#1023
Mensagem
por Clermont » Seg Mar 09, 2009 6:18 pm
RECONSTRUINDO GAZA PARA ARRASÁ-LA DE NOVO.
Por Uri Avnery – 9 de março de 2009.
Esta semana, tive uma experiência nostálgica. Encontrei uma delegação parlamentar de um país europeu. O que tornou este encontro uma ocasião especial para mim, foi o seu local.
O “Salão do Paxá”, do Hotel “Colônia Americana” na Jerusalém oriental é um maravilhoso espaço, decorado no tradicional estilo árabe. Eu estava nesta sala, no momento em que Yitzhak Rabin estendeu a mão a Yasser Arafat, no jardim da Casa Branca, na cerimônia de assinatura do Acordo de Oslo.
Estávamos concentrados aí, espontaneamente, ativistas da paz israelenses e líderes do Fatah, para celebrar, juntos, o evento. Nós assistimos os eventos pela TV e estouramos garrafas de champanha. Eu ainda guardo uma das rolhas.
Apenas uma hora antes, eu tinha presenciado um encontro, não menos excitante. Um grupo de jovens palestinos, delirantes de júbilo, marcharam pelas ruas, com ramos de oliveira nas mãos e uma grande bandeira palestina ondulando sobre suas cabeças. Na esquina da rua, uma unidade da Polícia de Fronteiras – a mais agressiva força anti-árabe em Israel – estava aguardando. Na época, até mesmo a simples posse de uma bandeira palestina era crime.
Por um momento, prendemos a respiração. O que aconteceria? Os palestinos correram para os policiais e entregaram ramos de oliveira nas mãos deles. Os policiais não sabiam o que fazer. Eles, obviamente, estavam em estado de total desorientação e não reagiram, no final das contas. Os jovens entusiasmados continuaram seu caminho pelas ruas de Jerusalém Oriental, cantanto e comemorando.
Hoje, quinze anos e meio depois, pode-se olhar para trás, com nostalgia, para a paixão pela paz que possuía a nós todos, então. Nada sobrou deste fervor, desta esperança, deste zelo pela reconciliação.
Tudo isto foi, agora, substituído por uma venenosa mistura de falta de esperança e melancolia.
Se você parar, aleatoriamente, quaisquer dez transeuntes numa rua de Tel Aviv e perguntar-lhes o que pensam sobre as chances de paz, nove deles darão com os ombros e responderão: não vai acontecer. Sem chances. O conflito vai continuar, para sempre.
Eles não dirão: não queremos a paz, o preço da paz é alto demais. Ao contrário, muitos declararão que, em nome da paz, estão prontos para devolver os territórios ocupados, até mesmo Jerusalém Oriental, e deixar os palestinos terem seu próprio estado. Certo. Então, por quê ? Mas, eles acrescentarão: sem chances. Não vai haver paz.
Alguns dirão: os árabes não a querem. Outros dirão: nossos líderes não podem fazer isto. Mas a conclusão é a mesma: não vai acontecer.
Uma pesquisa similar com palestinos, provavelmente, renderia os mesmos resultados: nós queremos a paz. A paz seria maravilhosa. Mas não há chances. Não vai acontecer.
Este clima produziu os mesmos resultados políticos, em ambos os lados. Nas eleições palestinas, o Hamas ganhou, não devido a sua ideologia, mas porque ele expressava a perda de esperança de paz com Israel. Nas eleições israelenses, ocorreu um movimento geral para a Direita: os esquerdistas votaram no Kadima, o pessoal do Kadima votou pelo Likud, e o pessoal do Likud votou nas facções fascistas.
Sem esperanças, não há Esquerda. A Esquerda é, por natureza, otimista; ela acredita num futuro melhor, na chance de mudar tudo para melhor. A Direita, é, por natureza, pessimista. Ela não crê na possibilidade de mudar a natureza e a sociedade humana para melhor; ela está convencida de que a guerra é uma lei da natureza.
