Luiz Orlando Carneiro , Jornal do Brasil
BRASÍLIA - A decisão da Corte Suprema de Justiça da Argentina de que é inconstitucional a punição penal de quem tenha a posse de pequena quantidade de maconha para consumo pessoal só poderá ser tomada no Brasil, pelo Supremo Tribunal Federal, caso a Corte seja provocada por uma ação de inconstitucionalidade ou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental específica (ADPF) sobre a questão. Mas, no julgamento de habeas corpus – principalmente de soldados condenados pela Justiça militar por terem sido flagrados fumando maconha em quartéis – as turmas do STF têm determinado a soltura dos réus, com base no “princípio da insignificância” e na Lei 11.343/06 (nova Lei de Drogas), que veda a prisão do usuário, em troca de penas alternativas.
– Há uma reclamação geral de que a jurisprudência ainda está muito radical na distinção entre o usuário e o traficante – comentou o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, ao ser indagado sobre o entendimento da Corte Suprema argentina. – Temos que uniformizar a aplicação da nova lei (a lei de 2006). Vou fazer a verificação daquilo que é suscetível de uniformização, para que possamos levar a matéria ao plenário. A questão da liberdade provisória talvez seja o tema com melhores condições de ser analisado. Mas é preciso que alguém provoque o Supremo quanto à inconstitucionalidade da lei como um todo.
O ministro informou que pretende realizar, ainda neste semestre, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, uma workshop para debater a aplicação da lei com juízes criminais e especialistas, e que o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, lhe disse haver 80 mil pessoas presas em todo o país por conta de crimes relacionados com o tráfico de drogas.
O presidente do STF estará na Argentina, na próxima semana, para um encontro das cortes supremas das Américas, “e talvez tenha a oportunidade” de se “informar melhor sobre o assunto”.
A Lei 11.343, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e “prescreve medidas para prevenção do uso indevido e reinserção social de usuários e dependentes de drogas” dispõe (artigo 28, incisos 1, 2 e 3): “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, será submetido às seguintes penas: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.
Com relação à aplicação da lei, dentre outras decisões similares, a 2ª Turma do STF concedeu habeas corpus, em junho do ano passado, a um soldado preso e punido em flagrante, dentro do quartel, “portando, para uso próprio, pequena quantidade de entorpecentes. No voto vencedor, o ministro Eros Grau (relator) afirmou: “A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressibilidade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância. A nova Lei de Drogas veda a prisão do usuário. (...) Punição severa exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei 11.343/06. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da Nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental”.
A diretora do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) Kátia Tavares, integrante da Comissão de Direito Penal da entidade, defende a revogação das penas – embora brandas – existentes na atual Lei das Drogas.
– O texto dessa lei criminaliza o porte de drogas pelo usuário, ainda que para o seu próprio uso, quando o ideal é que tal conduta não seja considerada um crime, mas uma questão de saúde – afirma. – Não se trata de legalizar o uso de entorpecentes por quem dele é dependente, mas de descriminalizá-lo. A Corte Suprema da Argentina deu um bom passo à frente, na linha da tendência já crescente na América Latina, como no México e no Peru.
Fonte: http://jbonline.terra.com.br/pextra/200 ... 825448.asp