Por Fred Kaplan – 12 de setembro de 2008.
Julgando pelos trechos mostrados quinta-feira no World News da ABC e no Nightline há várias respostas apropriadas ao se observar Sarah Palin responder as questões de Charlie Gibson sobre política externa – dor, pesar, incredulidade, medo.
A governadora Palin, foi, obviamente, instruída pelos conselheiros de John McCain, e instruída muito bem. Ela recitou o que, claramente, eram os pontos principais destes tutoriais, com uma confiança familiar àqueles que conhecem competições de debate do ensino fundamental.
Mas ficou dolorosamente óbvio – pela natureza “decoreba” das respostas dela, as repetições de frases-feitas, e as respostas sem nexo que saíam quando ela era conduzida por trilhas desconhecidas – que ela nunca tinha concedido um momento sequer de pensamento para estas questões, antes das últimas duas semanas.
E por quê ela deveria ter? Como governadora do Alaska, nada em sua linha de deveres a compelia a prestar atenção a tais matérias – e este é, precisamente, o ponto.
É de atordoar que Palin, McCain e seus contadores de lorotas persistam em afirmar que ela tem experiência em assuntos externos pelo fato de governar um estado que faz fronteira com a Rússia.
Vamos ser claros sobre a natureza desta fronteira. As mais distantes ilhas do Alaska, ao longo do Estreito de Bering, ficam próximas à Península Chukchi, em Chukotka, uma região autônoma da Rússia, na ponta nordeste do país – tão distante de Moscou como o é Nova York – cujos 50 mil residentes são mais conhecidos, para a maioria dos russos, como assunto para piadinhas envolvendo canibais.
Não há questões entre os Estados Unidos e a Rússia nesta região, exceto pelas ocasionais brigas sobre direitos de pesca (e mesmo nisso, a governadora Palin jamais se envolveu). Ninguém tem a mais remota fantasia de, vamos dizer, a Rússia invadir a América do Norte, através do Estreito de Bering.
Quando Palin trouxe à baila sua proximidade com a Rússia (“Eles são os nossos vizinhos da porta-ao-lado”, proclamou), Gibson perguntou que percepções ela tirava deste fato. Ela respondeu:
Bem, isto dá a você a perspectiva de quanto o nosso mundo é pequeno, e como é importante que trabalhemos, juntos com nossos aliados, para manter boas relações com todos estes países, especialmente, a Rússia. Não queremos repetir a Guerra Fria. Precisamos ter boas relações com nossos aliados, pressionando também, nos ajudando a lembrar a Rússia que isto, também, é para o benefício dela, um relacionamento mutuamente benéfico, para todos nós levarmos à frente.
O que isto quererá dizer? Eu não tenho a menor idéia, e duvido de que ela tenha, também. Não irá ajudar o argumento dela de sabedoria-através-de-osmose, o fato de que ela nunca esteve na Rússia – ou, chocantemente real, em qualquer país fora da América do Norte, até o ano passado, quando visitou as tropas no Kuwait e na Alemanha. (Seu adendo, depois de admitir que nunca encontrou um chefe de estado estrangeiro – de que, provavelmente, um monte de outros vice-presidentes também não tinham, antes de assumirem o cargo – mostra-se inverídico. Foi relatado pela ABC, sexta-feira de manhã, que cada vice, desde Spiro Agnew, tinha tido tal encontro, antes de serem escolhidos para concorrerem na chapa.)
Gibson perguntou-lhe se a Geórgia devia ser admitida na OTAN. Ela respondeu, “a Ucrânia, definitivamente, sim. Sim, e a Geórgia.” Então, ele perguntou se isso exigiria que nós fôssemos à guerra em resposta a uma invasão russa. “Talvez, sim,” ela respondeu, observando corretamente que é isso o que significa ser membro da OTAN.
O que ficou sem ser perguntado foi, digamos, caso a Geórgia fosse admitida, bem agora, a OTAN seria obrigada a chutar os russos para fora das áreas que, atualmente, ocupa? De fato, seria. Estaria Palin dizendo que ela iria à guerra, sob as atuais condições, se apenas existisse um enquadramento legal, para permitir? Parece que sim.
Felizmente, a questão inteira não leva a lugar nenhum, pois, sob a carta da OTAN, uma nação precisa ter fronteiras firmes e reconhecidas, de modo a seu ingresso, até mesmo ser considerado. A Geórgia não tem fronteiras assim. (A situação da Ossétia do Sul e Abkhazia há muito está em questão.)
Palin, também, de passagem, descreveu a invasão da Rússia contra a Geórgia, como “não provocada”. Gibson a interrompeu: “você crê que não foi provocada?” Ela afirmou, “eu acredito que não foi provocada”. Isso foi de arregalar os olhos. Quase todo mundo, até mesmo os piores críticos da Rússia, reconhecem que o presidente georgiano Mikheil Saakashvili, de fato, provocou Putin – mesmo se este pudesse estar esperando por uma provocação – ao atacar primeiro a Ossétia do Sul.
