônia, Amapá, Pará, Acre e Amazonas) e 13 milhões de habitantes. O Exército é responsável pelo patrulhamento de 11.000 km de fronteira terrestre e 1.300 km de fronteira litorânea.
“As pessoas reclamam que o Exército não patrulha a fronteira direito, deixa entrar drogas e armas. A fronteira dos Estados Unidos com o México tem só 2.400 km. Passam drogas, passan imigrantes ilegais, passa muita coisa que não devia. Lá é o país mais desenvolvido do mundo. E não tem nem a dificuldade dessa floresta”, disse Bringel.
Quando questionado sobre a atuação em áreas protegidas, o general afirmou que o patrulhamento de áreas indígenas não muda com a criação de reservas como a Raposa Serra do Sol.
“Não muda nada. As reservas indígenas são terras federais, então o exército está presente. Há um decreto presidencial para que tenha um pelotão em todas as reservas indígenas e unidades de conservação. Temos pelotão em algumas e vamos construir mais. Em unidades de conservação eles funcionam em sistema de rodízio. O camarada não leva a família, só passa um tempo e depois é substituído”, explicou Bringel.
Uma das principais preocupações, além de proteger a fauna e a flora e combater o tráfico, é preservar as riquezas do solo. A tarefa se torna mais difícil quando não há a presença do poder público na maior parte da região.
“A principal ameaça interna é a ausência do Estado. Porque permite ilícitos, destruição do patrimônio e a ação de organizações internacionais. Então a ausência do Estado é como uma doença, uma mazela nossa. E como combater essa ausência? Através da presença federal. Temos que ter a presença e a atuação do poder público em todos os seus segmentos: justiça, segurança, educação, transporte, saúde. A ausência do Estado agrava a questão indígena, ambiental e fundiária, as ações isoladas das ONGs e os ilícitos de toda ordem”, lamentou o militar.
O Exército tem oficiais e sargentos especialistas em operações na selva. Já são 4.671 militares formados e 391 estrangeiros, com destaque para franceses, equatorianos e argentinos. Os cabos e os soldados são recrutados na região, porque conhecem a floresta e operam com desenvoltura. Apesar de procurarem manter a ordem nas áreas mais longínquas, Bringel ressalta que é preciso deixar claro quais são os papéis de cada instituição.
“Como o Exército está relativamente bem representado em diversos pontos da Amazônia, parte da população confunde o Estado com o Exército. Mas não é bem isso. Por exemplo, desmatamento é missão do Ibama. O Exército não usa a patrulha dele em uma operação para combater o desmatamento. Estaria ocupando o espaço do Ibama. Mesmo porque os recursos que eu tenho já estão direcionados. Ao montar uma operação para combater o desmatamento estou desviando recursos do Exército para outra finalidade. Agora, estamos fazendo patrulhamento da fronteira e nos deparamos com um desmatamento. Aí nós paramos, olhamos, verificamos e, se for o caso, prendemos. Geralmente a gente já convida uma dupla do Ibama ou pelo menos um agente para ir junto da patrulha, de carona. Vai comendo a nossa comida, no nosso barco, e se a gente se depara com o ilícito eles fazem a autuação”, relatou o chefe do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia.
Segundo o general, atualmente as pessoas procuram o Exército para solucionar os mais variados problemas.
“As pessoas vão no Exército como se fôssemos cuidar da missão de todos os ministérios. O Exército mal tem recursos para a sua própria sobrevivência. Agora, quando estamos fazendo nossa missão e nos deparamos com o delito, seja tráfico ou o que for, por termos poder de polícia na faixa de fronteira, nós autuamos, nós prendemos. Mas é preciso entender que fazemos na carona, não como missão principal”, explicou Bringel.
“Se o Ibama precisa de apoio logístico, ele solicita ao Exército e paga a conta da operação. Ele é o artista principal e o Exército é o suporte, coadjuvante. Se a Funasa solicita: tenho que vacinar índios e preciso do helicóptero, o Exército fornece. A Funasa paga a conta chamada horas de voo, porque a gente não pode pegar o helicóptero, que custa dinheiro. Só para girar a hélice já custa dinheiro. Então o Exército coopera com todos os órgãos que solicitam”.
Se a atuação de madeireiros, garimpeiros e traficantes são uma preocupação dentro do território brasileiro, a principal ameaça externa não é tão objetiva. A guerra é contra a opinião pública disseminada na comunidade internacional.
“A principal ameaça externa é a opinião pública internacional estar convencida de que o Brasil não é capaz de cuidar da Amazônia. E a estratégia da dissuasão é a presença militar. Se você tem força, se os outros países veem que você é forte naquela região, se desestimulam, desistem de sua pretensão”, avaliou Bringel.
“As pessoas dizem que não precisam de Exército porque o Brasil não entra em guerra desde a 2ª Guerra Mundial. Mas tirar 10 com louvor na guerra é você evitar a guerra. Quando há conflito armado é porque alguém errou. Ou o presidente, ou o congresso... É porque alguém deixou a crise ir longe demais. Por isso existem os generais em vários batalhões na Amazônia. Eles estão lá para gerenciar crises e conflitos, para não deixar que saiam do controle” ,contou.
Em 1950, havia mil militares na Amazônia. Hoje esse número é de 26.300 homens atuando na região. Há 28 organizações militares na linha de fronteira, duas companhias, 22 pelotões e quatro destacamentos.
“Tenho que ser forte e mostrar que sou forte para desestimular inimigos, adversários, quem quer que seja. Para isso precisamos de dinheiro. Mas o Brasil não é um coitadinho. Estamos entre as principais economias do mundo. Dinheiro há. Não pergunte a mim, pergunte aos homens”, afirmou.
Segundo o general, um dos maiores desafios é justamente trabalhar com orçamentos reduzidos.
“Nosso problema é um só: tutu. Porque se você tem mais, você compra mais, usa mais. Se tem menos dinheiro, compra menos, usa menos, tem uma preparação menor”, lamentou Bringel, para quem investir na preservação dos recursos naturais é indispensável. “O desenvolvimento da Amazônia independe da nossa vontade. O que depende de nós é que seja sustentável. A conscientização da sociedade é fundamental para desencorajar os ilícitos predatórios”.