Mas que droga, estou derivando de novo, saindo do tema...
Então, voltando à questão central, um texto interessantíssimo sobre a atuação do líder Russo:
Conflito confirma que Putin ainda comanda a Rússia
Ellen Barry
Vladimir Putin, que assumiu a presidência de seu país ressentido com as feridas de uma Rússia humilhada, esta semana ofereceu prova de que o país se reergueu. Até agora, o Ocidente não se provou capaz de qualquer iniciativa que detenha seu avanço na Geórgia. Ele está tomando decisões que poderiam alterar o mapa do Cáucaso em benefício da Rússia - ou destruir o relacionamento do país com as potências ocidentais que os russos um dia quiseram ter como parceiros estratégicos.
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Caso restassem quaisquer dúvidas, a semana confirmou que Putin, que se tornou primeiro-ministro no segundo trimestre depois de oito anos na presidência, está comandando a Rússia, e não o seu sucessor, o presidente Dmiitri Medvedev. E Putin ao menos está se provando capaz de responder aos insultos que a Rússia teve de sofrer depois da dissolução da União Soviética.
"A Geórgia, de certa forma, está pagando por tudo que aconteceu na Rússia nos últimos 20 anos", disse Alexander Rahr, um importante estudioso alemão de política externa e autor de uma biografia de Putin . Com tropas russas posicionadas em duas frentes de combate na Geórgia, não faltam especulações quanto aos verdadeiros objetivos de Putin. Ele tem diversas possibilidades.
A Rússia poderia se satisfazer com a anexação dos enclaves da Abkházia e Ossétia do Sul - algo que suas forças militares já garantiram em larga medida. As autoridades do Kremlin também mencionaram a possibilidade de levar o presidente georgiano Mikheil Saakashvili a julgamento em um tribunal de crimes de guerra, pelo que alegam terem sido ataques contra civis em Tskhinvali, na semana passada.
Uma intensificação ainda maior do esforço militar poderia incapacitar permanentemente as forças armadas da Geórgia. A opção mais extrema seria ocupar a Geórgia, um país de 4,4 milhões de habitantes e desconfiança secular quanto à Rússia, e em cujo território as nações ocidentais planejam há muito estabelecer um importante oleoduto.
Mas embora o Ocidente possa estar vendo a situação como um caso de agressão russa, Putin é que se sente assediado a pressionado, diz Sergei Markov, diretor do Instituto de Estudos Políticos de Moscou, uma organização de pesquisa que tem fortes elos com funcionários do Kremlin.
"A Rússia está em situação de extremo perigo", aprisionada entre sua obrigação de proteger a população do país e o risco de uma escalada que resultaria em "nova guerra fria" contra os Estados Unidos, afirma Markov. "Washington e o governo norte-americano estão fazendo um jogo extremamente sujo", ele afirmou. "Mostrarão Putin como ocupante ainda que ele nada faça".
Putin e seus prepostos defenderam vigorosamente o argumento de que a Rússia não tem planos de ocupar a Geórgia, e está agindo apenas para defender seus cidadãos. Nos últimos dias, Putin apareceu na televisão com as mangas arregaçadas, conversando com refugiados na fronteira da Ossétia do Sul - a imagem vívida de um homem de ação.
Medvedev, em contraste, é sempre mostrado sentado em seu escritório no Kremlin, dando ordens cerimoniais ao ministro da Defesa. "Todos os discursos liberais que ele fez em Berlim e em outros lugares agora foram esquecidos", disse Rahr, que integra o Conselho de Relações Exteriores da Alemanha, sobre o novo presidente russo. "Medvedev está jogando o jogo da maneira que Putin determina".
Yulia Latynina, crítica freqüente do governo Putin, apontou com ironia para o fato de que, na véspera do conflito na Geórgia, enquanto o presidente Bush e Putin entabulavam uma conversa profunda em Pequim na véspera da abertura da Olimpíada, Medvedev estava em um cruzeiro pelo rio Volga.
"Agora ele poderá navegar pelo Volga nos anos que lhe restam de mandato, ou talvez escolha ir de uma vez para as Bahamas", ela escreveu no jornal russo Daily Magazine. "Devo admitir que, pela primeira vez na vida, sinto admiração pela habilidade com que Vladimir Putin mantém seu poder".
Em 2000, Putin foi eleito presidente de um país abalado e incerto de seu futuro. A venda de empresas estatais a investidores privados havia gerado uma imensa fuga de capital. A economia estava arruinada. Mas a pílula mais amarga de todas foi a expansão da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) em direção à antiga esfera de influência russa.
