Olá DELTA22,DELTA22 escreveu:Leonardo,
você que me parece ser um grande conhecedor de todos os foguetes do IAE e suas tecnologias, você poderia me responder o que é isso?
Grato
Só pra esclarecer: Participaram da platéia do teste do motor-foguete, o Comandante do CTA, Tenente-Brigadeiro Rolla, o Major-Brigadeiro Salamone, o Brigadeiro Venâncio, o Comandante Zapico, da Marinha, o Coronel Pimentel, do Exército e a doutora Renata Furtado, da Advocacia Geral da União (AGU), que está no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência.
Talvez, excluindo a doutora da AGU, acho que os outros devem saber o que é um buscapé e o que é o Saturno V, né não???
[]'s
Esta imagem que você mandou é de um pequeno motor de combustível líquido montado em um banco de testes, desta vez aparecendo como se imagina, o motor sozinho com seus tubos de alimentação e em posição vertical. Dá para perceber que também é um motor muito simples, não se vêem bombas de alimentação, ductos do sistema de refrigeração, etc... . E o ângulo inicial do divergente e sua curvatura indicam que é um motor diferente do que se vê no filme do início do tópico, cujo divergente parece ter um ângulo mais fechado e paredes retas (nos motores foguete utilizados em lançadores de verdade este último tipo é comum nos primeiro estágio, e o primeiro com maior curvatura é mais comum nos estágios superiores, por considerações de escoamento). Este motor deve ser mais um dos três citados pelo Brasileiro, todos apenas estudos acadêmicos.
Sabe, eu acho que compreendo a sua posição com relação ao progrograma espacial brasileiro, quando você busca quaisquer evidências de que ele está andando e tem algum futuro. Eu mesmo estive nesta posição por mais de 20 anos, e ainda hoje gostaria muitíssimo de poder acreditar que um dia nosso país será uma potência espacial pelo menos do calibre de uma Índia ou de um Japão em um futuro previsível. Mas o histórico do programa e as notícias mais recentes que aparecem sobre ele (pelo menos até agora) não me autorizam a ter esperanças de que isto venha a contecer. Fico muito triste com isso, acredite, mas não posso fugir da realidade.
Quando apareceram as primeiras notícias de que um grupo de engenheiros do IAE havia partido para a Rússia para estudar a propulsão líquida, eu imaginei o seguinte quadro:
- O pessoal selecionado teria estudado, antes de partir, tudo o que está disponível sobre os conceitos básicos de motores de combustível líquido, em bibliografia de acesso público. Livros como "Mechanics and Thermodinamics of Propulsion", "Fundamentals of Rocket Design" e "Rocket Propulsion Elements" estão disponíveis em bibliotecas no Brasil ou podem ser comprados na Amazon. Ninguém poderia ter saído do Brasil sem ter feito (e compreendido)todos os exercícios relativos a motores de combustível líquido do primeiro livro, e pelo menos de um dos dois outros. Assim todos já chegariam na Rússia com uma boa base sobre os conceitos científicos (termodinâmica, mecânica dos fluídos, transferência de calor, etc...) e tecnológicos (combustíveis, parâmetros básicos, sistemas de alimentação, refrigeração, etc...) sobre o assunto. Não se perderia tempo com isso lá (na verdade o pessoal já deveria estar realizando estes estudos desde que o projeto do VLS ficou pronto).
- Ainda no Brasil, uma especificação inicial de motor para aplicação prática teria sido definida (por exemplo o motor do último estágio do VLS-Beta ou o motor do VLS-Gama) em termos de impulso específico mínimo, empuxo total, conceito tecnológico, etc... .
- O pessoal teria sido dividido por áreas de atuação dentro do escopo do desenvolvimento de motores de combustível líquido: Dimensionamento da geometria, projeto de turbobombas, tubulações e válvulas, sistemas de refrigeração, etc... . Ao chegar na Rússia cada um se concentraria no estudo do subsistema pelo qual estaria responsável (na verdade deveria haver alguma redundância). Se necessário seria solicitado apoio externo (russo por exemplo) para definir estas áreas de atuação. Como tema de cada estudo seria adotado o dimensionamento dos componentes e sistemas do motor cuja especificação foi definida no ítem anterior.
- Em paralelo com o pessoal estudando na rússia seria montado no IAE o laboratório de testes de motores de combustível líquido, para motores até um porte já suficiente pelo menos para o do motor definido no segundo ítem (e se possível bem maior). O projeto deste laboratório poderia ser feito aqui ou simplesmente adquirido fora.
- Conforme cada estudo fosse completado o responsável voltaria para o Brasil e iniciaria a fase de elaboração das especificações e desenhos de produção dos componentes e sistemas dimensionados na rússia, e a busca de fornecedores para eles no Brasil.
Assim, o primeiro motor que eu esperava ver contruído e testado em nosso país já seria um motor real de maior porte e com aplicação definida, e não estes pequenos motores para estudos acadêmicos. A impressão que fico é que o pessoal foi até a Rússia para fazer apenas a primeira fase que eu citei, os estudos teóricos, e agora estão começando do zero o desenvolvimento tecnológico.
Isto pode parecer parte do processo natural de desenvolvimento da tecnologia, mas não é, é querer re-inventar a roda. De todos os países que possuem ou possuíram a capacidade de construir e lançar foquetes de combustível líquido de maior porte, somente 2 iniciaram o desenvolvimento do zero, a Alemanha (na década de 30) e a França (na década de 50). A Rússia e os EUA já partiram da reprodução das V-2 alemães (pois os estudos de Goddard nunca tiveram continuidade), e China, Japão, Índia, Coréia do Norte, Paquistão e Irã, simplesmente compraram foguetes completos prontos e começaram à partir daí (a Inglaterra também fez algum desenvolvimento próprio, mas com amplo apoio americano e no final acabaram por desistir).
Hoje, com grande parte do conhecimento básico disponível em literatura de acesso público e a chance de estudar em um dos países mais avançados da área, estar ainda na fase de motorzinhos experimentais mais simples do que os que Robert Goddard lançava na década de 30 (pois os dele já tinham sistemas de alimentação por turbobombas e refrigeração regenerativa!) me parece simplesmente absurdo!
Veja bem, eu não tenho absolutamente nenhuma dúvida de que o pessoal técnico do IAE tem (ou teria) a capacidade de realizar um programa como o que eu citei, eles são tecnicamente competentes. O problema é que eles deveriam ter sido orientados para fazer isso por alguém que tivesse uma visão mais abrangente sobre o programa de foguetes como um todo. Se esta pessoa não existe no Brasil, então o primeiro passo antes de falar em desenvolver um programa de foguetes é encontrá-la onde estiver disponível, e trazê-la para cá por qualquer preço. Quem é o nosso Von Braun, ou nosso Korolev?
Baseado em tudo o que vi até agora esta pessoa não existe, e portanto o programa espacial brasileiro não passa de um tema para estudos acadêmicos sem objetivo definido e portanto sem consistência. E corremos o sério risco de que se e quando os foguetes Cyclone começarem a decolar de Alcântara o programa simplesmente morra de inanição e desapareça, sem que ninguém sequer perceba.
Tudo isso é muito triste e acredite, eu adoraria ter evidências de que a realidade não é assim, mas até agora não vi absolutamente nenhum indício do contrário.
Um grande abraço,
Leandro G. Card