Duas visões sobre o Min Gilmar Mendes, a 1ª é uma acusação da Carta Capital dessa semana, e em 2º um texto do site Consultor Jurídico defendendo.
O empresário Gilmar
06/10/2008 19:55:56
Leandro Fortes*
“Quem quiser ficar rico, não vá ser juiz”
João Batista de Arruda Sampaio,
desembargador e jurista (1902-1987)
Desde que veio à tona a história do suposto grampo de uma conversa com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, galvanizou os anseios de uma parte da sociedade que enxerga nos ministros de tribunais superiores a chance de controlar o poder negado nas urnas em eleições recentes. Como “vítima” de uma interceptação ilegal até agora não comprovada, Mendes acabou alçado à condição de paladino do Estado de Direito, dos valores republicanos e, por que não, da moralidade pública.
O episódio exacerbou uma tendência crescente do STF, a de interferir além dos limites de sua atribuição na vida dos demais poderes. Coube a Mendes chegar ao extremo, quando chamou “às falas” o presidente da República por conta da mal-ajambrada denúncia do tal grampo. O Congresso, a Polícia Federal, os juízes de primeira instância, o Ministério Público, ninguém escapa da fúria fiscalizadora do magistrado que ocupa o principal cargo do Poder Judiciário no Brasil.
Quem tem a pretensão e o pendor para “varão de Plutarco”, presume-se, segue à risca na vida particular os padrões morais que prega aos concidadãos. Não parece ser este o caso de Mendes. A começar pela sua participação no controle acionário do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Há de cara um conflito ético, ainda que as regras da magistratura não sejam claras o suficiente sobre a permissão de juízes possuírem negócios. Criado em 1998, o IDP organiza palestras, seminários e treinamento de pessoal, além de oferecer cursos superiores de graduação e pós-graduação. Entre 2000 e 2008, faturou cerca de 2,4 milhões de reais em contratos com órgãos ligados ao governo federal, todos firmados sem licitação. No quadro de professores contratados pelo instituto figuram ministros de Estado e dos tribunais superiores, e advogados renomados, vários deles defendendo clientes com ações que tramitam no STF presidido por Mendes.
A Lei Orgânica da Magistratura deixa dúvidas sobre os limites da atuação de juízes além dos tribunais. O parágrafo 2º do artigo 36 diz ser vedado exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, caso do IDP, mas nada diz sobre possuir ações ou cotas do empreendimento. Magistrados mais antigos sempre interpretaram que a lei só permite ao juiz dar aulas remuneradas, nada mais. A visão tem mudado. Estudiosos do Direito como David Teixeira de Azevedo, professor da Universidade de São Paulo, e Dalmo Dallari, professor aposentado da USP, afirmam que não há nada na legislação que proíba expressamente a participação societária em empresas privadas. “É preciso ver, porém, se o juiz se valeu de sua condição para obter qualquer tipo de benefício.”
O que se pode dizer do IDP é que gravitam ao seu redor nomes de peso da República. O corpo docente é formado por 87 professores, entre eles dois ministros do governo Lula, Nelson Jobim (Defesa) e Jorge Hage (Controladoria-Geral da União). Eventualmente dão palestra no instituto, José Antonio Toffoli, advogado-geral da União, e Mangabeira Unger, do Planejamento Estratégico. Unger, por exemplo, esteve lá na quinta-feira 2, na abertura do 11º Congresso Brasiliense de Direito Constitucional.
Vários dos colegas de tribunal também são docentes do instituto: Carlos Alberto Direito, Carlos Ayres Britto, Carmem Lúcia Rocha, Eros Grau e Marco Aurélio Mello. Há ainda diversos titulares do Superior Tribunal de Justiça.
O presidente do STF tem dois sócios na escola. Um deles é o procurador regional da República Paulo Gustavo Gonet Branco, o outro, o advogado Inocêncio Mártires Coelho, último procurador-geral da República da ditadura, nomeado pelo general-presidente João Baptista Figueiredo, em junho de 1981. De acordo com a Junta Comercial do DF, cada sócio desembolsou 402 mil reais, num total de 1,2 milhão de reais, para fundar o IDP.
