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Mensagem
por Marino » Dom Fev 24, 2008 10:13 am
Paraguai ameaça fazer com Itaipu o que Evo Morales fez com o gás
Candidatos defendem mudança na parceria; líder na corrida presidencial quer que o Brasil pague 8 vezes mais
Agnaldo Brito
Pela primeira vez, em 60 anos, a hegemonia do Partido Colorado no Paraguai pode cair por terra. Dom Fernando Lugo, um ex-membro do episcopado latino-americano, lidera a corrida eleitoral e pode tornar-se presidente nas eleições do próximo dia 20 de abril. Um cristão-novo na política paraguaia com idéias de mudanças, entre as quais a disposição, tal como o boliviano Evo Morales, de rever os termos de um negócio gigante e estratégico para o Brasil, a Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Não é o único. Há no Paraguai uma clara insatisfação com o destino de quase a totalidade dos 45 mil gigawatts/hora (GWh) por ano - metade da produção de Itaipu - que rumam para o Brasil e ajudam a mover a economia nacional. Itaipu atende 20% da demanda brasileira. Blanca Ovelar, candidata apoiada pelo atual presidente Nicanor Duarte e terceira colocada na última pesquisa publicada pelo diário ABC Color -, mantém planos de renegociar pontos do Tratado de Itaipu, a base contratual sobre a qual foi erguida a maior usina do mundo. O general Lino Oviedo, que esteve exilado no Brasil depois de ser acusado de articular um golpe contra o governo Wasmosy, afirma - embora em tom mais ameno - que também irá, se for eleito, discutir pontos da relação binacional em Itaipu.
Entretanto, nenhum candidato tem usado o assunto como estratégia de mobilização dos paraguaios como Lugo. A recuperação da “soberania energética” é repetida em todas as carreatas e discursos do líder da frente Aliança Patriótica para a Mudança, um aglomerado de sete partidos políticos (entre os quais membros do dividido Partido Colorado e do Partido Liberal) e 11 movimentos sociais. A campanha oficial iniciada na última quinta-feira promete esquentar ainda mais o tema.
Em cada púlpito em que aparece, o ex-bispo da Igreja Católica inflama os paraguaios ao dizer que, uma vez no governo, abrirá negociações para derrubar a exigência que faz o Paraguai entregar ao sócio brasileiro a energia excedente e, principalmente, a discussão de um “preço de mercado” por megawatt/hora vendido ao Brasil.
“Ele está certo em querer isso para os paraguaios”, revela o eleitor José Domingo Medina, de 94 anos, que na quarta-feira se juntou a cerca de 200 paraguaios que acompanhavam o candidato num corpo-a-corpo pelas ruas da periferia de Assunção. Cartazes de campanha com a frase “Itaipu, o justo para o Paraguai”, trazem a hidrelétrica para o centro da disputa.
Lugo alega que o Paraguai obtém um retorno anual de US$ 200 milhões pela venda da energia, exclusiva para o vizinho, e pretende transformar o país num exportador “livre”. O fato de isso ser impossível, por ora, já que o Paraguai não tem linhas de transmissão para tal, não parece ser um problema.
A meta de Lugo é elevar o valor da venda de energia ao Brasil a US$ 1,8 bilhão. “O mais importante é a recuperação da soberania de Itaipu e Yacyretá (usina binacional com os argentinos). Uma política energética que não permita mais a atual condição de entregar ao Brasil uma energia a preço de custo”, disse em entrevista ao Estado.
Lugo nega que tenha se inspirado em Evo Morales para implantar uma “política de mudanças”, mas o líder boliviano é personagem recorrente das lideranças políticas que compõem a frente. Todos ressaltam a decisão boliviana de mudar os contratos de exploração e produção de gás. Alegam que a medida promoveu “maiores entradas” de recursos à Bolívia após a nacionalização. Acham que é um exemplo a ser seguido.
Encontro com lula
A proposta de revisão da relação binacional Brasil e Paraguai poderá ser dita pessoalmente a Lula. Depois de ter recebido o general Lino Oviedo, o embaixador brasileiro em Assunção comunicou na semana passada ao candidato da Aliança Patriótica para a Mudança que Lula poderá recebê-lo em março.
Lugo promete informar o presidente brasileiro sobre a disposição de levar adiante o plano de renegociar o preço da energia cedida ao Brasil, caso tenha êxito na disputa. “Queremos apontar (ao presidente Lula), com clareza, nossas inquietudes ante o preço da energia que se fornece ao Brasil.”
Brasil reage com 'dez verdades'
Documento rebate alegações em relação ao destino e ao preço da energia da Usina de Itaipu
Agnaldo Brito
Em um documento não-oficial chamado “10 verdades sobre Itaipu”, obtido pela reportagem do Estado, o Brasil tenta rebater com argumentos a crescente insatisfação paraguaia em relação ao destino e ao preço da energia. O Itamaraty entregou a missão de explicar os termos do tratado ao embaixador brasileiro em Assunção, Valter Pecly Moreira.
O Brasil avalia que há uma “avalanche de desinformações, distorções e inverdades” sobre Itaipu que estão “criando um clima de animosidade, desconfiança e ressentimento entre paraguaios e brasileiros”.
O documento alega ter sido “vantagem” para o Paraguai a renegociação da dívida de Itaipu Binacional, hoje em US$ 19,4 bilhões, o que inclui os débitos antigos, tomados para a construção da hidrelétrica e, mais recentemente, os recursos necessários para a instalação das duas últimas turbinas, totalizando 20 unidades de geração, dez para cada País.