Nada serve como prova mais cabal desse fato do que a situação em Kosovo, onde a Otan ajudou a população de etnia albanesa a conquistar a independência, rompendo os elos com a Sérvia. A Rússia tem poucos aliados mais próximos que a Sérvia, e a campanha de bombardeio de 78 dias que os Estados Unidos lideraram contra o país em 1999 parecia confirmar para todos os interessados o fato de que a antiga grande potência havia perdido toda a força.
Putin estava determinado a mudar essa situação. Primeiro, reafirmou o controle do Estado sobre as empresas de recursos naturais da Rússia, apontando dirigentes leais a ele para dirigir empresas como a Yukos e punindo os oligarcas que desafiassem o seu poder. Depois de reformular a Rússia em forma de petro-Estado, e de encher os cofres de dinheiro com as exportações de petróleo e gás natural, Putin passou a enviar mensagens secas e diretas aos vizinhos. Desativar o fluxo de energia barata era tão fácil quanto ativá-lo. Dois anos atrás, depois que a chamada Revolução Laranja levou líderes amistosos para com o Ocidente ao poder na Ucrânia, a Rússia suspendeu por breve período o influxo de gás natural ao país, causando ondas de ansiedade em toda a Europa.
Agora, com o rápido avanço das forças russas na Geórgia, Putin afirmou uma vez mais a força da Rússia como potência militar. Tropas russas conquistaram a cidade de Sendaki, no oeste da Geórgia, na segunda-feira, e Moscou reconheceu pela primeira vez que havia forças russas em ação em território georgiano.
"Eu diria que temos uma situação na qual os russos chegaram à linha vermelha¿, disse Dmitri Trenin, diretor assistente do Centro Carnegie, em Moscou. "Acredito que demonstrar autocontrole será um fator crucial". Ao descrever Putin, as palavras muitas vezes empregam a palavra "gélido". Depois da cambaleante presidência de Bóris Iéltsin, Putin se apresentou aos russos como um homem em completo controle de seus impulsos. Ele não bebe álcool, costuma não almoçar para controlar o peso, e sua grande diversão é o judô.
No começo de sua presidência, o novo líder encantou seus colegas ocidentais, se apresentando como um líder articulado e cosmopolita. Mas desde os primeiros dias de poder havia tópicos que já deixavam transparecer um lado diferente no líder russo. Como primeiro-ministro no governo Iéltsin, Putin provou ser um líder duro e causou sensação ao ameaçar os guerrilheiros tchetchenos usando linguagem de baixo calão.
Em 2002, quando um repórter francês acusou a Rússia pela morte de civis inocentes na Tchetchênia, Putin sugeriu que, se o jornalista era tão simpático aos muçulmanos, o líder russo poderia arranjar quem o circuncidasse. "Recomendo conduzir essa operação de modo a que nada em você volte a crescer", ele disse.
Os dias que antecederam o conflito na Geórgia mostraram Putin tanto em sua postura de ator cuidadoso quanto seu lado mais visceral. No segundo trimestre, quando os países ocidentais fizeram fila para reconhecer a independência decretada por Kosovo, Putin respondeu concedendo reconhecimento formal às duas repúblicas separatistas da Geórgia.
Ao longo dos últimos 10 anos, o governo russo emitiu passaportes para virtualmente todos os habitantes da Ossétia do Sul, uma medida que se tornaria a justificativa oficial para o envio de tropas ao território georgiano. E no ano passado a Rússia suspendeu seu cumprimento do Tratado sobre Forças Convencionais na Europa, que entre outras coisas requeria que o país retirasse suas forças militares da Geórgia e da Moldova. Mas outras emoções surgiram, algumas das quais imprevisíveis. Putin desgosta especialmente de Saakashvili.
Em abril, quando Putin decidiu estabelecer conexões formais com os governos das duas repúblicas separatistas, o presidente georgiano decidiu telefonar para ele e relembrá-lo de que os líderes ocidentais haviam feito declarações de apoio à posição da Geórgia. Putin respondeu informando - em termos muito crus - onde exatamente o presidente georgiano podia enfiar as declarações.
"A atitude dele para com Saakashvili é tão visceral que isso parece tornar inaudível qualquer outra coisa que digam a Putin", diz um importante funcionário do governo norte-americano, sob a condição de que seu nome não fosse revelado.
Talvez demore algum tempo para interpretar corretamente as mensagens enviadas por Putin na semana passada, mas pelo menos uma delas é bastante clara: a Rússia insiste em ser vista como grande potência. "O problema é determinar que espécie de grande potência está emergindo", disse Trenin, do Centro Carnegie. "Será que teremos uma grande potência disposta a viver de acordo com as convenções do mundo tal qual ele existe no século XXI?"
Tradução: Paulo Migliacci ME
The New York Times