O investimento parece ter dado frutos. O IDP mantém, por exemplo, contrato com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atualmente presidido por Carlos Ayres Britto, que substituiu na função Marco Aurélio Mello. Já o faturamento em contratos com a União cresceu após Mendes ter sido nomeado ministro do Supremo. De 2003 para cá, o valor somou 1,6 milhão de reais, segundo dados disponíveis no site Contas Abertas (
http://www.contasabertas.com.br). O mês de setembro foi particularmente pródigo: 350 mil reais em convênios. Todos, repita-se, firmados sem licitação.
No Portal da Transparência da CGU, mantido pelo governo federal, há dados interessantes sobre os contratos do instituto. Dentro das guias de pagamento do portal, aparece um acordo com a Receita Federal até para trabalho aduaneiro. O Ministério da Defesa – de Jobim – pagou 55 mil reais ao instituto, e a CGU, 15 mil reais.
Têm sido comuns também contratos com a Força Aérea Brasileira. Tanto interesse da FAB nas consultorias do instituto do ministro Gilmar Mendes tem uma razão de ser. O diretor-geral do IDP é um experiente coronel da reserva da Aeronáutica, Luiz Fernandes de Oliveira, segundo ele mesmo, com carta-branca dos sócios para fazer tudo, “menos fechar o IDP”. Aviador por formação, com cursos de administração pública na Fundação Getulio Vargas e de Ciências Políticas Militares, no Exército, o coronel Fernandes é um velho conhecido do brigadeiro Juniti Saito, com quem trabalhou na FAB. Bem articulado, o diretor-geral fechou bons contratos para o IDP, e não somente na Aeronáutica.
Os valores recebidos da União pelo IDP, em 2008, devem-se, sobretudo, a três contratos firmados com o Senado Federal, o STJ e a Receita Federal. Do Senado, o instituto do ministro Mendes recebeu 125 mil reais, para ministrar um curso de Direito Constitucional para “consultores e demais servidores” da Casa. No STJ, o curso é de Direito Tributário, voltado para servidores lotados em gabinetes de ministros, ao custo de 88,2 mil reais. E, finalmente, da Receita Federal o IDP recebeu 117,9 mil reais para também aplicar um curso de Direito Tributário a funcionários do órgão.
Pelo Portal da Transparência é possível saber que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional contratou o IDP para gerir o programa de “Recuperação de Créditos e Defesa da Fazenda Nacional”, por 11 mil reais. O interessante é que, entre os professores do IDP, há três procuradores da Fazenda Nacional: Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, José Levi Mello do Amaral Júnior e Rodrigo Pereira de Mello.
Há mais. Em 2006, a Receita Federal pagou 16 mil reais ao IDP na rubrica “Administração do Programa” e “Arrecadação Tributária e Aduaneira” do Aeroporto de Brasília. Segundo a assessoria do órgão, a Receita pagou curso de pós-graduação em Direito Tributário a servidores. Na mesma linha, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) do MEC pagou 58 mil reais ao IDP para “Controle e Inspeção da Arrecadação do Salário-educação e sua Regular Aplicação”, dentro do programa de Gestão da Política de Educação.
Os cursos oferecidos pelo IDP também foram contratados pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF), que pagou 690 mil reais para oferecer a 92 procuradores do DF pós-graduação em Direito Público, entre março de 2006 e junho de 2007. Assim como nos outros contratos, a licitação foi considerada “inexigível”.
No período em que Jobim presidiu o STF, entre 2005 e 2006, o tribunal gastou quase 50 mil reais em cursos e eventos oferecidos pelo instituto de Mendes, tudo sem licitação, na modalidade “inexigível”, ou seja, a partir do pressuposto de não haver outra entidade capaz de prestar serviços semelhantes. De fato, ao congregar quase uma centena de advogados, ministros, promotores, juízes, auditores, procuradores e auditores no corpo docente do IDP, Gilmar Mendes praticamente anulou a possibilidade de surgirem outras instituições capazes de prestar os mesmos serviços em Brasília.