Mas, entre os sem esperança, ainda há os que esperam que uma intervenção estrangeira – de americanos, europeus e, até mesmo, árabes – irá impor a paz sobre nós.
Nesta semana, esta esperança foi, severamente, abalada.
Na TV, nós assistimos a uma, singularmente, impressionante conferência, um enorme encontro de líderes mundiais, todos vindo para Sharm-el-Sheikh. (Lembram que, durante nossa ocupação do Sinai, ela era chamada de Ophira? Lembram de Moshe Dayan declarando que preferia Sharm-el-Sheikh sem paz do que paz sem Sharm-el-Sheikh?)
Quem não estava lá? Chineses e japoneses esbarrando em sauditas e qataris. Nicolas Sarkozy estava por toda parte (na verdade, era quase impossível tirar uma foto na qual o hiperativo presidente francês não aparecesse). Hillary Clinton era a estrela. Hosni Mubarak celebrou seu feito em concentrar todos eles em solo egípcio...
E, para quê? Para a pequena e pobre Gaza. Ela tem de ser reconstruída.
Foi uma celebração de solene hipocrisia, no melhor tradição da diplomacia internacional.
Primeiro de tudo, ninguém de Gaza estava lá. Como no auge do imperialismo europeu, 150 anos atrás, o destino dos nativos era decidido sem que os próprios nativos estivessem presentes. Quem precisa deles? Afinal de contas, eles são primitivos. Melhor sem eles.
Não só o Hamas estava ausente. Uma delegação de empresários e ativistas da sociedade civil de Gaza, tampouco pode chegar. Mubarak, simplesmente, não lhes permitiu passar pela travessia de Rafah. O portão da prisão chamada Gaza, estava barrado pelos carcereiros egípcios.
A ausência de delegados de Gaza, e, especialmente, do Hamas transformou a conferência numa farsa. O Hamas governa Gaza. Ele ganhou as eleições lá, como em todos os territórios palestinos, e continua a governá-la, mesmo após um dos mais poderosos exércitos do mundo tentar desalojá-lo. Nada acontecerá na Faixa de Gaza, sem o consentimento do Hamas. A decisão mundial de reconstruir Gaza sem a participação do Hamas é pura asneira.
A guerra terminou com um frágil cessar-fogo, que está desabando diante de nossos olhos. No seu discurso de abertura para a conferência, Mubarak indicou que é Ehud Olmert que, agora, está impedindo um armistício (chamado Tadyah, ou “calma” em árabe). Ninguém na conferência reagiu. Mas, quando não houver mais o cessar-fogo, outra guerra, ainda mais destrutiva, virá. É só questão de tempo – meses, semanas, talvez, dias. O que ainda não foi destruído, será destruído, então. Portanto qual o sentido em investir bilhões para reconstruir escolas, hospitais, prédios do governo e casas comuns, todos os quais serão demolidos, de novo?
Mubarak falou sobre a troca de prisioneiros. Sarkozy falou com muita simpatia sobre o soldados “Jilad Shalit”, um cidadão francês que todo o povo da França quer ver libertado. Interessante. Há 11 mil prisioneiros palestinos em cárceres israelenses. Quantos destes também possuem cidadania francesa? Sarkozy não disse. Não interessa a ele. Mesmo neste bando de hipócritas, ele se esforça para ser o campeão.
Os participantes da conferência prometeram a Mahmoud Abbas, uma fabulosa soma em dinheiro. Quase 5 bilhões de dólares. Quanto disto, realmente, será pago? Quanto disto, realmente, passará pela peneira e alcançará Gaza? De acordo com uma mulher de Gaza, que apareceu na televisão, mãe sem-teto, que vive numa pequena tenda, no meio de uma enorme poça de lama: nem um só centavo.
Terá sido a parte política da exibição, mais séria? Hillary faltou sobre “Dois Estados para Dois Povos.” Outros falaram sobre “O Processo Político” e “Negociações de Paz”. E todos, sem exceção, sabiam que estas nada eram, além de palavras ocas.
