Vou colocar aqui uma matéria da revista ASAS sobre contrabandos patrocinados pelo presidente ucraniano.
Com certeza, muitos de vocês já conhecem esta história. Mas, outros, talvez não.
Contrabando em estilo presidencial
Por Villwock Kraemer - especial de Kiev, Ucrânia
Na edição de 2 de outubro último do mais antigo jornal russo, o Izvestia, foi publicada uma reportagem que revelou percalços recentes do presidente e de alguns dos principais líderes ucranianos, que não apenas afrontaram a Rússia (que teria tudo para ser um aliado natural do país), mas inclusive afetaram a própria segurança nacional da Ucrânia - tudo em nome de questionáveis "ganhos" políticos (e talvez, menos claros, ganhos pessoais). A situação acabou levando o país a ser sacudido por um enorme escândalo. Em 1º de outubro, a primeira-ministra Yulia Timoshenko acusou diretamente o presidente Victor Yushchenko e alguns de seus colaboradores mais próximos de contrabando de armas.
Na matéria do jornal foram mostrados, com exclsividade, documentos comprovando o fornecimento, pela Ucrânia, para as Forças Armadas da Geórgia de armas que foram empregadas na carnificina da agressão contra a população civil da Ossétia do Sul e a Força de Paz russa na região. A entrega das armas foi realizada com o conhecimento e ordens diretas do próprio Yushchenko - e em detrimento da segurança nacional da Ucrânia. Em resultado do escândalo, uma das ameaças diante do presidente é o seu impeachment.
As armas utilizadas pela Geórgia para deflagar a recente crise no Cáucaso, bombardeando Tskhinval (capital sul-ossetiana) e atacando as aeronaves da Rússia enviadas na ação em defesa da população da Ossétia do Sul, eram de produção ucraniana - como os documentos exibidos pelo jornal mostraram em detalhes. Uma comissão do Supreme Rada (parlamento ucraniano), formada para investigar o escândalo, elaborou uma lista dos materiais entregues à Tbilisi nos últimos dez anos e o documento mostra que a cooperação técnico-militar no eixo Kiev-Tbilisi cresceu notavelmente a partir de 2004, após a subida ao poder na Geórgia de Michael Saakashvili. E basta uma olhada rápida na "lista" para se perceber o interesse de Saakashvili em armas ofensivas, como prioridade.
Se as exportações antigas da Ucrânia para a Geórgia incluíam pistolas, rifles e aeronaves de instrução, em 2004-05 passaram a englobar tanques, helicópteros e sistemas de artilharia. Mais tarde, a ênfase cresceu em sistemas de armas cada vez mais "pesados" - numa verdadeira corrida armamentista unilateral. Assim, em 2007, a Geórgia adquiriu seis sistemas antiáereos Buk-M1 (um fora recebido antes) e 48 mísseis terra-ar; 200 sistemas portáteis antiaéreos Strela e Igla; e tanques T-72. Enfim, em 2008, pouco antes da agressão à Ossétia do Sul, a Geórgia recebeu os foguetes submarinos não-guiados BA-111 Shkval e os lançadores múltiplos de foguetes Grad, armas nitidamente ofensivas e que foram utilizadas amplamente contra os civis sul-ossetianos - os Grad foram responsáveis em boa parte pela destruição de Tskhinval, que foi literalmente arrasada pelo ataque georgiano.
Segundo o Izvestia, os sistemas oriundos da Ucrânia foram selecionados com a assistência de peritos norte-americanos. E há um detalhe interessante - o Shkval foi empregado pela Geórgia antes mesmo de estar em serviço nas forças armadas da Ucrânia, pois ainda estava em fase de desenvolvimento. De fato, foi utilizado contra a população civil da Ossétia do Sul como um teste de sua eficiência em combate real.
Entre os documentos reunidos pela comissão do Supreme Rada, aos quais o Izvestia teve acesso a um memorando do diretor-geral da Ukrspetsexport, Serfei Bondarchuk. Trata-se de um empresa de status especial, que se reporta diretamente ao presidente no tocante a vendas de sistemas de armas. E o memorando tratava da entrega para a Geórgia de um batalhão completo do sistema de defesa aérea Buk-M1. No documento, Bondarchuk informava Yushchenko de que era possível entregar o Buk-M1 aos georgianos, mas se colocava preocupado com as diversas conseqüências sérias disso. "A ordem de combate das Forças Armadas da Ucrânia inclui 15 batalhões de Buk-M1", escreveu Bondarchuk. "Eles servem para proteger importantes instalações do Estado. A retirada de um destes batalhões do serviço de combate irá enfraquecer a habilidade de nossa defesa aérea de proteger tais instalações."