Em 2006, reportagem do jornal O Globo denunciou uma das relações estranhas do IDP com o STF. Então presidente interino do Supremo (a titular, Ellen Gracie Northfleet, estava de licença médica), a única saída de Mendes foi transformar em “bolsa de estudos” um empenho de 3,6 mil reais referente a um curso de mestrado em Ações Constitucionais ministrado pelo IDP a três funcionários do Supremo. Ao se justificar, o ministro alegou não ter havido irregularidade porque cabia aos servidores escolher o curso e a escola onde pretendiam fazer as especializações. Só se esqueceu de dizer que, como o IDP tem o monopólio desses cursos em Brasília, o instituto não só foi o escolhido como, claro, caiu na modalidade “inexigível” de licitação.
Ainda assim, as poucas tentativas de impedir o presidente do STF de usar de influência para conseguir contratos no governo, até hoje, foram em vão. A primeira delas ocorreu em abril de 2002, pouco antes de ele ser nomeado ao STF, quando o Ministério Público Federal instaurou uma ação de improbidade administrativa justamente por Mendes ter contratado o IDP para dar cursos no órgão do qual era o principal dirigente, a Advocacia-Geral da União. No STF, onde o caso foi parar, a ministra Ellen Gracie (indicada por Jobim, referendada por FHC) decidiu pelo arquivamento da ação. O Supremo nem sequer analisou um recurso do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, contra a decisão.
A sede do IDP é um amplo prédio de quatro andares, onde, segundo o site do instituto, há 22 salas de aula “amplas e confortáveis”, uma biblioteca informatizada (não é verdade), um foyer para realização de eventos acadêmicos, um auditório com capacidade para 240 espectadores (ainda em construção) e estacionamentos interno e externo (neste caso, trata-se das ruas ao redor da escola). Na fachada do edifício há uma placa na qual se lê: “Empreendimento financiado com recursos do Fundo Constitucional do Centro Oeste – FCO”. Trata-se de dinheiro gerenciado pelo Banco do Brasil, a partir de um contrato fechado durante um churrasco na laje do IDP, em 2006, quando o prédio ainda não estava pronto.
Antes, um pouco de história. O IDP começou a funcionar, em 1998, na casa do ex-procurador-geral Inocêncio Coelho, no Lago Sul, uma área de casarões em Brasília. As aulas ocorriam em uma só sala, mas, com o aumento da procura pelos alunos, os três sócios acharam por bem procurar outro lugar. Em 2004, encontraram um terreno de 2,5 mil metros quadrados na Quadra 607 da avenida L2 Sul, ao preço de 2,2 milhões de reais.
Para viabilizar a compra, o grupo recorreu, então, ao Programa de Promoção do Desenvolvimento Econômico Integrado e Sustentável (Pró-DF II), criado pelo ex-governador Joaquim Roriz (PMDB). O Pró-DF II tem como objetivo gerar emprego e renda a partir de benefícios fiscais dados aos empresários, principalmente os de pequeno porte. Para isso, o governo do Distrito Federal diminui impostos e dá descontos de até 80% no valor do terreno a ser utilizado pelo empresário. O subsecretário do programa, Engels Rego, não sabe explicar como o IDP foi enquadrado na rubrica de “setor produtivo”.
De acordo com o subsecretário, pelos parâmetros atuais, definidos no governo Arruda, o IDP não teria recebido um terreno na L2 Sul, área central do Plano Piloto de Brasília, onde praticamente não há mais espaços disponíveis. “A política da secretaria nessa gestão é incentivar o setor produtivo nas regiões administrativas, para desafogar o Plano Piloto e desenvolver as outras áreas da cidade”, afirma.