O texto tem a preocupação de mostrar a rentabilidade da usina para o país. Segundo informa, o Paraguai já teria recebido em royalties, encargos de administração e supervisão, rendimento de capital e remuneração pela cessão da energia um total de US$ 4,7 bilhões, entre os anos de 1985 e 2006. Até 2023, o governo paraguaio deverá receber outros US$ 5 bilhões. Em recurso relativo exclusivamente à remuneração por cessão de energia, o país recebeu no período US$ 1,7 bilhão, e é sobre essa conta que recai a principal polêmica.
O Brasil alega que não cabe preço de mercado sobre essa conta, já que o pagamento refere-se a uma compensação pela renúncia paraguaia ao “direito de aquisição” dessa energia, algo que não o faz por não ter consumidor para tanto. “A remuneração por cessão de energia não pode ser confundida com o pagamento efetivo do custo da energia, já que se trata de uma compensação ao país cedente pela renúncia ao direito de aquisição”, diz o documento.
Um preço de mercado só seria possível depois de quitadas todas as dívidas de Itaipu, o que vai ocorrer apenas em 2023. Hoje, uma mudança nessa regra implicaria, segundo apurou a reportagem, um preço dez vezes maior ao consumidor brasileiro, cerca de R$ 600 o MWh. Só para comparação, a concessão da Usina Jirau, no Rio Madeira, foi arrematada por um pouco mais de R$ 70 o MWh.
Exportação
A exportação de energia do Brasil para a Argentina ampliou as desconfianças do Paraguai. No documento, o Brasil nega que tenha exportado energia produzida em Itaipu para a Argentina, e reconhece que isso seria um claro descumprimento do tratado. O socorro brasileiro aos argentinos foi feito com a geração de térmicas a gás natural. “O auxílio brasileiro para mitigar a crise energética da Argentina não tem relação com a energia de Itaipu, inteiramente destinada ao mercado interno”, diz o texto.
Disputa eleitoral paraguaia preocupa empresas no Brasil
Dois candidatos questionam na campanha validade do acordo de Itaipu
Lu Aiko Otta e Denise Chrispim Marin
Em tempos de escassez de energia em toda a América Latina, um novo foco de preocupação surgiu no radar do empresariado brasileiro: o Paraguai. Com eleições presidenciais marcadas para 20 de abril e com dois candidatos colocando no centro de suas campanhas a promessa de pressionar o Brasil para uma renegociação do acordo da usina hidrelétrica binacional de Itaipu, o país vizinho pode se converter em mais um ponto de insegurança energética na região, a exemplo do que já é a Bolívia.
“O processo é acompanhado com preocupação na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), porque dois candidatos fazem campanha falando contra o Brasil e colocam em discussão a validade do acordo de Itaipu”, disse ao Estado o diretor-adjunto de Relações Internacionais da entidade, Thomaz Zanotto. “Itaipu responde por 40% da eletricidade consumida no Sul e Sudeste.”
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, o assunto é delicado. “As autoridades precisam ficar alertas à evolução dessa questão”, afirmou. “Ficar alerta quer dizer estar sustentado por contratos e acordos sólidos.”
Embora preocupados, os empresários acham que não se deve interferir no processo eleitoral do Paraguai. “O melhor presidente é o que os paraguaios escolherem”, afirmou o dirigente da Fiesp.
Os dois candidatos mais incendiários quando o tema é a relação Brasil-Paraguai são Blanca Ovelar, do partido que domina o governo paraguaio há 66 anos, o Colorado, e Fernando Lugo, um ex-bispo católico com discurso de extrema-esquerda cuja principal legenda de sustentação é o Partido Liberal Autêntico, de direita.
Pesquisa encomendada na semana passada pelo Partido Colorado mostrou que Lugo lidera as intenção de voto, com 31%. Blanca e o candidato que menos problemas traria ao Brasil, o general Lino Oviedo, aparecem empatados tecnicamente, com 27% e 28%, respectivamente. Entretanto, à questão sobre quem deve vencer as eleições, 47,5% das pessoas consultadas apontaram o nome de Blanca.
A situação preocupa a ponto de um grupo de empresários brasileiros haver consultado o Ibope sobre a possibilidade de realizar uma pesquisa de intenção de votos no país vizinho. O trabalho não foi contratado. Além da indústria do Sul e do Sudeste, empresários de Estados que fazem limite com o Paraguai temem que os discursos de campanha inflamem as ações de grupos que vêem no Brasil um império obcecado em prejudicar o Paraguai.
O Itamaraty está ciente desse risco e preparado para uma nova onda de gritaria em favor da “soberania energética” do governo que vier a ser eleito no Paraguai. Fontes da diplomacia explicam que os ataques freqüentes de paraguaios ao Tratado de 1973, que permitiu a construção de Itaipu e definiu as regras do compartilhamento da energia elétrica, acontecem porque, nesse país, Itaipu é vista como uma “caixa preta”. “Nós, brasileiros, encaramos Itaipu como uma fonte de energia elétrica barata. Os paraguaios a vêem como fonte de dólares (dos royalties)”, completou.
Para Zanotto, são poucos os problemas concretos que o próximo presidente do Paraguai pode provocar ao Brasil. “Não dá para fazer praticamente nada, porque os contratos de Itaipu são bem feitos”, disse. “Mas vemos o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, questionando contratos com uma petrolífera americana; há problemas do Equador em relação à Petrobrás - enfim, governos que simplesmente alegam injustiças para tentar renunciar contratos, sem nenhuma base legal.” Nesse sentido, o Paraguai pode tornar-se um foco de dor de cabeça parecido com a Bolívia.