Por Mark Ames – 8 de agosto de 2008 - http://www.thenation.com/doc/20080818/ames.
A eclosão da guerra na Geórgia, na sexta-feira, oferece um perturbador e, de algum modo, surreal sabor do que esperar caso John McCain se torne o comandante-chefe da nossa nação. Enquanto séculos de animosidades étnicas entre Geórgia e Ossétia fervem em outro conflito armado, arrastando a vizinha Rússia, McCain emitiu uma declaração, tremendamente irracional, de Des Moines, que é, perturbadoramente, reminescência da linguagem utilizada para levar a OTAN à guerra contra a Iugoslávia, em 1999, uma guerra pela qual McCain, zelozamente, pressionou:
"Nós devemos, de imediato, pedir um encontro do Conselho do Atlântico Norte, para avaliar a segurança da Geórgia e rever as medidas que a OTAN pode tomar para contribuir rumo à estabilização dessa situação muito perigosa,” disse McCain.
Pedindo a OTAN que “estabilize esta situação perigosa” não vai cair bem com a Rússia, onde imagens de pacificadores russos mortos e de civis ossétios, apavorados, fluindo pelas suas fronteiras, colocou o país num clima muito vingativo. É difícil imaginar quais medidas a OTAN poderia tomar sob uma presidência McCain, mas, na cabeça de um homen que acha que as tropas americanas devem permanecer, cem anos, no Iraque, e que anda por aí, cantando “Bomba! Bomba no Irã!” não é difícil adivinhar – e ainda menos difícil não ficar horrorizado pelo que pode acontecer, a partir de janeiro de 2009, se ele ganhar.
O apelo de McCain para envolver a OTAN na guerra não apenas é assustador, também é uma ilusão: ambas as forças, da OTAN e dos Estados Unidos estão, já, distendidas além do ponto de ruptura, mesmo pela própria avaliação recente do Presidente dos Chefes Combinados de Estado-Maior, Michael Millen.
Mas o cérebro de McCain permanece sem sere detido pela realidade, um fato que se tornou dolorosamente claro, hoje, em Des Moines, quando ele, também, exigiu, “Os EUA devem, imediatamente, convocar uma sessão de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para pedir à Rússia que reverta o curso.”
O problema com a ousada exigência de McCain sobre ir à ONU é que a Rússia já tentou fazer, exatamente, o que McCain pediu – e foi rejeitada pelos companheiros neocons de McCain na Administração Bush. No início desta manhã, a Rússia convocou uma sessão de emergência do Conselho de Segurança da ONU, apelando para ambos os lados cessarem, imediatamente, as hostilidades, voltarem à mesa de negociações e renunciar ao uso da força – mas esta última parte sobre a renúncia ao uso da força é, exatamente, o que o presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, se recusa a fazer.
A Administração Bush mostrou que não tem paciência com sonoras resoluções “renunciando ao uso da força”. De acordo com um relato da Reuters, do início deste dia:
À pedido da Rússia, o Conselho de Segurança da ONU manteve uma sessão de emergência em New York, mas fracassou em alcançar consenso, no começo da sexta-feira, sobre uma declaração rascunhada pela Rússia.
O Conselho concluiu que estava em impasse, após os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e alguns outros membros apoiarem os georgianos na rejeição à frase, na declaração, rascunhada em três sentenças, que exigia que, ambos os lados, “renunciem ao uso da força”, disseram diplomatas do conselho.
O signficado disto é claro: os Estados Unidos e a Grã-Bretanha estão apoiando a invasão de Saakhvili. Por quê deveríamos apoiar a insensata guerra de Saakashvili, quando, ano passado, até mesmo Bush, estava denunciando esse rascunho de Pinochet pelo seu violento ataque contra seu próprio povo, durante uma pacífica manifestação da oposição, na capital da Geórgia, como, também, fechando a mídia oposicionista e exilando oponentes políticos? Isto seria um enigma insolúvel, se os últimos sete anos já não tivessem respondido esta questão, tantas vezes, de forma dolorosa.
Mas, com McCain, responder a isto é um pouco mais complicado. Quando ele emitiu a declaração de hoje, em Des Moines, pedindo para a Rússia fazer o que ela já tinha feito, poucas horas antes, você pode se perguntar: ou a memória de curto-prazo de McCain está, totalmente morta, encerrada numa impenetrável placa de zircônio-alumínio... ou, pior, McCain, muito simplesmente, não dá porra nenhuma pela realidade, ele só quer acender a guerra na Geórgia, com tanta vontade quanto Saakashvili quer.
A dolorosa verdade é, muito provavelmente, uma combinação das duas, o que é o pior de todos os mundos, considerando a furiosa russofobia de McCain, e os laços financeiros e ideológicos da sua equipe de campanha com Saakashvili. Como já foi relatado, o principal conselheiros de política externa de McCain, o neocon Randy Scheunemann, tem, há muito tempo, relações financeiras com Saakashvili, para ser lobista dos interesses deste último, nos Estados Unidos.