Autor de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra o Pró-DF II, por não concordar com a política de composição do conselho deliberativo do programa, o presidente da Federação das Micro e Pequenas Empresas do Distrito Federal (Fempe-DF), Sebastião Gabriel de Oliveira, conta jamais ter visto um micro e pequeno empresário local conseguir terreno no Plano Piloto, como o do prédio do IDP. “As micro e pequenas empresas nunca tiveram esse privilégio, a gente não tem cacife para isso”, garante.
Os três sócios do IDP assinaram o contrato com o Pró-DF II em 1º de setembro de 2004, quando Mendes já estava no STF. Os donos do instituto conseguiram enquadrar o negócio nos parâmetros do programa do governo distrital e obtiveram, ao fim do processo, o maior desconto possível, de 80%. Assim, o terreno, cujo preço original era de 2,2 milhões de reais, foi financiado, em cinco anos, por 440 mil reais – o preço de um apartamento de quatro quartos, no mesmo bairro.
A boa estrela, digamos, do IDP não parou de brilhar por aí. Em fevereiro de 2005, quando se iniciaram as obras no terreno da L2 Sul, o caixa do instituto, segundo o diretor-geral Luiz Fernandes, dispunha de 3 milhões de reais. O dinheiro, diz ele, não era suficiente para levantar o prédio totalmente, razão pela qual Fernandes teve de correr atrás de um empréstimo, inicialmente, sem sucesso. Quando o primeiro piso do edifício ficou pronto, organizou-se a chamada “festa da cumeeira”, com o tal churrasco assado sobre a laje pioneira. Um dos convidados, conta Luiz Fernandes, era um gerente do Banco do Brasil que, entre uma picanha e outra, quis saber de Inocêncio Coelho a razão de não haver nenhuma placa do banco na frente da obra. “Não tem placa porque não tem financiamento algum”, disse o sócio do IDP. Foi quando o gerente os aconselhou a procurar o Fundo Constitucional do Centro Oeste (FCO), gerido pelo Banco do Brasil e, normalmente, destinado a projetos muito diferentes dos propostos pelo instituto.
No primeiro balanço trimestral de 2008, o FCO liberou mais de 450 milhões de reais. Pouco mais de 190 milhões (40%) foram destinados a micro e pequenas empresas. As companhias de médio porte receberam 32%, ou 150 milhões de reais. A prioridade de investimento do fundo é, porém, o meio rural, que recebeu 278 milhões de reais (60%). O setor de comércio e serviços aparece apenas em terceiro lugar, com desembolso de 62 milhões de reais, ou 13% do fundo. Mesmo assim, e sem se encaixar exatamente no perfil, o IDP apresentou-se como “pequena empresa” do setor de serviços para solicitar o financiamento.
A política do FCO visa, preferencialmente, atividades comprometidas com a utilização intensiva de matérias-primas e mão-de-obra locais, sobretudo na produção de alimentos básicos. A análise dos pedidos de empréstimos leva em conta a preservação do meio ambiente e busca incentivar a criação de novos pólos de desenvolvimento capazes de reduzir as diferenças econômicas e sociais entre as regiões.
Ainda assim, graças ao churrasco da laje, o IDP conseguiu arrancar do fundo, com prazo de pagamento de dez anos, um financiamento de 3 milhões de reais, com base na rubrica “instalação, ampliação e modernização de estabelecimentos de ensino e de prática de esportes”. Como garantia para o empréstimo, diz Fernandes, os sócios ofereceram patrimônios pessoais. Mendes colocou à disposição do Banco do Brasil uma fazenda em Mato Grosso. Inocêncio Flores e Paulo Gonet, as casas onde moram, no Lago Sul de Brasília. Nenhum dos três atendeu aos pedidos de entrevista de CartaCapital. A assessoria de imprensa do presidente do STF deu, em particular, uma desculpa que até agora causa perplexidade. Segundo a assessoria, Mendes não costuma conceder entrevistas.