Em seu poema, “If”, Rudyard Kipling perguntava se ”você pode suportar ouvir as verdades que pronuncia/Distorcidas por vilões para serem transformadas em armadilhas para tolos.” Este, agora, é o teste para todos aqueles que estavam na origem da idéia de “Dois Estados”, cerca de sessenta anos atrás.
Esta visão era – e permanece sendo – a única solução viável para o conflito israelense-palestino. A única alternativa realista será a continuação da atual situação – ocupação, opressão, apartheid, guerra. Mas os inimigos daquela visão, ficaram espertos e fazem de conta que dão apoio a ela, em todas as ocasiões.
Avigdor Lieberman é favorável aos “Dois Estados”. Absolutamente. Ele esclarece: vários enclaves palestinos, cada um deles, cercado pelas forças armadas israelenses e por colonos, como ele próprio. Estes bantustões irão ser chamados de “um estado palestino”. Uma solução ideal, na verdade: o estado de Israel será limpo de árabes, mas continuará a governar sobre toda a Margem Ocidental e a Faixa de Gaza.
Binyamin Netanyahu tem uma visão similar, mas com palavras diferentes: os árabes “governarão a si mesmos”. Eles governarão suas cidades e aldeias, mas não o território, nem na Margem Ocidental e nem na Faixa de Gaza. Eles não terão exército, naturalmente, e nem controle do espaço aéreo sobre suas cabeças, nem terão qualquer contato físico com países vizinhos. Menachem Begin costumava chamar isto de “autonomia”.
Mas, haverá “paz econômica”. A economia palestina “florescerá”. Até mesmo Hillary Clinton ridicularizou esta idéia, publicamente, antes de se encontrar com Netanyahu.
Tzipi Livni quer “Duas Nações-Estado”. Sim, madame. Quando? Bem... Primeiro de tudo, deve haver negociações, ilimitadas no tempo. Estas não frutificaram durante os anos em que ela as conduzia, nem levaram a lugar algum. Ehud Olmert fala sobre “Processo Político” – porque ele não o levou a uma conclusão bem-sucedida, durante os anos de sua administração? Quanto tempo levará o “Processo”? Cinco anos? Cinqüenta? Quinhentos?
Sendo assim, Hillary fala sobre “Dois Estados”. Fala com grande vigor. Está disponível para falar sobre isto com qualquer governo israelense que seja estabelecido, até mesmo se for inspirado pelas idéias de Meir Kahane. A coisa principal é que eles conversem com Mahmoud Abbas, e que Abbas, neste meio-tempo, receba dinheiro, um bocado de dinheiro.
Um governo de extrema-direita está para ser estabelecido. O Kadima, de forma louvável, decidiu não participar. De outro lado, Ehud Barak, o pai de “Nós Não Temos Nenhum Parceiro para a Paz”, está procurando, desesperadamente, um jeito de entrar.
E, por quê não? Ele não será a primeira prostituta política do seu partido.
Em 1977, Moshe Dayan desertou do Partido Trabalhista, de modo a servir como ministro do exterior e tampão para Menachem Begin, que, à força, impediu o estabelecimento de um estado palestino. Em 2001, Shimon Peres, levou o Partido Trabalhista para uma aliança com o governo de Ariel Sharon, de modo a poder servir como ministro do exterior e tampão para o homem, cujo próprio nome, fazia todo o mundo estremecer, depois dos massacres de Sabra e Shatila. Então, por quê Ehud Barak não deveria se tornar um tampão para um governo que inclui fascistas escancarados?
Quem sabe, ele mesmo nos represente na próxima conferência em Ophira – desculpem, Sharm-el-Sheik – aquela que irá ser convocada depois da próxima guerra, na qual Gaza será arrasada até o chão. Afinal de contas, um bocado de dinheiro será necessário para reconstruí-la, de novo.