De acordo com o Wall Street Journal:
Em 2005, o senhor Scheunemann pediu ao senador McCain para apresentar uma resolução no Senado, expressando apoio para a paz, na região de influência russa da Ossétia do Sul, que deseja se separar da Geórgia, mostram os registros.
Tais resoluções de apoio do Senado são simbólicas, mas úteis para as relações diplomáticas dos países. O Senado aprovou a resolução do senador McCain, em dezembro de 2005, e a Embaixada georgiana publicou o texto no seu website.
O senador McCain endossou o objetivo da Geórgia de entrar na OTAN, uma questão para a qual o país contratou o senhor Scheunemann para fazer lobby. Em 2006, o senador McCain pronunciou um discurso na Conferência de Munique sobre segurança, na Alemanha, na qual disse que “Geórgia tem implementado reformas militares, econômicas e políticas, de longo alcance” e deveria entrar na OTAN, segundo mostra um texto de seu discurso, no website da conferência.
Scheunemann, um barbudo, com cara de Geek, que parece com um bonequinho de G.I. Joe que tivesse sido cevado por anos enchendo a pança em restaurantes luxuosos, com políticos traficantes de influência e pequenos ditadores. Também trabalhou para o recentemente caído em desgraça, levantador de fundos de Bush, Stephen Payne, fazendo lobby para seu negócio petrolífero, Aliança do Cáspio. O oleoduto do Cáspio, corre através da Geórgia, a principal razão pela qual o país tem puxado os cordões dos neocons e plutocratas do petróleo há, pelo menos, uma década ou mais.
Em 2006, McCain visitou a Geórgia e denunciou os separatistas sul-ossétios, provando que Scheunemann não tinha desperdiçado o dinheiro de seus patrocinadores georgianos. Num discurso que ele fez, numa base do exército georgiano, em Senaki, McCain declarou que a Geórgia era “a melhor amiga” da América, e que os pacificadores russos deveriam ser postos para fora.
Hoje, as forças georgianas, vindas desta mesma base em Senaki, são parte da força de invasão da Ossétia do Sul, uma invasão que deixou montes – talvez, centenas – de habitantes mortos, pelo menos dez pacificadores russos, e 140 milhões de russos, emputecidos, clamando por sangue.
Perdido em tudo isto, não só está a questão do por quê a América deveria arriscar um apocalipse para ajudar um pequeno ditador, como Saakashvili, a conseguir o controle de uma região que não quer nada com ele. Mas ninguém está parando para perguntar o quê os próprios ossétios pensam a respeito disso, ou por quê eles estão lutando por sua independência, em primeiro lugar. Isso porque os georgianos – com a ajuda de lobistas como Scheunemann – tem avançado a linha de que a Ossétia do Sul é uma ficção, construída pelos malvados neo-stalinistas do Kremlin, antes do que um povo com uma legítima reinvindicação.
Uns poucos anos atrás, eu tive um ossétio trabalhando como diretor de vendas para o meu, agora, defunto jornal, The eXile. Após escutar-me, arengar sobre o quanto eu sempre gostei (e ainda gosto) dos georgianos, ele, por fim, perdeu a paciência, e contou-me o outro lado da história georgiana, explicando como os georgianos tinham, sempre, maltratado os ossétios, e como os sul-ossétios queriam se reunir à Ossétia do Norte, de modo a evitar serem engolidos, e como este conflito, recua nos tempos, muito antes dos dias da União Soviética. Ficou claro que o ódio georgiano-ossétio era velho e profundo, como muitos conflitos étnicos nesta região. Na verdade, inúmeros grupos étnicos caucasianos ainda guardam profundo ressentimentos para com a Geórgia, acusando-os de imperialismo, chauvinismo e arrogância.
Um exemplo disto pode ser encontrado no livro do historiador Bruce Lincoln, Red Victory, no qual ele escreve sobre o período da breve independência da Geórgia, de 1917-1921, um tempo quando a Geórgia foi apoiada pela Grã-Bretanha:
os líderes georgianos, rapidamente, se moveram para alargar suas fronteiras às custas de seus vizinhos armênios e azerbaijanis, e sua ânsia territorial espantou observadores estrangeiros. “O estado democrático socialista independente da Geórgia, sempre irá permanecer na minha memória como o exemplo clássico de uma pequena nação imperialista,” escreveu um jornalista britânico... “Tanto na tomada de territórios no exterior, quanto na tirania burocrática interna, seu chauvinismo está além de quaisquer limites.”