A escola tem 22 funcionários, segundo informação do diretor-geral. Os 87 professores anunciados no site não são contratados formalmente, mas profissionais requisitados para cursos específicos, pagos pelo sistema de Recebimento de Pagamento Autônomo (RPA). O corpo docente recebe, em média, 6 mil reais por mês, a depender do status acadêmico ou de poder de cada um.
Antes de ser inaugurado, em setembro de 2007, o prédio do IDP sofreu um embargo de seis meses da Secretaria de Desenvolvimento e Turismo (SDET) do Distrito Federal, comandada pelo maior empreiteiro da cidade, o vice-governador Paulo Octávio. Os fiscais da secretaria descobriram que a obra tinha avançado três metros além da altura máxima permitida pelo gabarito de ocupação da capital. Fernandes garante ter resolvido o assunto burocraticamente, sem interferência política.
Mendes, pelas limitações da Lei Orgânica da Magistratura, não ocupa cargo executivo no IDP, mas costuma fazer retiradas em dinheiro. Na última, pegou 20 mil reais. No STF, seu salário é de 24,5 mil reais por mês. Além disso, de acordo com Fernandes, o IDP tem restituído aos sócios, em parcelas mensais, 125 mil reais que cada um foi obrigado a desembolsar, no ano passado, para completar o dinheiro da obra do prédio.
O diretor-geral admite ter suspendido as pretensões de contratos com o STF, em 2006, quando veio a público a ligação de Mendes com o instituto. Isso não o impediu, porém, de fechar contratos com o STJ, de onde são oriundos sete professores do IDP. Nem no Senado Federal, onde a influência do presidente do STF ajudou a consultoria jurídica da Casa a escolher, sem licitação, o instituto em detrimento das propostas de três universidades, entre elas a Universidade de Brasília (UnB), onde muitos dos magistrados contratados pelo IDP também dão aula.
Há outros conflitos de interesses evidentes. O sistema de busca de processos no site do STF mostra que 35 professores do IDP, entre advogados, promotores e procuradores, têm ações em tramitação no Supremo. Ou seja, atuam como parte interessada em processos no tribunal atualmente dirigido por seu empregador.
O nome de um dos sócios de Mendes no instituto, Inocêncio Coelho, aparece 14 vezes na consulta ao site do tribunal.
* Colaboraram Filipe Coutinho e Phydia de Atahyde
http://www.cartacapital.com.br/app/mate ... 2=8&i=2287
Ilha de Excelências
Lobby atira em Instituto para acertar Gilmar Mendes
O Prêmio Jabuti, que distingue o melhor da literatura brasileira, elegeu entre os vencedores deste ano, no campo jurídico, um trabalho de fôlego, escrito por Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco: o “Curso de Direito Constitucional”, uma obra de 1.364 páginas que o jurista e ex-governador Cláudio Lembo descreveu como o mais importante escrito sobre a Constituição vigente no país.
Os três autores fundaram, em 1997, uma arrojada escola para o ensino avançado do Direito. Nela, lecionam expoentes da magistratura, professores e craques brasileiros e internacionais do Direito como o português J.J. Canotilho, os alemães Peter Haberle e Hans Uwe Erichsen, o espanhol Francisco Fernando Segado, entre dezenas de outros papas do mundo jurídico. Trata-se do IDP, o Instituto Brasiliense de Direito Público. Não por acaso, advogados da União, integrantes do Ministério Público e juízes optam pela escola em busca de aperfeiçoamento — embora a maior parte dos alunos seja da iniciativa privada.
O estudioso Gilmar Mendes ajuda muito o ministro — agora presidente — do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Mas não é correspondido. Sempre que um grupo de pressão se vê contrariado em uma decisão judicial, repete-se a mesma ladainha: o ministro usa “seus poderes” para atrair alunos para o instituto e que juiz não deveria ser sócio de escola.