Bondarchuk também escreveu que a vida útil dos Buk-M1 havia de fato expirado em 2001 e que a assistência da Rússia (que desenvolvera o sistema) era necessária para mantê-lo operativo. Assim sendo, a entrega à Geórgia poderia comprometer qualquer auxílio técnico russo. O documento de Bondarchuk é datado de 30 de setembro de 2005 e, três dias depois, Victor Yushchenko enviou-lhe instruções - iniciar os procedimentos para a transferência do Buk-M1 para a Geórgia. Ainda mais - em agosto deste ano, a Ucrânia havia entregue à Geórgia um total de sete batalhões, cerca de metade de seus próprios Buk-M1.
Fica aparente que as entregas à Geórgia não foram apenas de conhecimento, mas por odens diretas de Victor Yushchenko. E não sobram dúvidas de que ele sabia dos planos de agressão formulados por Saakashivili. Deste modo, o presidente ucraniano não apenas tinha conhecimento prévio do ataque à Ossétia do Sul, mas o apoiou efetivamente. Deste modo, existem bases para se consderar Yushchenko como cúmplice do genocídio contra a população sul-ossetiana, planejado pelo presidente da Geórgia.
Na opinião de especialistas russos, equipes da Ucrânia não apenas coordenaram as entregas dos Buk-M1 e sua adaptação ao cenário da Geórgia, mas de fato os operaram durante as ações militares em agosto deste ano. Estes sistemas são passíveis de detecção pelas aeronaves, quando ativados. Porém, segundo o Izvestia, os Buk-M1 na Geórgia operavam de forma intermitente, sendo ativados para a aquisição do alvo e disparo e, em seguida, desligados - dificultando sua localização pelas aeronaves russas. Tal tipo de operação exige equipagens altamente treinadas e acostumadas com o equipamento, o que certamente a Geórgia não possuía na época.
Os resultados da investigação parlamentar poderão ter conseqüências. Primeiro, ao apoiar a agressão da Geórgia, o presidente ucraniano deveria ter pesado os efeitos de tal atitude. Segundo, ao ordenar a entrega de sete sistemas Buk-M1 para os georgianos, Victor Yashchenko enfraqueceu perigosamente as defesas de seu próprio país. Muitos deputados do Supreme Rada acreditam que apenas isto já é justificativa mais do que suficiente para o impeachment.
Segundo o líder da comissão, Valery Konovalyuk, "o que houve é que nós estivemos armando um agresso no Cáucaso à custa de nossa própria capacidade de defesa. Além disso, as armas fornecidas à Geórgia foram subfaturadas, roubando milhões de dólares dos cofres ucranianos. E tudo isso num momento em que as Forças Armadas da Ucrânia estão enfrentando sérios problemas sociais."
De fato, a Ucrânia vem se tornando um dos maiores fornecedores do tráfico de armas, sendo tal atividade realizada com cobertura da presidência do país. Segundo a imprensa mundial, o navio Faina, seqüestrado por piratas somalis, levava exatamente um carregamento de T-72, blindados de transporte e armas antiaéreas). Existem informes de que tal carga tinha por destino a região do Sudão, hoje sob sanções das Nações Unidas (que incluem, obviamente, proibição de vendas de armas).
A informação da "conexão sudanesa" da carga do Faina foi divulgada pelo comando da Marinha norte-americana (US Navy), ou seja, sob verificação do governo de Washington. Aparentemente, a "amizade" Saakashvili-Yushchenko, já comprometida diante da opinião pública, atingiu também o desagravo dos EUA.
Recentemente, Yushchenko assinou um decreto dissolvendo o Parlamento. As autoridades européias, porém, não apreciaram a nova crise, acusando o presidente de a haver provocado, estando preocupadas com os resultados da investigação parlamentar sobre as vendas ucranianas de armas.