Então, houve o momento que deixou muitos de queixo caído – quando Gibson perguntou o que ela pensava da “Doutrina Bush” e ela, claramente, não sabia sobre o quê ele estava falando. Eu devo confessar, isso não me incomodou tanto assim. Sua resposta inicial – “Em que sentido, Charlie?” era um ponto justo. Tantas doutrinas de Bush foram promulgadas, provaram-se errôneas e, sem comentários, foram abandonadas.
O que me incomodou foi que, depois de Gibson delinear o significado da doutrina (o direito de atacar uma nação, em antecipação de uma ameaça) ela não ter respondido a questão. Ela disse, “se há informações legítimas, o bastante, nos informando de que um ataque é iminente contra o povo americano, nós temos todo o direito de defender o país.” Isso é verdade ao ponto da banalidade; ninguém contestaria isso. A questão é sobre a justeza de empreender ação armada, não se um ataque parecer iminente, mas se parecer estar havendo preparativos para um possível ataque, em algum momento no futuro.
Os dois mais assustadores momentos, no entanto, vieram quando Palin revelou seu caráter. Num sentido, caráter é mais importante do que um específico naco de conhecimento. Uma pessoa pode adquirir conhecimento. O caráter define o quanto a pessoa valoriza o conhecimento, o quanto é curiosa, o quanto intensamente ela almeja compreender um assunto, com profundidade, e o que ela, provavelmente, irá fazer quando obtiver este conhecimento.
A entrevista da noite de quinta-feira sugere que Palin não dá muito valor ao conhecimento, afinal de contas, que ela coloca a fé acima dos fatos e os instintos acima da reflexão.
O primeiro indício de tal fato, surgiu, logo no começo da entrevista, quando Gibson perguntou se ela, alguma vez, duvidou de seu preparo para ser vice-presidente. De certo modo, é uma questão ingênua. Ela não diria, “sim, Charlie, eu tenho muitas dúvidas.” Mesmo assim, estou contente por ele ter feito a pergunta, porque sua resposta foi reveladora:
Eu tenho confiança neste preparo e sabendo que você não pode piscar, você tem de estar antenado de modo a ficar totalmente empenhado na missão, a missão na qual estamos, de reforma deste país e vitória na guerra, você não pode piscar.
Congratulações para Malcom Gladwell por contribuir com outra frase para o léxico popular, mas a tese de seu livro mais-vendido “Blink” não era que decisões de estalo eram superiores às decisões baseadas em cuidadosa deliberação. Era a de que pessoas que tem profunda compreensão do que fazem – por exemplo, realmente bons cirurgiões, comandantes militares, controladores de tráfego aéreo, e daí por diante – com freqüência, tomam suas melhores decisões, rápida e instintivamente.
Mas, se você não sabe com o quê está lidando, decisões de estalo podem ser fatais. E está muito claro que, tratando-se de política externa e segurança nacional (em acréscimo a muito mais), Sarah Palin não sabe com o que está lidando. Pior ainda, ela não sabe o quanto ela não sabe. Ela acha que, “estar empenhada na missão”, a isenta da necessidade de pensar e que, portanto, somente firmeza irá produzir a política correta. Nas mãos erradas, este é um traço muito perigoso.
O outro momento de gelar a espinha veio quando Gibson perguntou sobre o recente comentário dela, num discurso numa igreja, que a guerra no Iraque é “uma tarefa emanada de Deus.” (ABC, então, mostrou um clipe do discurso no Youtube.) Palin tentou refinar a questão, dizendo que suas observações eram, somente, “uma repetição das palavras de Abraham Lincoln” de que devemos orar, não para que Deus esteja de nosso lado, mas para que nós estejamos do lado de Deus. Gibson não deu para trás, notando que, de fato, ela tinha dito, “Há um plano, e este é o plano de Deus.” A isto, Palin respondeu:
Eu creio que há um plano para este mundo e o plano para este mundo é para o bem. Eu creio que há grandes esperanças e grande potencial para cada país ter a possibilidade de viver e ser protegido por direitos inalienáveis que, eu acredito, foram dados por Deus, Charlie, e eu creio que estes são os direitos à vida e à liberdade, e a busca da felicidade. Isto, na minha visão de mundo é um grande, o grande plano.
Duas coisas me vieram à mente, após ouvi-la dizer estas palavras. Primeiro, elas soam como a resposta mais provável dada por uma candidata de um concurso de beleza quando o mestre-de-cerimônia lhe pergunta sobre a paz mundial. (Desculpem se pareço sexista, mas é verdade; leia de novo.)
Segundo, e indo mais ao ponto, nós queremos alguém à um infarto da presidência – e um infarto de um sobrevivente do câncer com 72 anos – que possui, tanto a impetuosidade (“você não pode piscar”) e uma certidão santa? Não é isso que nós tivemos, realmente, no Salão Oval, nos últimos oito anos?