A revelação de que Gilmar participa do IDP pode impressionar quem não é do ramo e não leu as reportagens anteriores batendo na mesma tecla. Mas não emociona, por exemplo, o novo reitor da Universidade de Brasília (UnB) e professor de Teoria do Direito, José Geraldo de Souza Júnior. “O IDP cumpre seu papel social, regularmente, dentro do balizamento constitucional e com um projeto notável”, afirma Souza Júnior, que conhece a qualificação dos professores do Instituto, também atuantes na UnB, “perfeitamente credenciados para um projeto desse perfil”.
O ex-líder do governo petista na Câmara, Sigmaringa Seixas, vê no IDP “a mais importante contribuição cultural e acadêmica para o Direito, dos últimos anos”. Para ele, “iniciativas como essa deveriam ser estimuladas e não criticadas”. Ataques que se façam, diz, “são tentativas de retaliação sórdida contra quem tem as atitudes mais corajosas como chefe do Judiciário”.
O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que também já deu aulas e palestras no IDP, examina a instituição do ponto de vista do Estado. “Os cursos avançados existentes no mercado professam uma doutrina contra a União — são voltados para a iniciativa privada. Para eles, todo imposto é inconstitucional, desprezam a incumbência do poder público, têm a União como inimiga. O IDP é o único com visão publicista do Direito”, afirma o ministro.
Outro constitucionalista renomado, o ex-presidente da Câmara e presidente do PMDB, Michel Temer, considera “um acréscimo no currículo profissional e acadêmico já ter lecionado no IDP”. Sua descrição do ambiente da escola é a “do maior significado intelectual”. Para o autor da obra Elementos do Direito Constitucional, a situação do ministro Gilmar Mendes frente ao IDP “é absolutamente regular”.
Toffoli, da mesma forma que Souza Júnior e Sigmaringa Seixas, igualmente, não vê incompatibilidade entre as funções de juiz e sócio de escola. “Fosse consultado um advogado e bobagens como essa não seriam publicadas”, afirma o ex-deputado. Para o reitor, se o juiz pode dar aula na UnB e ter ações da Petrobras, pode também participar da sociedade de uma escola. “Não existe incompatibilidade alguma”, ratifica o ministro-chefe da AGU, garantindo que não existe licitação para inscrição nem contratação de curso de aperfeiçoamento. Ícone da educação brasileira, o senador Cristovam Buarque pensa da mesma forma: “Se ele é professor, ganha por dar aulas e não tem cargo de direção, não tem problema algum”.
Um dos maiores especialistas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), o ex-presidente da Associação dos Juízes Federais e deputado pelo PCdoB, Flávio Dino, garante: “A Lei não veda, não proíbe e não há nenhum fato concreto de dilação de favorecimento a beneficiar o IDP”. Dino conhece o projeto e fala da relevância “não só para Brasília, mas para o país”, no papel complementar em relação ao que oferece a universidade. Sobre a participação do ministro na sociedade, insiste, “do ponto de vista constitucional, legal e moral não existe qualquer incompatibilidade com a função de magistrado. Na verdade, o Instituto é procurado porque é boa escola.”
Também ministro do STF, expert em Direito Público, Eros Grau sobe o tom, com eloqüência: “É uma instituição de primeiríssima linha e séria, de cujo corpo docente eu participo — como um grande número de ministros do STF e do STJ, gente que, de forma alguma, participaria de algo à margem dos mais rigorosos parâmetros éticos e legais”.
Festejado como autor e advogado, o constitucionalista Luís Roberto Barroso ressalta “a importância e seriedade do projeto assim como a qualidade do corpo docente”. Barroso enaltece a qualificação dos fundadores do IDP. “Tanto o professor Inocêncio quanto o professor Gilmar, independentemente de cargos públicos que eventualmente ocupem ou tenham ocupado são pessoas de grande credibilidade acadêmica com obras importantes. O primeiro em matéria de interpretação e o professor Gilmar em jurisdição constitucional e controle de constitucionalidade.” Barroso atua nessas duas áreas.
