Estados Unidos: o significado da Quarta Frota
31/07/2008 - 09h24
Virgílio Arraes
Estados Unidos e Grã-Bretanha, após a realização do Congresso de Viena e a formação da Santa Aliança, decidiram elaborar nos anos 1820 um projeto comum de política externa para atuar diante dos nascentes Estados da parte sul do continente americano.
O ponto central da aliança seria resguardá-los caso houvesse a iniciativa por parte das antigas metrópoles – em especial a Espanha - de intervir política e militarmente.
No fim, a diplomacia norte-americana divulgou sozinha o documento, conhecido o seu teor na história como Doutrina Monroe (1823).
Impossibilitado de prestar, na prática, auxílio às nações hispano-americanas, o governo estadunidense assistiu à chegada da Grã-Bretanha, presente no continente durante décadas por meio da concessão de empréstimos, aplicação de investimentos, comercializaçã o de diferentes bens de consumo e de base e, por último, atuação da marinha, zelosa na defesa dos interesses do país na faixa sul-atlântica.
Contudo, embora muitas vezes distantes, os Estados Unidos sempre acompanharam o andamento político-econô mico na América Latina, com dedicação maior para o México e para o Caribe.
Após o fim da Guerra de Secessão (1865), o país dedicou-se a unificar-se física e materialmente. Três décadas mais tarde, Washington estaria pronto para tarefas de maior envergadura, ao participar vitoriosamente da Guerra Hispano-Americana (1898).
A partir dela, instaurar-se- ia a fase de transição de esfera de influência, deslocando-se o pêndulo gradativamente do eixo britânico para o norte-americano.
Ao final da Primeira Guerra (1918), os Estados Unidos, ao emergirem como a maior potência do globo, observariam a presença européia na América Latina de maneira inicialmente residual.
Nos anos 30, a Casa Branca, em decorrência da Grande Recessão e da ascensão dos regimes extremistas na Europa, ansiosos por aproximar-se da América Latina, reforçaria o seu relacionamento continental, porém de modo distinto, ao privilegiar mais a diplomacia.
Com o encerramento da Segunda Guerra, a região receberia pouca atenção de Washington, mais preocupado com o destino da Europa e da Ásia.
Somente a partir dos desdobramentos da Revolução Cubana (1959), o governo empenhar-se- ia mais e lançaria a Aliança para o Progresso.
De modo geral, com a disseminação de ditaduras militares anticomunistas nos anos 60 e 70, o quadro estaria tranqüilo até o fim da Guerra Fria.
Encerrada a bipolaridade amero-soviética, houve a adesão maciça de governantes latino-americanos a programas neoliberais, em troca da promessa de novos investimentos de países transatlânticos e da renegociação da dívida externa, o que permitiria à região modernizar-se materialmente e ingressar, portanto, em nova fase de prosperidade.
Em decorrência dos resultados insuficientes, principalmente na área social, a decepção com as recomendações liberais-desenvolvi mentistas não tardou, conquanto, na prática, a outrora oposição, em chegando ao poder, tem esposado sem dificuldades o polêmico ideário – vide os casos do Chile, do Uruguai e do Brasil, por exemplo.
Nos últimos anos, no entanto, houve algumas divergências com relação à concertação, ainda que amenizada, do neoliberalismo continental, com destaque primeiramente para Venezuela e mais recentemente para Bolívia e Equador.
O Paraguai ainda é uma incógnita, visto que se tornou lugar-comum na América do Sul candidatos presidenciais de retórica tonitruante contra o status quo de seus países que, ao chegarem ao poder, amansam-se administrativamente em pouco tempo.
Nesse sentido, a trinca acima mencionada não é de fato revolucionária, visto que não houve ruptura socioeconômica interna estrutural em nenhum deles.
Além do mais, há a preocupação de manter laços comerciais duradouros com os Estados Unidos, ávidos de fontes energéticas e bons pagadores – ao lado do México, Venezuela e Equador fornecem cerca de 30% do petróleo consumido pelos norte-americanos. Ainda assim, eles podem ser classificados politicamente de divergentes.
Apesar da calmaria relativa na parte sul da América, os Estados Unidos mantêm-se alertas, ao reforçar a sua presença em algumas áreas da região, como no caso do Peru, onde há o projeto de se estabelecer uma base militar, com o objetivo de substituir outra, instalada atualmente no Equador, cuja concessão vence em 2009.
Prevê-se ainda a realização de exercícios militares conjuntos similares aos efetivados no Paraguai em 2006.
Paralelamente, há a parceria próxima de Washington com Bogotá, materializada no Plano Colômbia. A sua execução causou nos últimos meses reveses consideráveis na atuação da guerrilha, principalmente na das Farcs, obrigadas a se recolherem.
De certa maneira, a presença militar estadunidense segue o traçado definido há alguns pelo Departamento de Estado: a possibilidade de guerra ‘preemptiva’ – acima da preventiva, dado que este tipo de confrontação se concentra em ameaças virtuais, não em um adversário iminente, portanto, real – e a reiteração da primazia do país em solo sul-americano.
O renascimento da Quarta Frota – formada em 1943 e desativada em 1950, ao ser absorvida por outra unidade - deriva deste posicionamento.
Desgastados em boa parte do mundo, em face do malogro de uma administração bélica, os Estados Unidos sinalizam para o restante do mundo a sua primazia política na América Latina, área apontada ainda nos próximos anos como importante fonte de combustíveis fósseis e de alimentos.
Oficialmente, o seu retorno há poucos dias adveio da necessidade de combater o terrorismo e os ilícitos transnacionais de forma multilateral.
Na prática, especula-se que, se houver instabilidade política maior no continente, os Estados Unidos poderiam intervir rapidamente a fim de restaurar a normalidade institucional.
Como não dispõem mais de efetivos suficientes para incursões territoriais de longa duração, esquadras como a da Quarta Frota podem executar a tarefa.
Além do mais, a restauração assinala para potências emergentes, como a China, que a busca por recursos naturais na esfera latino-americana não será regida por critérios meramente diplomáticos, em franco desacordo, por conseguinte, com o discurso alardeado desde o fim da Guerra Fria pelos partidários da nova – e otimista – ordem mundial.
Virgílio Arraes é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília - iREL-UnB. Correio eletrônico:
arraes@unb.br.
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