Na quinta-feira, seguindo-se a intenso canhoneio e disparo de foguetes katyusha contra Tskhinvali, um fluxo de refugiados se estendia a partir da Ossétia do Sul, contando aos repórteres que os georgianos tinham nivelado, aldeias inteiras, e a maioria de Tskhinvali, deixando “pilhas de cadáveres” nas ruas, mais de mil por alguns relatos. Entre os mortos, estão, pelo menos, dez pacificadores russos, que tombaram após sua base ter sido atacada por forças georgianas. Relatos também dizem que as forças georgianas destruíram um hotel onde jornalistas russos estavam.
Em resposta, jatos russos bombardearam posições georgianas, tanto dentro da Ossétia do Sul, quanto da Geórgia propriamente dita, atacando uma base onde instrutores militares americanos estavam aquartelados (não há relatos de americanos feridos). Pelo meio-dia, hora de Moscou, uma televisão local mostrou casas incendiadas e mulheres e crianças ossétias se amontoado em abrigos anti-bombas, colunas blindadas russas, atravessando para o interior do território georgiano, e o presidente da Geórgia pedindo por total mobilização de homens em idade militar, para a guerra contra a Rússia.
A invasão foi apoiada por uma ofensiva de relações-públicas tão esquematizada e sofisticada que, eu mesmo, recebi um chamado histérico de um gerente de companhia de investimentos especulativos, em New York, berrando sobre um “chamado aos investidores” que o primeiro-ministro georgiano Lado Gurgenidze fez, esta manhã, com cerca de cinqüenta dos principais gerentes de investimentos bancários e analistas ocidentais. Depois, eu vi um resumo do J.P. Morgan da conferência, que, lindamente, reflete o pontos discutidos, mais tarde pegos pela mídia.
Estes tipos de conferência são, geralmente, conduzidos pelos cabeças das companhias de modo a oferecer condução aos analistas bancários. Mas, como o gerente de investimentos contou-me, hoje, “a razão pela qual Lado fez isto é porque ele sabia do enorme valor de relações-públicas que a Geórgia iria ganhar indo até o pessoal do dinheiro e analistas, particularmente tendo em vista ser a Geórgia, claramente, a agressora desta vez.” Como ex-banqueiro de investimentos, que trabalhou em Londres, e que foi chefe do Banco da Geórgia, Gurgenidze sabia o que estava fazendo. “Lado é um ex-banqueiro, portanto, ele sabia que, retratando o conflito para os mais influentes banqueiros e analistas em New York, estes banqueiros donos do poder iriam escrever relatórios e irem até a CNBC e enunciar os pontos da conversa de Lado Gurgenidze. Isso foi brilhante, e agora você pode começar a ver a mídia americana mudar sua cobertura dizendo que a Geórgia está invadindo território ossétio, para uma nova postura, que é a agressão imperial russa contra a diminuta Geórgia.”
A coisa realmente assustadora sobre esta conferência de investidores é que isto sugere um real planejamento. Como o administrador de investimentos contou-me, “estas coisas não se arranjam da noite para o dia.”
Onde esta guerra vai levar, é impossível de dizer, mas como o Iraque e o Afeganistão, para não mencionar a Chechênia, tem demonstrado, guerras tem um modo gozado de durarem mais, custando mais em dinheiro e vidas, e arrancando quaisquer liberdades individuais que as populações afetadas possam ter. Tão boa quanto esta guerra possa ser para Saakashvili, que se tornou cada vez mais impopular em casa e no exterior, ou para McCain, cujos números nas pesquisas parecem subir, toda vez que a placa de gordura devora mais outro lóbulo de seu cérebro, ela também se encaixa bem para o ressurgido primeiro-ministro Putin que parece ter ficado, cada vez mais, ressentido com a titubeante independência e um ar liberalizante, do seu sucessor, escolhido a dedo, presidente Dmitry Medvedev. Não há nada como uma boa guerra para tirar do caminho um liberal presunçoso que se atravessa no seu caminho – até mesmo McCain pode apreender este conceito.
Enquanto escrevo isto, forças russas estão combatendo para retomar Tskhinvali, enquanto Saakashvili tem estado, alternadamente, afirmando ter retirado suas forças, ou que elas estão no controle total da cidade, e derrotando os russos. Enquanto isso, a Geórgia tem assumido uma ofensiva de relações-públicas, maciça, bem-sucedida e esquematizada em vários níveis, auxiliado por anos cultivando pessoas como John McCain, tanto como um exército de neocons e antigos lutadores da guerra fria, que, naturalmente, gravitam em torno de uma luta contra a Rússia.
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Mark Ames é o editor do jornal alternativo de Moscou, The eXile. Ele é o autor de Going Postal: Rage, Murder and Rebellion Fron Reagan’s Workplaces to Clinton’s Columbine and Beyond (Soft Skull) and The eXile: Sex, Drugs and Libel in the New Russia (Grove).