Quanto ao fato de Gilmar investir em educação e ser juiz, o advogado opina que “são dois espaços diferentes e jamais se viu o ministro Gilmar fazer ponte indevida entre eles”. Barroso acha importante e positivo que não se abra mão da vida acadêmica, uma vez que há um enriquecimento mútuo — “emprestar a autoridade moral do estudioso à autoridade formal do juiz só pode ser positivo”. Por fim, Barroso destaca que Gilmar já desfrutava do reconhecimento intelectual antes mesmo de se tornar Advogado-Geral da União: “Sua vida acadêmica precede sua atuação como magistrado — seria prejudicial para o país se ele tivesse de abrir mão de uma atividade para poder exercer outra”.
O Instituto
Entre as mais de 1.000 instituições de formação e aprimoramento no campo jurídico do Brasil, existem algumas ilhas de excelência. É o caso do IDP no plano do direito constitucional, da Fundação Getúlio Vargas na área do direito empresarial e da Faculdade de Direito da USP para o preparo geral do advogado militante. No momento em que o Ministério da Educação reduz o número de vagas nas escolas de direito e as próprias seções da OAB reconhecem a insuficiência da formação jurídica, é importante destacar o trabalho de algumas instituições que não somente preparam as novas gerações de advogados, magistrados, membros do Ministério Público e procuradores de entidades públicas, mas realizam um trabalho de construção e manutenção do estado de direito, garantindo ao país o cumprimento das disposições constitucionais e dando ao cidadão a segurança jurídica da qual necessita.
Fundado há onze anos, o IDP cresceu pela competência e trabalhos realizados, abrangendo não só a atividade didática mas os congressos que promove e as várias publicações que edita ou de que participa. Iniciadas as suas atividades sob a orientação de Gilmar Mendes e o ex-procurador-geral da República Inocêncio Coelho, quando o primeiro ainda estava na Casa Civil, o Instituto passou a se profissionalizar na medida em que seus fundadores assumiram novas funções.
O pensador Gilmar Mendes assumiu um papel de relevo na construção da cultura jurídica nacional vigente. Desde a época em que se colocou em primeiro lugar com a sua tese de doutorado na Alemanha a respeito do controle da constitucionalidade no direito brasileiro, até hoje quando defende as teses da sociedade aberta e da renovação do direito público no Supremo Tribunal Federal. Nesses quase vinte anos de trabalho, ele liderou a reforma do direito constitucional com a aprovação da nova legislação referente tanto as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) como às declaratórias de constitucionalidade (ADC) e da Argüição de Preceito Fundamental (ADPF). Ele também reorganizou a defesa da União quando dirigiu a AGU, dando nova dimensão à defesa do Estado.
Este ano, em abril, o IDP trouxe o professor Carlos Miguel Herrera, da Université de Cergy-Pontoise (França) para falar sobre “Estado Social e Direitos Sociais”. Em maio, o tema foi “Rumos da Codificação Ambiental na Alemanha e Europa”, apresentado por Eckhart Rehbinder, professor Catedrático Emérito de Direito Público e Ambiental da Universidade de Frankfurt e Michael Kloepfer, Catedrático de Direito Público, Financeiro e Ambiental na Universidade Humboldt de Berlim. A Alexander Graser, Catedrático de Direito Público na Hertie School of Governance (Berlim) coube palestrar sobre “Igualdade e Direito e Políticas Públicas”. Robert Cottrol, da George Washington University tratou do “Antidiscriminatório e Ações Afirmativas nos EUA”, enquanto Bernd Schulte, Doutor e Pesquisador do Corpo Permanente do Instituto Max-Planck de Direito Social Estrangeiro e Internacionald e Munique tratou do “Direito Antidiscriminatório e Ações Afirmativas na União Européia e Alemanha” e Ockert Dupper, Doutor por Harvard e Professor de Direito da Segurança Social e Direito do Trabalho em Stellenbush, Africa do Sul, bem como professor visitante em Munique do “Direito Antidiscriminatório e Ações Afirmativas na África do Sul”.
Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2008
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